Enquanto condena magnatas, administração reduz apoios sociais e destina bilhões a corporações e à agroindústria

As recentes declarações de Lula criticando a desigualdade, o acúmulo de riquezas dos bilionários e em defesa dos gastos sociais poderiam fazer crer que o governo, tocado por obra e graça do Espírito Santo, deu um cavalo de pau em sua política econômica e resolveu reverter o que fez até agora, como o regime de austeridade e arrocho representado pelo novo Arcabouço Fiscal. Mas, na prática, a história é outra.

O governo Lula segue com sua tática do policial mal e do bonzinho. Uma divisão de tarefas que deixa o papel de fazer um discurso contra os bilionários e a desigualdade ao presidente, muito provavelmente baseado em pesquisas internas de opinião pública, e ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e à ministra do Planejamento, Simone Tebet, a responsabilidade de anunciar a política efetivamente implementada na prática: cortes sociais e ajuste fiscal em favor dos bilionários.

Vejamos, Haddad e Tebet indicaram a intenção do governo acabar com o mínimo constitucional da saúde e educação. Hoje, o piso que a Constituição estabelece para a saúde é de 15% do orçamento, e 18% para a educação. O problema é que essa regra bate de frente com o Arcabouço Fiscal do governo, que impõe um limite de 0,6% a 2,5% de aumento nos gastos públicos, atrelado à elevação da arrecadação e à meta fiscal. Isso significa que, ou cai o arcabouço, ou cai a vinculação da saúde e educação.

A desoneração da folha de pagamento de 17 setores da economia, que o governo não se mexeu para derrotar no Congresso Nacional, e a concessão de ainda mais subsídios, pressiona o governo a avançar no ajuste fiscal, a exemplo dos 0% de reajuste ao funcionalismo federal. Para isso, o governo busca aqui e ali, uns trocados para compensar as bondades aos grandes empresários, e, ao mesmo tempo, manter o Arcabouço Fiscal exigido pelos banqueiros e o mercado. Uns trocados em cima dos pobres, como os cortes nos benefícios previdenciários e a taxação da importação das blusinhas de até 50 dólares.

Mercado exige mais

Porém, os banqueiros e o mercado exigem mais. E o governo está sempre atento e disposto a atender. Haddad se reuniu com grandes banqueiros em junho, incluindo o CEO do Santander, para tratar do arcabouço. Segundo relatos à imprensa, o ministro se comprometeu a fazer três coisas: cumprir a meta fiscal, cortar o que for necessário para atingi-lo, e não mudar, em hipótese nenhuma, o Arcabouço Fiscal.

Coincidentemente, a mesma resolução divulgada após a reunião da equipe econômica com Lula, divulgada a fim de acalmar os mercados e dissipar qualquer dúvida de que Haddad estaria desgastado, ou que o governo flexibilizaria o teto de gastos. “A primeira coisa que o presidente determinou é: cumpra-se o Arcabouço Fiscal“, declarou Haddad, reforçando que Lula deu sinal verde para que o teto de gastos seja “preservado a todo custo”. 

No próximo dia 22, quando será divulgado o Relatório Bimestral de Receitas e Despesas Primárias (o levantamento de que pé está o ajuste realizado pelo governo para cumprir a meta de déficit zero), espera-se que o governo anuncie uma nova leva de cortes. Especula-se algo em torno de R$10 bilhões.

O problema do governo Lula, porém, não se deve ao fato de que atenderia pouco o mercado, ou, como repete grande parte da imprensa e a ultradireita, gastaria muito com áreas sociais. Pelo contrário, o real problema do país é que, sob o governo Lula, os super-ricos continuam mamando no orçamento, explorando os trabalhadores, entregando o país e mandando os lucros para fora. Enquanto isso, a maioria da população convive com a precarização, uma renda arrochada, serviços públicos como saúde e educação são cada vez mais sucateados. Apesar de dizer que não vai atender os bilionários ou os capitalistas, Lula segue, na prática, governando o capitalismo e fazendo tudo o que a burguesia quer.

Lula x Campos Neto

Enfrentar o Banco Central de verdade, não só nas palavras

As últimas semanas foram marcadas pelo aumento de tom de Lula e integrantes do governo contra o presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto. Num momento em que o BC decide manter a taxa de juros em 10,5%, a segunda maior do mundo e que faz do país um verdadeiro paraíso para o lucro fácil e rápido de megaespeculadores internacionais, Campos Neto não esconde suas preferências políticas, marcando presença em “homenagem” da Assembleia Legislativa de São Paulo e jantar com o governador de São Paulo, o também bolsonarista Tarcísio de Freitas. Campos Neto, aliás, chegou a dizer que ocuparia um ministério num eventual mandato presidencial de Tarcísio.

O presidente do BC é sim um bolsonarista, e a independência do banco foi a institucionalização do domínio direto do mercado financeiro sobre a política monetária do país. O que Lula não diz, porém, é que o governo nada faz para mudar isso. No último dia 19 de junho, quando o Comitê de Política Monetária (Copom), decidiu manter essa taxa de juros absurda que só remunera banqueiros, essa decisão foi aprovada por unanimidade, inclusive pelos 4 dos 8 diretores indicados por Lula. Vale lembrar que cada ponto da taxa de juros representa R$ 42 bilhões/ano a mais para os banqueiros via pagamento de juros da dívida.

Uma das desculpas utilizadas foi que o emprego aumentou mais do que esperado, logo, os juros deveriam servir para dar uma freada na economia. O que, evidentemente, não é verdade, já que o desemprego real, e a informalidade, permanecem altos. Isso serve para mostrar como o Estado e a sua política econômica funcionam para garantir os interesses dos banqueiros, mesmo que para isso tenha que jogar contra o emprego, mesmo a própria lei de autonomia do BC afirmar que, além da inflação, o objetivo do banco é “fomentar o pleno emprego”

O governo poderia, através do Conselho Monetário Nacional, no qual tem ampla maioria dos membros, alterar a meta de inflação dos atuais 3% para um número maior. O que isso mudaria? O papel do BC, oficialmente, é o de garantir o cumprimento da meta de inflação definida pelo governo. Com uma meta maior, não haveria justificativa para manter os juros na estratosfera. Mas isso desagradaria o mercado, então o governo sequer cogita.

Mais do que isso, caso Lula realmente tivesse interesse, poderia simplesmente pedir a destituição de Campos Neto no Senado, o que também está na própria lei de autonomia do BC. Mas, isso, tampouco parece provável.

As escaramuças entre Lula e Campos Neto, assim, são mais pontuais do que propriamente sobre a política econômica que o governo leva adiante. Claro que Lula não quer os juros lá em cima, pois isso atrapalha a perspectiva de reeleição. Porém, tampouco o governo está disposto a enfrentar os banqueiros. Ao contrário, cada vez mais mostra sua disposição em governar para eles, mesmo que para isso tenha que atacar a saúde, a educação e os aposentados.

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