
Um processo inusitado no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) colocou, ao menos no papel, o ex-presidente Jair Bolsonaro e o atual presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, em lados opostos. O registro mostrava uma ação de cobrança de aluguel no valor de R$ 4.302,50, na qual Trump aparecia como reclamante e Bolsonaro como credor. Com informações de Lauro Jardim, em O Globo.
O caso, porém, nunca existiu: tratava-se apenas de um teste feito por um servidor em treinamento que, por engano, foi lançado no sistema oficial como se fosse um processo verdadeiro. O erro só foi descoberto dias depois, quando funcionários do TJSP foram questionados sobre a suposta disputa judicial.
O documento fictício chegou a constar no Foro de Salto, no interior paulista, cidade sem qualquer ligação com os dois políticos. A movimentação informava que a distribuição havia sido cancelada em abril de 2019, como ocorre quando uma ação é extinta sem julgamento de mérito. Mesmo assim, o processo permaneceu listado até a última sexta-feira (22).
Segundo dados do sistema, Trump aparecia como autor a partir de um CPF registrado no Brasil desde 2014, com endereço no centro do Rio de Janeiro. A cifra da causa equivaleria a pouco mais de US$ 1,1 mil na época, um valor irrisório diante da fortuna do republicano, estimada em US$ 5,8 bilhões pela revista Forbes.
O TJSP confirmou que a ação era fictícia e informou que corrigiria o erro. “Esse processo não existe. Trata-se de um lançamento feito a título de treinamento, erroneamente lançado no módulo Produção ao invés do módulo Teste”, disse a Corte em nota.

Apesar da natureza inofensiva, o episódio chamou atenção por envolver dois aliados políticos. Bolsonaro e Trump mantêm proximidade desde que o brasileiro deixou a Presidência, em 2022. O ex-presidente e seu filho, Eduardo Bolsonaro, têm buscado nos Estados Unidos apoio para enfrentar investigações no Brasil, especialmente no Supremo Tribunal Federal (STF).
Mensagens obtidas pela Polícia Federal mostram que o parlamentar sabia, com antecedência, da decisão da Casa Branca de sancionar o ministro Alexandre de Moraes pela Lei Magnitsky, em julho. O deputado também discutia com o pai alternativas entre tentar aprovar uma “anistia light” aos presos dos atos golpistas de 8 de janeiro ou concentrar esforços em “brecar o STF”, o que reforça a tese da PF de que a prioridade era blindar Bolsonaro de condenações.
Além disso, Trump anunciou no início de agosto um tarifaço de 50% sobre produtos brasileiros, medida que, apesar do impacto político, incluiu quase 700 exceções, ficando conhecida como “tarifaço light”. As conversas de Eduardo com o pai ocorreram justamente no mesmo período em que a medida era discutida em Washington, revelando a sintonia das articulações.
Para a PF, a atuação de Eduardo foi “consciente e voluntária” e teve como objetivo coagir ministros do STF, interferindo diretamente em investigações que envolvem o ex-presidente. Segundo a corporação, a ideia da anistia aos manifestantes presos em 8 de janeiro era secundária. O foco central era garantir a impunidade do ex-presidente diante da acusação de tentativa de golpe de Estado e de abolição violenta do Estado Democrático de Direito.