A NIB (Nova Indústria Brasil) é a política industrial lançada pelo governo federal em janeiro de 2024, com o objetivo de impulsionar a reindustrialização, elevar a competitividade da indústria brasileira e ampliar sua participação no desenvolvimento econômico do país. A iniciativa é coordenada pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) e estrutura-se em seis missões estratégicas:
- Cadeias agroindustriais sustentáveis e digitais para segurança alimentar, nutricional e energética;
- Forte complexo econômico e industrial da saúde;
- Infraestrutura, saneamento, moradia e mobilidade sustentáveis;
- Transformação digital da indústria;
- Bioeconomia, descarbonização e transição/segurança energéticas;
- Defesa e soberania nacionais.
Até fevereiro de 2025, a NIB já havia mobilizado R$ 1,2 trilhão em investimentos públicos, abrangendo planos como o “Mais Produção”, o programa Mover, o Novo PAC e o Plano de Transformação Ecológica. Além desses recursos, até junho de 2025, o BNDES já havia aprovado R$ 220 bilhões em financiamentos dentro da NIB, cerca de 73% dos recursos previstos pelo banco para a política industrial até o fim de 2026.
O esforço do governo em reindustrializar o país é muito importante por algumas razões conhecidas:
- Não há registro, na história, de país que tenha alcançado o desenvolvimento econômico e social sem uma generalizada industrialização e um forte e ativo Estado nacional. O barômetro do capital privado é o lucro. Este procura sempre investir nos segmentos com as maiores taxas de lucro e com retorno no curto prazo. Os investimentos em setores estratégicos, sem retorno econômico imediato, têm que ser feitos pelo Estado;
- Existe uma relação empírica e conceitual entre o grau de industrialização e a renda per capita, tanto nos países ricos quanto naqueles economicamente atrasados. Países que agregam mais valor aos seus produtos podem melhorar a renda de sua população, como nos mostra a China, inclusive no período recente;
- Há uma associação estreita entre o crescimento do PIB e o desenvolvimento da indústria manufatureira. A dinâmica da economia brasileira nos últimos anos mostra esse fenômeno: o Produto Interno Bruto (PIB) apresentou queda ou cresceu pouco, em boa parte porque a indústria de transformação recuou, gerando um círculo vicioso;
- Por uma série de razões técnicas, a produtividade costuma ser mais dinâmica na indústria do que nos demais setores. Normalmente, é a indústria que puxa o crescimento da produtividade da economia, influenciando os outros setores;
- O avanço tecnológico que se concentra no setor manufatureiro tende a se difundir para outros setores econômicos, como o de serviços ou mesmo a agricultura. Os bens com maior valor adicionado produzidos pela indústria incorporam e disseminam maior progresso técnico para o restante da economia.
O esforço pela retomada da indústria no Brasil, ou reindustrialização, como tem sido chamada, não é medida trivial, que possa ser feita sem um grande esforço nacional. Como qualquer grande problema nacional, a reindustrialização vai requerer uma forte mobilização dos trabalhadores, pois depende da correlação de forças. Os países centrais não querem indústria forte na periferia do sistema. Para esses países, as nações atrasadas devem se concentrar em enviar matérias-primas e commodities para o centro industrial imperialista. Esse fator se intensifica ainda mais em períodos de grave crise internacional, como o atual.
Os problemas econômicos atuais do Brasil não são uma mera dificuldade no ciclo de crescimento, de redução “normal” da atividade econômica. Na realidade, o país enfrenta uma crise estrutural, somada a uma verdadeira guerra econômica, que se origina nos países imperialistas. É uma política deliberada de liquidação das economias de alguns países, visando inclusive reduzir parte das forças produtivas e o “excesso” de mercadorias ao nível internacional. Excesso, aqui, devemos entender em relação àquilo que as pessoas podem comprar, que é o que interessa ao funcionamento da engrenagem capitalista. É o conhecido problema de sobreprodução de mercadorias, que é relativa, decorrente do fato de que uma parte da produção não é absorvida porque a população não tem dinheiro para comprar. Tal política de guerra não é exclusivamente contra o Brasil, mas sim contra todos os países atrasados, com aspirações de desenvolvimento e soberania nacional. Sempre houve tal política, mas ela foi muito intensificada em função da atual crise econômica internacional, que se agravou muito.
Neste momento de grande crise e de disputa acirrada por mercados mundiais, os EUA estão dizendo claramente que não aceitam políticas nacionalistas, especialmente em aliança com seus principais inimigos no mundo, China e Rússia. Sempre foi assim: imperialismo é um jogo de força mesmo. A tresloucada política de “tarifaço” de Donald Trump vai, inclusive, na contramão dessa política imperialista de obrigar os países a abrirem suas economias. O estabelecimento de elevadas tarifas de importação por parte dos EUA, na gestão Trump, justifica a reciprocidade por parte dos demais países, o que vai contra o interesse dos grandes grupos econômicos dos EUA, que sempre ganharam muito dinheiro com a globalização e a abertura dos mercados nacionais.
