Naná Vasconcelos foi um dos responsáveis por introduzir as peculiaridades da percussão brasileira no cenário internacional e dar novos contornos aos instrumentos percussivos, com efeitos e sons surpreendentes. Fez isso com tanta maestria que acabou por se tornar referência no assunto aqui e lá fora. Em 2 de agosto, o instrumentista pernambucano, se estivesse vivo, completaria 80 anos. Para lembrar a data, acontece a partir de 17 de julho, no Itaú Cultural, na capital paulista, a Ocupação Naná Vasconcelos, uma exposição sobre a vida e a obra do artista. A mostra fica em cartaz até o dia 27 de outubro.

Se existe um instrumento de percussão identificado com Naná, este é o berimbau. O músico o tinha como uma extensão do próprio corpo, e o ressignificou, quando antes ele era identificado apenas como elemento das rodas de capoeira com seu som tradicional. Não à toa, o berimbau construído pelo percussionista no início de sua carreira é o principal objeto a ser apresentado na mostra em sua homenagem. Com uma corda de piano afinada na nota musical Fá, a peça o acompanhou por quase 50 anos, até a sua morte em 2016. “Ele está no coração da exposição. O imaginário sobre Naná vem muito forte do instrumento. Ele irradia tudo”, explica Galiana Brasil, gerente de Curadorias e Programação Artística no Itaú Cultural.

No Africadeus, de 1971, seu primeiro álbum, Naná já mostrava as possibilidades do berimbau e o seu particular instrumento será exibido no eixo da mostra que tem o nome do disco de estreia. Essa parte da exposição será dedicada também às fotos do artista desde pequeno, além de videodepoimentos de sua filha Luz e da companheira Patrícia, que hoje moram em Nova York.

Além desse eixo, o principal da Ocupação Naná Vasconcelos, o evento contará com mais cinco espaços. A mostra terá no total cerca de 90 peças relacionadas ao artista, entre elas imagens, audiovisuais, gravações, vestimentas, instrumentos e outros objetos, como o Grammy Latino, conquistado em 2011 pelo álbum Sinfonia & Batuques.

O eixo inicial da exposição refere-se justamente ao álbum premiado no qual o artista fez inúmeras experimentações, inclusive tirando sons da água. Como o disco tem forte sotaque do maracatu, o ambiente ganha referência do Carnaval, manifestação à qual Naná deu nova cara no Recife, ao comandar por 15 anos seguidos, até sua morte, o tradicional encontro de nações e caboclinhos para a abertura da folia. Foi também no Carnaval que Naná teve contato com a percussão, nos ensaios do bloco em que seu pai participava. Ainda nesse espaço serão exibidas vestimentas usadas por ele, cujas cores representam o orixá regido no respectivo ano em que a indumentária foi utilizada, numa exaltação da sua fé. “As roupas são icônicas, festivas, célebres”, endossa a curadora.

Ocupação Naná Vasconcelos. Itaú Cultural, Piso Térreo – Av. Paulista, 149, São Paulo (SP). Abertura: 17 de julho, às 20 horas. Visitação: até 27 de outubro – de terça a sábado, das 11 às 20 horas; domingos e feriados, das 11 às 19 horas. Entrada gratuita

Os dois próximos eixos da exposição são relacionados ao álbum Isso Vai Dar Percussão, de 2004, gravado com Itamar Assumpção e lançado após a morte do “maldito”, e ao grupo Codona, cujas sílabas são as letras iniciais dos norte-americanos Colin Walcott e Don Cherry e Naná Vasconcelos – juntos, eles chegaram a lançar três discos e o seu trabalho no grupo expressa a ligação estreita do pernambucano com o jazz, o gênero que o fez conectar-se com o universo musical fora do Brasil e ser admirado pelos seus próceres.

Nessa parte da mostra poderão ser vistas as inúmeras parcerias musicais no Brasil e no exterior que o percussionista teve ao longo da carreira. Instrumentista requisitado, ele tem registros de gravações e shows desde Milton Nascimento e Marisa Monte a B.B. King e Jean-Luc Ponty.

No espaço da Ocupação Naná Vasconcelos referente ao álbum Contando Estórias, de 1994 são ressaltados outros percursos do artista. Na mesma época de lançamento desse disco, ele criou o projeto ABC Musical. A curadora destaca o papel de articulador social do percussionista e seu trabalho como educador, tratado nessa parte da mostra.

O último eixo da exposição entra mais na intimidade do homenageado. Um dos destaques desse espaço são os dois únicos tapetes que ele usou na carreira em suas apresentações, sobre os quais Naná posicionava seus instrumentos percussivos no palco. “Em imagens e fotos se vê muito onde ele dispunha para montar o seu ‘altar’ para apresentação”, comenta Galiana Brasil.

A mostra distribuirá gratuitamente um HQ impresso chamado Quase Dois Irmãos, criado para a exposição pela dupla Araújo e Diox, contando sobre a “amizade” de Naná com o berimbau. Estão previstas ainda apresentações musicais que dialogam com o universo do homenageado – na primeira semana consta na programação Silvanny Sivuca, Badi Assad, Anelis Asumpção e Lan Lanh.

A carreira de Naná Vasconcelos é marcada por experimentações, originalidade, diálogo com diferentes universos, da cultura popular à música erudita, com ornamento sonoro cuidadoso e, ao mesmo tempo, audacioso. O percussionista costumava dizer que ele era “o Brasil que o Brasil não conhece”. Taí uma boa oportunidade de conhecê-lo. •

Publicado na edição n° 1319 de CartaCapital, em 17 de julho de 2024.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Sons do Brasil’

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Última Atualização: 11/07/2024