O reformista Massoud Pezeshkian conquistou uma vitória notável no segundo turno da eleição presidencial iraniana, refletindo a profunda insatisfação popular com a condução do país nos últimos anos e abrindo possíveis caminhos de cooperação com o Ocidente. Pezeshkian recebeu 16,3 milhões de votos e derrotou o ultraconservador Saeed Jalili, com 13,5 milhões votos. O comparecimento final foi de 49,8%, alta significativa diante do baixo comparecimento recorde de 39% registrado no primeiro turno.

Pezeshkian tem sido um defensor de permitir que as mulheres escolham se querem usar o lenço de cabeça e de acabar com as restrições na internet, a forçar o uso de conexões VPN para escapar da censura do governo. “O caminho difícil à frente não será tranquilo, a não ser com sua companhia, empatia e confiança”, discursou ao povo, após a vitória nas urnas.

Sob o slogan “Pelo Irã”, Pezeshkian prometeu ser uma voz dos sem-voz, dizendo que os protestos não devem sofrer repressão policial. Embora alguns o considerem ingênuo na alta política, grande parte de sua campanha foi deliberadamente emoldurada por sua integridade pessoal, bem como sua ausência de cargos ministeriais na última década. Seus apoiadores fizeram pedidos imediatos de libertação de prisioneiros políticos, um símbolo das demandas reprimidas que ele poderá ter dificuldade para atender.

Pezeshkian enfrenta um campo minado ao tentar promover reformas. Embora tenha declarado sua lealdade ao líder supremo do Irã, o aiatolá Ali Khamenei, também disse que renunciará se sentir que está sendo impedido e, então, pedirá à população que se retire do processo político.

Os exatos poderes do presidente no campo da política externa são tema de discussão, mas Pezeshkian argumentou em debates televisivos que não conseguiria promover mudanças, incluindo a redução da inflação de 40%, a menos que conseguisse o cancelamento de algumas sanções, o que exigiria uma abordagem menos conflituosa nas relações internacionais.

Na campanha, ele disse que o Irã viu-se em uma “gaiola econômica” em consequência de sua política externa, e precisava ser mais cooperativo. Seu companheiro de chapa foi o ex-ministro das Relações Exteriores Javad Zarif, que em 2015 negociou o acordo nuclear que levou à suspensão das sanções, antes que Donald Trump retirasse os EUA do plano, em 2018.

O adversário Jalili, ex-negociador nuclear próximo de Khamenei, havia afirmado que o Irã poderia prosperar criando laços econômicos mais fortes sem o Ocidente. Longe de ser uma gaiola, o Irã era um santuário, disse ele.

A vitória de Pezeshkian é ainda mais notável porque nenhum reformista teve permissão para concorrer na última eleição presidencial, em 2021, e pensava-se que a maré alta do reformismo iraniano já tivesse passado, com muitos eleitores convencidos de que não havia sentido em ir às urnas. A repressão aos protestos das mulheres em 2022 só aumentou a sensação de impotência. Muitos antigos reformistas do movimento verde, bem como prisioneiros políticos no complexo de Evin, haviam pedido um boicote. Mas Pezeshkian liderou no primeiro turno e ganhou confiança de que poderia vencer se mais eleitores participassem da votação no segundo turno.

Na campanha, ele observou que o país vive em uma “gaiola econômica” em consequência de sua política externa

Também ficou claro que os apoiadores de Mohammad Bagher Ghalibaf, conservador mais centrista, não iriam transferir seus votos para Jalili, com quem tinham fortes diferenças ideológicas. Zarif pediu aos abstencionistas que votassem na etapa decisiva. “Devemos provar que o povo é o povo, não aqueles que se consideram guardiões do povo”, acrescentou outro importante apoiador de Pezeshkian, o ex-ministro das Comunicações Mohammad-Javad Azari Jahromi.

Cerca de 5 mil eleitores compareceram ao seu último comício eleitoral num estádio de futebol em Teerã, sugerindo que a campanha talvez não tivesse despertado o apoio de que precisava entre os abstencionistas. Após uma campanha tranquila na capital, seus apoiadores saíram às ruas para comemorar em júbilo uma vitória que poucos previam.

Nas eleições parlamentares do início deste ano, marcadas pela baixa participação, os conservadores derrotaram os reformistas. A autoridade de Ghalibaf como presidente do Parlamento também foi enfraquecida por sua derrota na eleição presidencial. A composição política do Parlamento será um dos muitos obstáculos do novo presidente, já que o órgão tem o poder de destituir ministros.

O primeiro turno da votação, em 28 de junho, teve o menor comparecimento na história da República Islâmica, desde a revolução de 1979. Autoridades iranianas há muito apontam o baixo comparecimento como um símbolo da legitimidade da teocracia xiita do país, e não de oposição ao regime.

A eleição presidencial foi antecipada pela morte de Ebrahim Raisi, num acidente de helicóptero em maio. Raisi era visto como um potencial sucessor do líder supremo de 85 anos, e o infortúnio desorganizou a sucessão. A decisão é tomada por um corpo de 88 pessoas, a assembleia de especialistas.

O Ocidente agora terá de decidir se ajudará Pezeshkian ou manterá as sanções econômicas, devido à contínua escalada do programa nuclear do Irã e seu apoio ao Hezbollah no Líbano e aos rebeldes houthis do Iêmen.

O Irã está enriquecendo urânio em níveis próximos ao ideal para armamento e mantém um estoque suficiente para construir armas nucleares, mas ainda não possui ogivas ou tecnologia de mísseis. Também está fornecendo drones à Rússia para uso na Ucrânia. O segundo conselheiro de política externa de Pezeshkian, ao lado de Zarif, é Mehdi Sanei, que foi embaixador em Moscou.

O Departamento de Estado de Washington disse que a eleição não levaria a mudança alguma na abordagem norte-americana em relação ao Irã. “As eleições no Irã não foram livres e justas. Como resultado, um número significativo de iranianos simplesmente decidiu não participar.” A declaração do órgão acrescentou: “Não temos expectativa de que essas eleições levem a uma mudança fundamental no caminho do Irã ou a um maior respeito aos direitos humanos dos cidadãos. Como os próprios candidatos disseram, a política do Irã é determinada pelo líder”. •

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves.

Publicado na edição n° 1319 de CartaCapital, em 17 de julho de 2024.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Promessa de mudança’

Categorizado em:

Governo Lula,

Última Atualização: 11/07/2024