Nos países desenvolvidos, que em alguns casos também se desindustrializaram, a indústria nacional já cumpriu seu papel no desenvolvimento econômico, colocando a renda per capita da população em patamar mais elevado. Além disso, os países imperialistas praticam política industrial que procura tirar vantagens de todas as situações econômicas possíveis. Ao se desindustrializar, o Brasil está perdendo, gradativamente, a sua maior conquista econômica do século XX. Entre 1930 e 1980, a economia brasileira cresceu a elevadas taxas (6,8%, entre 1932 e 1980), baseado no chamado “processo de substituição de importações”, com fortes incentivos estatais à industrialização através das políticas cambial, tarifária e fiscal.
Não há desenvolvimento da indústria sem políticas públicas articuladas. O setor privado tem que ser induzido a investir, especialmente na fase atual de financeirização, na qual predominam os investimentos financeiros, em detrimento da produção. Nessa etapa, as estratégias empresariais passam a privilegiar resultados financeiros de curto prazo, em vez de investir no longo prazo ou em inovação produtiva. Todas as decisões acabam se subordinando à lógica financeira. Esse processo é agravado no Brasil por praticar, normalmente, a maior taxa de juros reais do planeta.
A UNIDO (Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial – United Nations Industrial Development Organization), agência especializada do sistema da ONU, divulgou recentemente o panorama da indústria mundial, atualizando sua base de dados sobre o valor adicionado no setor até o ano de 2023. Com base nesse estudo da UNIDO, o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (IEDI) elaborou o ranking dos maiores parques manufatureiros do mundo, com destaque para a posição do Brasil. Segundo a análise, a participação brasileira no valor adicionado da indústria manufatureira global declinou novamente, embora em ritmo inferior ao de anos anteriores. Segundo o estudo, que vai até 2023, o Brasil seguiu declinando no sistema industrial mundial, especialmente em função de um desempenho inferior dos ramos de maior intensidade tecnológica. O país está na 15ª posição do ranking mundial da indústria manufatureira, construído a partir do valor adicionado do setor em dólares, a preços constantes de 2015. No entanto, a participação do Brasil no valor adicionado manufatureiro mundial foi de 1,21% em 2023.
O ranking em valor adicionado, em 2023, era: China, em 1º lugar, com 31,8% da manufatura mundial; EUA, em 2º, com 15,1%; e Japão, em 3º lugar, com 6,6% do total. A participação da China em 2023, em valor adicionado, era maior que a soma das quatro potências industriais seguintes (EUA, Japão, Alemanha e Índia), que juntas responderam por 29,5% do valor adicionado da indústria no mundo. Há vinte anos, em 2005, nesse ranking, a China aparecia com 13,2% em 2º lugar, e os EUA, 1º no ranking, participavam com 22,6% do total.
Enquanto a China escalou no ranking entre 2005 e 2023, o Brasil caiu da 10ª para a 15ª posição, e saiu de uma participação de 2,2% do total de valor adicionado produzido no mundo para 1,21%. Segundo o estudo, consideradas as vinte maiores manufaturas do mundo, o Brasil aparece como um dos países que mais recuaram no ranking, caindo cinco posições entre 2005 e 2023 — melhor apenas que Espanha e Canadá, que recuaram sete posições.
Quando cai o peso da indústria em relação ao PIB porque as famílias estão consumindo mais serviços, essa pode ser considerada uma trajetória “natural”. Mas, no Brasil, ocorreu uma desindustrialização prematura. A indústria começou a perder peso na estrutura produtiva antes da renda da população subir. Afinal, segundo o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE), cerca de 59,9 milhões de brasileiros têm sua renda referenciada no salário mínimo (contando com 28,1 milhões de aposentados, pensionistas e demais segurados do INSS, 17,3 milhões de empregados com carteira assinada, 10 milhões de trabalhadores autônomos e 4 milhões de empregados domésticos).
Nos últimos anos, inclusive, a redução do peso da indústria no PIB ocorreu simultaneamente à queda da renda per capita, o que trouxe muitas consequências negativas para o país, a começar pelo maior impacto sobre a população mais pobre e a maior concentração de renda. Muitos empregos da indústria, por exemplo, migraram para o setor de serviços, que tem menor remuneração média e maior informalidade.
O desenvolvimento dos países imperialistas e dos países atrasados é, como se sabe, desigual e combinado. Combinado aqui no sentido de que o desenvolvimento dos primeiros está relacionado ao atraso dos segundos. Isso significa que, para reindustrializar o país e melhorar a renda da população, é fundamental enfrentar a atual divisão internacional do trabalho, dominada pelos países ricos. Por essa razão, a implementação de políticas que revertam a redução da indústria no PIB nacional está intimamente ligada à questão da soberania. Sem a determinação de ser soberano, não haverá uma verdadeira retomada da indústria no país.