A guinada na comunicação do governo Lula, a regulação das big techs, a guerra semiótica entre o sul global e os Estados Unidos, o uso de inteligência artificial nas próximas eleições, a produção de antídotos contra fake news e a união de esforços contra elas foram temas da entrevista do jornalista e professor Felipe Pena, da Universidade Federal Fluminense (UFF) ao programa Café PT da TvPT na manhã desta segunda-feira (1).

“A comunicação do governo acerta muito ao ‘pagar o resgate’ do sequestro da cognição pública e conseguir resgatar o patriotismo, o sentimento nacional que está muito a reboque do próprio tarifaço imposto pelos Estados Unidos a pedido do filho do ex-presidente Bolsonaro. E aí o boné “O Brasil é dos brasileiros” é realmente um símbolo dessa batalha cognitiva, que chamei de guerra semiótica. Esse sequestro cognitivo vai acabando a partir dessas ações de comunicação que, a meu ver, agora começam a ser bastante eficientes”, disse ele, ao elogiar o presidente do PT, Edinho Silva, e o ministro da Secretaria de Comunicação (Secom) Sidônio Palmeira.

“Os setores progressistas estão muito mais preparados. Na presidência do partido tem um grande comunicador, o Edinho Silva, e na Secom tem um grande comunicador que é o Sidônio, que entende de comunicação. Duas pessoas que entendem muito de comunicação e sabem que 2018 aconteceu porque as redes sociais foram ignoradas, se não foram ignoradas pelo menos não havia o conhecimento necessário, o profissionalismo necessário para se combater a produção extrema de fake news”, afirmou.

Junto com o empenho do governo e do PT em estabelecer estratégias de combate às fake news e uso de ferramentas eficazes de comunicação digital, o professor vê como missão dos acadêmicos a defesa da democracia. Ele avalia que cada vez mais pesquisadores tem feito estudos para tentar não só entender como produzir respostas mais eficientes para defender a democracia.

“No final das contas se trata disso. Comunicação para defender a democracia, essa é a nossa missão. É de interesse coletivo que a comunicação produza seus efeitos nessa guerra semiótica, a comunicação dos setores democráticos”, disse ele, ao prosseguir com um apelo pela garantia da democracia.

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“É por isso que eu convoco e apelo a todos os professores, estudantes e comunicadores que pesquisam o tema que continuem produzindo, estudando e ajudando os setores democráticos a travar essa guerra semiótica porque, no final das contas, o Zeitgeist, o espírito do tempo que estamos vivendo, é muito parecido com 1920/1930 quando se gestou o fascismo e nazismo”, assinalou. “É preciso que haja uma união entre pesquisadores e comunicadores democratas porque, no final das contas, quando a gente está falando de comunicação nas eleições de 2026, o que está em jogo é isso, a democracia”, alertou.

União de forças para combater as fake news

Contra as fake news, Pena acredita que há um conhecimento maior sobre os antídotos, não só os produzidos na universidade mas os que o próprio governo produz. “Tem havido uma simbiose, uma união de todas essas forças que produzem comunicação digital e que pesquisam a produção de fake news para combater essa produção”, disse o professor que tem mais de 100 grupos de extrema direita monitorados por pesquisadores. Eles identificam as fake news no nascedouro e já pensam na produção de um antídoto.

“Fazemos isso de forma experimental. Na campanha (eleitoral) e no governo têm que fazer isso em nível macro. Eu acho que o Sidônio e Edinho já devem estar obviamente organizados para isso, os bonés já são uma certa resposta a isso. As mensagens tem que ser muito mais fortes, muito mais eficientes

Inversão cognitiva

O professor falou sobre inversão cognitiva, conceito diferente de dissonância cognitiva que é quando uma informação é contrária a outra mas a pessoa aceita as duas informações. “A inversão é quando você tem uma informação A e você convence que aquela informação A é a informação B”, disse ele dando o exemplo do tarifaço de Donald Trump.

“Todos sabem que ele foi provocado pelo Eduardo Bolsonaro e pelo blogueiro Paulo Figueiredo. Os próprios confessam isso diariamente nas redes sociais”, apontou. No entanto, uma parte da direita tenta inverter essa cognição pública jogando o tarifaço no colo do presidente Lula, como se fosse uma falta de habilidade do governo brasileiro para promover o tarifaço, uma falta de habilidade do governo brasileiro em negociar. “Essa é a inversão cognitiva”, assinala Felipe, que ilustra a situação de outra forma bem simples.

A inversão cognitiva é uma estratégia pensada e com metodologia muito própria que ocorre após o sequestro da cognição pública. Ela não se dá apenas de maneira racional mas principalmente de forma simbólica, com penetração no inconsciente, com o uso de símbolos como a bandeira, a camisa da Seleção Brasileira.

“Repare: é um símbolo nacional que foi sequestrado pela extrema direita, então é um sequestro da cognição pública que passa a enxergar, no setor político, no caso a extrema direita, como um setor patriótico que defende a pátria porque se apropriou cognitivamente dos símbolos nacionais. A gente sabe que isso é uma grande falácia mas a extrema direita conseguiu vender isso muito bem”.

Resgate dos símbolos

Pena acredita que os símbolos sequestrados pela extrema direita serão resgatados no curso e médio prazo. “Já começaram a ser resgatados não só porque há eleições no ano que vem. Foi criada uma oportunidade comunicacional e isso precisa ser aproveitado. A comunicação em era digital se faz com linguagem e com velocidade. Velocidade na resposta com linguagem própria de rede social. São dois fatores básicos e acho que nisso a comunicação vem acertando muito. Assim os setores democráticos vão conseguir vencer os setores antidemocráticos, fascistas e a extrema direita que estão não só no Brasil mas no mundo inteiro”, afirmou.

