Mário Campos
A relação comercial entre Brasil e Estados Unidos, especialmente nos setores de bioenergia e açúcar, tem sido marcada por instabilidade e protecionismo sob a administração Trump. Em janeiro, o presidente Donald Trump iniciou seu segundo mandato, anunciando uma mudança radical na política comercial americana. Em abril, os EUA aumentaram as tarifas de importação para diversos países, incluindo o Brasil, que recebeu uma tarifa de 10%. Em julho, uma tarifa extra de 50% foi imposta sobre todas as importações, impactando significativamente o setor econômico do Brasil, que tem os EUA como segundo maior parceiro comercial, com um fluxo de mais de US$ 80 bilhões anuais e superávits consecutivos.
A medida foi acompanhada de uma investigação pela USTR (Departamento de Representação Comercial dos EUA) da seção 301 da lei de comércio americana de 1974, focando em seis tópicos, com destaque para o etanol e o desmatamento. Embora a balança comercial geral com os EUA apresente superávit para o Brasil, no setor do agronegócio, o Brasil tem um superávit de cerca de US$ 9 bilhões. Os EUA alegam que o Brasil se beneficia do desmatamento, prejudicando seus pecuaristas e agricultores.
Brasil e EUA são grandes players globais no agronegócio e concorrem em diversos mercados. No setor de etanol, ambos detêm 80% da produção mundial, com os EUA produzindo mais de 60 bilhões de litros e o Brasil 37 bilhões. O Brasil substitui mais de 45% da gasolina por etanol, enquanto nos EUA a substituição é de cerca de 10%. Os EUA, com excedentes exportáveis, veem o Brasil como um cliente potencial. Historicamente, houve grandes fluxos comerciais de etanol entre os dois países, especialmente após 2010.
Após um surto de importação em 2017 e 2018, o Brasil elevou a alíquota do etanol, que atualmente é de 18% para importação. Os EUA, por sua vez, eliminaram uma tarifa adicional em 2012, mas aumentaram a alíquota para 12,5% em abril. A tarifa adicional de 50% inviabilizaria a exportação brasileira de etanol para os EUA.
No debate global de biocombustíveis, o etanol brasileiro possui uma pegada de carbono menor que o americano, conferindo-lhe vantagem competitiva. No entanto, os EUA têm dominado o mercado mundial, fechando acordos que reduzem tarifas para seu etanol em países como Reino Unido, União Europeia, Vietnã, Japão, Coreia e Indonésia. A abertura do mercado brasileiro ao etanol americano poderia resultar na importação de 1,2 a 1,5 bilhão de litros anuais, impactando fortemente a produção local, especialmente no Nordeste, onde a produção de etanol de milho tem crescido.
No mercado de açúcar, o Brasil é o maior produtor e exportador mundial, enquanto os EUA, embora produzam, dependem de importações. Os EUA protegem seu mercado interno com altas tarifas (acima de US$ 350 por tonelada) e um sistema de cotas. O Brasil tem grande interesse no mercado americano de açúcar, que importa mais de 3 milhões de toneladas anualmente. No entanto, a participação brasileira é tímida; por exemplo, na cota preferencial de 1,1 milhão de toneladas, o Brasil participa com apenas 155 mil toneladas. Além disso, os EUA anunciaram o fim da cota de açúcar orgânico, da qual o Brasil detinha cerca de 50%.
O cenário é delicado e incerto, exigindo muita articulação em negociações entre governos com visões diferentes. Apesar das tensões, Brasil e EUA, como potências da bioenergia, compartilham uma agenda comum na transição energética, defendendo o etanol na gasolina e em rotas de descarbonização para combustíveis de aviação e marítimos. O desafio é transformar interesses compartilhados em acordos mutuamente benéficos.
Mário Campos – presidente da SIAMIG Bioenergia.