Realizada em Brasília de 18 a 21 de agosto de 2025, a 5ª Conferência Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora (5ª CNSTT) se consolidou como um espaço crucial de debate e resistência em um momento decisivo para o país. Sob a égide do Movimento Nacional Saúde pela Democracia + SUS é + Brasil, com marcante participação de militantes do PCdoB e de diversas entidades sindicais e populares, a conferência partiu de uma premissa fundamental: a defesa intransigente da democracia é indissociável da valorização do trabalho para a dignidade humana.

O evento ocorreu em um contexto de aparente contradição. Dados recentes do Novo Caged e da Pnad Contínua mostram uma geração significativa de postos de trabalho com carteira assinada e um recorde na população ocupada, números que refletem o esforço de reconstrução após os anos de desmonte. No entanto, os debates revelaram que a mera geração de empregos não basta. É a qualidade desses empregos, a garantia de direitos e a proteção à saúde e à vida que definem um projeto nacional verdadeiramente desenvolvido e soberano.

O legado de desmonte e a ofensiva da precarização

Os participantes foram unânimes em diagnosticar os seis anos de projeto ultraliberal (2016-2022) como um período de devastação do Sistema de Proteção Social. Foram citados o incentivo ao voluntariado em substituição ao Estado, a perseguição ao movimento sindical, a criminalização do serviço público e um desrespeito total à participação social. Este projeto abriu caminho para a precarização extrema, simbolizada pela uberização e pejotização, que fragmentam o trabalho, eliminam direitos e criam a ilusão perversa do “empreendedor de si mesmo”, na verdade, um trabalhador sem proteção social e responsável pelos custos de sua própria exploração.

Como destacou a pesquisadora Maria Maeno, da Fundacentro, e o professor Diego de Oliveira Souza, da Ufal, essa reestruturação produtiva resultou numa explosão de acidentes e mortes no trabalho. A “Reforma” Trabalhista, longe de modernizar as relações, desregulamentou e tornou os trabalhadores incapazes de exigir ambientes seguros e dignos. O professor Souza foi categórico: “Enquanto estivermos preocupados apenas com Normas Regulamentadoras (NRs) e riscos ocupacionais, sem discutir o mundo do trabalho de forma mais ampla, estaremos presos dentro de um labirinto”.

Os dois caminhos e a batalha das ideias

A conferência situou-se claramente na encruzilhada histórica que o Brasil enfrenta:

1. Reconstrução nacional e desenvolvimento soberano, com avanços democráticos e melhoria das condições de vida.

2. Retorno da extrema-direita, com um projeto neoliberal, neocolonial e socialmente degradante.

Ficou evidente que as eleições de 2026 terão um caráter estratégico, definindo qual caminho será seguido. Para garantir a vitória do primeiro projeto, os debates apontaram a necessidade de uma frente ampla (unindo esquerda, centro e até centro-direita democrática) para isolar a extrema-direita, superar a dispersão da esquerda e defender bandeiras concretas como democracia, desenvolvimento e direitos trabalhistas.

Apontamentos e propostas para um novo horizonte

Os debates nos eixos temáticos da conferência geraram um conjunto robusto de propostas:

1. Revogação das Contrarreformas: Foi consenso que é imperativo revogar a Reforma Trabalhista e reverter outras formas de desregulamentação que precarizam as relações de trabalho.

2. Regulamentação das Plataformas Digitais: Urge regular as plataformas estrangeiras, garantindo “soberania digital” e estendendo direitos e proteções aos trabalhadores por aplicativos.

3. Fortalecimento do SUS e da Saúde do Trabalhador: Defendeu-se a realização de concursos públicos, a criação de um Plano de Cargos, Carreiras e Salários dignos e um financiamento justo e sustentável para o SUS. Foi proposta a construção de um Sistema Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora (Sinastt), uma estrutura participativa para enraizar estas políticas no Estado.

4. Plebiscito Popular como Instrumento de Luta: A conferência abraçou o Plebiscito Popular que consulta a nação sobre a redução da jornada sem redução de salário, o fim da escala 6×1, a ampliação da isenção do IR para quem ganha até R$ 5 mil e a taxação dos super-ricos.

5. Controle Social e Participação Popular: Lideranças como Fernando Pigatto, Daniele Moretti e Eduardo Bonfim destacaram a necessidade vital de fortalecer os movimentos sociais e sindicais a partir dos territórios. Foi enfatizada a importância de uma linguagem acessível, formação política contínua e a transformação dos conselhos de saúde em espaços efetivos de escuta e poder popular, aglutinando as lutas por democracia e direitos.

Conclusão: o trabalho que constrói e o futuro que se escolhe

A 5ª CNSTT deixou claro que o trabalho dos brasileiros e brasileiras é, de fato, a base que constrói o país. No entanto, a conferência foi além de celebrar números positivos de emprego; ela denunciou que um projeto de nação que verdadeiramente valorize o trabalho deve combatê-lo em sua forma precarizada, degradante e letal.

O caminho apontado é o da organização, da mobilização popular e da construção de uma maioria social e política capaz de defender a democracia, a soberania e os direitos trabalhistas como faces da mesma moeda. Como concluiu Ronald Santos, Coordenador de Articulação da SNPS/SG-PR, a grande contribuição desta geração é construir essa maioria para, no longo prazo, avançar rumo a “um modo de produção socialista com a cara do Brasil”. A 5ª CNSTT não foi apenas um evento de debates, mas um farol a iluminar a escolha que está posta para toda a sociedade: entre a dignidade do trabalho e a barbárie da precarização.

(BL)

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Last Update: 26/08/2025