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O controle do imaginário, que se dá através da linguagem simbólica, foi ignorado durante muito tempo pelos setores progressistas, avalia pena, enquanto a direita “nadou de braçada produzindo diversos símbolos, sequestrando a cognição pública, posando de patriotas e honestos”, disse ele. “Outros signos foram apropriados de forma mentirosa mas com muita eficiência comunicacional e agora parece que a nova comunicação do governo começa a resgatar isso. Fico bastante otimista em ver que essa batalha, essa guerra semiótica, começa a tomar outro rumo e espero que continue assim”, assinalou.

Produção de antídotos

O professor alerta que não basta não cair em fakenews e que é preciso produzir o antídoto para mostrar que é uma inversão cognitiva. “Se você está vendo alguém dando um soco na cara de alguém, não é a cara que está indo ao encontro do soco. Mas muitas vezes isso não é tão óbvio assim, porque a massificação das fake news, a massificação de uma cognição produzida artificialmente tem efeitos no público que são imediatos”, analisou.

Quando um público de direita recebe a informação equivocada de que o tarifaço só acontece porque o governo Lula não é capaz de negociar com os Estados Unidos, a tendência desse público que já teve a cognição sequestrada pela extrema direita é difundir esse conteúdo.

“E como é que se produz o antidoto? Mostrando a realidade sempre de forma direta, na linguagem certa e no tempo certo. E aí a gente produz o antídoto”, ressaltou, mostrando que o próprio discurso de Eduardo Bolsonaro é um antídoto porque ele assume, tem o sobrenome Bolsonaro, está nos Estados Unidos e está dizendo que é o responsável pelo tarifaço. “Imediatamente tem que se mostrar isso numa rede social”, salientou.

Estratégia unificada da extrema direita

“A guerra semiótica acontece entre o sul global e o império que tenta aglutinar forças de extrema direita em torno de si. O Trump ele é apenas a locomotiva de um grande movimento internacional que pode ter sua comunicação gestada nos Estados Unidos”, diz ele, acrescentando que ela ocorre na Argentina, Hungria e Itália, onde a extrema direita tem sucesso e até mesmo onde ela não é governo, como em Portugal e Espanha, com os partidos Chega e Vox, respectivamente.

Em todos os países há uma estratégia unificada. Pena lembra da fake news sobre pedofilia contra a candidata Hillary Clinton. “Era um grande absurdo, mas 49% do público republicano acreditou de imediato e comprou a história. Isso serviu de laboratório e foi usado em várias outras campanhas do mundo”, observou, ao lembrar da fake news do banheiro unissex na campanha de 2018.

“Isso é o que a extrema direita produz, é uma guerra semiótica, de signos, ela produz significados para determinados conteúdos e vende como se fossem verdade. Cabe aos setores democráticos rebater isso”, alertou o professor, ao comentar que seu papel na universidade é tentar entender como eles trabalham com o inconsciente coletivo. Pena vê que o desempenho dos comunicadores da extrema direita vem tendo com muita eficácia em nível mundial mas que cabe aos comunicadores do setor democrático pesquisar e produzir respostas.

“Durante muito tempo não conseguimos travar essa batalha semiótica, mas acho que agora isso começa a aparecer, porque agora estamos começando a dar o devido valor ao que não a gente não entendia.

“O público de centro deve ser visualizado na hora de se produzir uma contraofensiva comunicacional. É para isso que a gente tenta trabalhar aqui na universidade, para fazer peças com eficiência, que contem a verdade e que desfaçam esses nós das inversões cognitivas que a extrema direita produz diariamente”, salientou.

IA e deep fakes

Pena avalia que extrema direita alimenta com muito mais eficiência e volume a inteligência artificial (IA). O professor disse que um dos principais anunciantes na Meta é a Brasil Paralelo, que alimenta as redes com fake news. Como a IA se baseia no que mais se exibe nas redes, há mais chances de busca como verdade o que a Brasil Paralelo divulga.

“É preciso alimentar a inteligência artificial para que ela não responda de maneira equivocada, com fake news”, reforçou, ao falar das deep fakes produzidas também com inteligência artificial. Ele vê a via do humor, como setores progressistas fizeram na campanha sobre o Congresso defendendo os ricos.

“Foi muto bem feito com inteligência artificial por setores progressistas mas vai ter uma contra ofensiva do outro lado produzida de forma orgânica. É uma batalha que a gente está pesquisando aqui, que está muito no início e tem que ser levado muito a sério para 2026”, afirmou, ao observar que o algoritmo dá preferência ao discurso de ódio.

“É preciso realmente regulamentar para que o ódio não prevaleça nas redes sociais”, sinalizou, ao expressar sua satisfação em ver o presidente Lula falando da regulação das big techs, que precisam ser responsabilizadas pelas mentiras pelos crimes que acontecem em seus domínios.

“Quando o Trump fala que não vai regulamentar as big techs porque elas são um patrimônio americano, é um desafio à pátria brasileira, a nossa soberania. O discurso da soberania também vale para essa regulamentação. A Europa está regulamentando, os países europeus estão regulamentando, porque o Brasil não vai regulamentar? Toda a vida social é regulamentada! Aí a gente vai ter uma democracia muito mais sólida mais forte”, concluiu.

Da Redação

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Last Update: 01/09/2025