Vontade política tirou Brasil do Mapa da Fome

por Isadora Cupertino

A compreensão da fome como fenômeno social ultrapassa a simples carência de alimentos. Ela se articula com dinâmicas estruturais de desigualdade, exclusão e políticas públicas.

Para mensurar e visibilizar essa realidade, a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) desenvolveu, no início dos anos 2000, o Mapa da Fome, um instrumento técnico e político com o objetivo de identificar os países onde parcelas significativas da população vivenciam a fome de forma crônica. O principal critério para inclusão de um país no Mapa é a Prevalência da Subalimentação (PoU), que indica a porcentagem da população com ingestão calórica abaixo do mínimo necessário para uma vida ativa e saudável. Países com PoU acima de 2,5% são considerados em situação crítica.

A forma crônica da fome é manifestada pela população que vive em uma condição persistente e prolongada de insegurança alimentar, caracterizada pela falta contínua de acesso a alimentos em quantidade e qualidade suficientes para garantir uma vida saudável e ativa. E diferente de situações pontuais de emergência, essa forma de fome está relacionada a fatores estruturais, como pobreza extrema, desigualdade social, falta de acesso a recursos básicos e políticas públicas ineficazes. A fome crônica pode levar à desnutrição severa, comprometimento do desenvolvimento físico e cognitivo, especialmente em crianças, e aumento da vulnerabilidade a doenças.

A metodologia do PoU é complexa e robusta, articulando dados sobre a disponibilidade de alimentos, a distribuição do consumo alimentar e os requerimentos energéticos da população, sendo que esses dados são obtidos a partir de balanços alimentares, pesquisas domiciliares de consumo (como a Pesquisa de Orçamentos Familiares – POF, no Brasil) e informações demográficas e as estimativas são feitas com base em modelos estatísticos que permitem identificar a fração da população que vive em situação de subalimentação crônica.

No Brasil o PoU é estimado com base nos dados do IBGE, Ministério da Agricultura e da CONAB. Apesar de suas diferenças metodológicas, ambos os indicadores compõem um panorama detalhado da segurança alimentar do país.

O Brasil foi incluído pela primeira vez no Mapa da Fome em 2002, em um cenário de alta desigualdade social, pobreza e fragilidade das políticas de proteção social, no entanto, ao longo dos anos 2000, o país passou por um processo importante de transformação, impulsionado por programas como o Fome Zero, o Bolsa Família, a criação dos conselhos de segurança alimentar (CONSEA) e a consolidação do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN). Como resultado dessas políticas públicas articuladas, o Brasil saiu oficialmente do Mapa da Fome em 2014, o que foi amplamente reconhecido pela comunidade internacional.

Contudo, essa conquista foi ameaçada nos anos seguintes, e a partir de 2015, com a intensificação da crise econômica, o aumento da pobreza e o desmonte de políticas públicas estruturantes, o Brasil voltou a apresentar indicadores alarmantes de insegurança alimentar grave. Em 2021, segundo dados da Escala de Experiência de Insegurança Alimentar (Food Insecurity Experience Scale – FIES), mais de 33 milhões de brasileiros estavam passando fome.

Em 2025, no entanto, o país comemora novamente uma vitória significativa: a FAO confirmou a saída oficial do Brasil do Mapa da Fome, com base na mais recente estimativa do PoU. Essa conquista reflete a retomada de programas sociais, o fortalecimento das redes de assistência e políticas públicas focadas na segurança alimentar e nutricional, implementadas a partir de 2023. A reconstrução do Programa Bolsa Família, o aumento real do salário mínimo, a reativação do CONSEA e os investimentos na agricultura familiar foram fatores centrais para essa reversão do cenário.

É importante, que essa conquista não seja interpretada como um ponto final, mas como um marco de retomada, estar fora do Mapa da Fome significa que menos de 2,5% da população está em situação de subalimentação crônica, mas ainda existem milhões de brasileiros em insegurança alimentar moderada ou grave, portanto, a luta contra a fome deve permanecer como prioridade estratégica e política de Estado, com ações integradas entre governo federal, estados, municípios e sociedade civil.

A história do Brasil no Mapa da Fome mostra que é possível vencer a fome quando há vontade política, investimento social e participação popular, e a saída do país do mapa em 2025 é uma conquista coletiva, mas a manutenção desse status exige vigilância constante, avaliação contínua das políticas públicas e o firme compromisso de que ninguém deve passar fome em um país com tamanha capacidade produtiva.

Isadora Cupertino – Formação técnica em Nutrição e Cientista Social pela Universidade Federal de São Paulo, tem se dedicado à pesquisa e ao estudo de Políticas Públicas de Segurança Alimentar.

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Last Update: 28/08/2025