Wagner Gomes

O Brasil não é uma democracia parlamentar. É um condomínio com dois síndicos autocratas, respondendo por endereços opulentos: presidência da Câmara e presidência do Senado. Quem deveria mandar na pauta — e, por tabela, no destino político do país — não seria o Congresso, no sentido plural da palavra? Pois bem, no Brasil quem manda é o sistema, capitaneado por dois homens, um calendário e a vaidade de decidir o que o país pode ou não discutir. Com essa ferramenta nas mãos, oscilam entre a barganha e a chantagem. Chama-se “controle de pauta”; eu prefiro chamar de censura deslavada. São esses dois senhores que decidem o que pode ou não ser votado. Abrem o cofre quando querem, fecham quando lhes convém. O resto dos 512 deputados e 80 senadores é mera plateia, esperando a cena que nunca chega. E o poder de abrir portas ou trancá-las com a chave de um cofre, é um processo viciado no qual prolifera a barganha política e o empoderamento daqueles que se julgam acima do bem e do mal. O problema maior não é nem o tema em si, é quem decide se o tema respira ou morre.  Querem exemplos? A tal “Anistia do Amor” pode andar se eles quiserem. Se não quiserem, vai para a cova junto com projetos incômodos, como o fim do foro privilegiado e qualquer tentativa de impeachment de ministro do Supremo. Assuntos que a sociedade clama para discutir morrem no berço — e a autópsia é proibida. Engavetar é tão eficiente para bloquear um assunto quanto as “obstruções” caricatas que paralisam sessões. A diferença é que uma é travestida de estratégia institucional, a outra é teatro de quinta. Moral da história: anistia é um bisturi afiado; pode curar ou pode abrir ferida nova. No Brasil, mais de uma vez serviu para reabilitar gente que, pouco depois, voltou ao palco para criar outra crise. Misturar vândalo com golpista de gabinete é fazer coquetel molotov político — e brindar à próxima confusão. O perdão político, mal calibrado, é só adubo para novas crises; não pôr um freio às decisões monocráticos é postergar uma necessidade imperiosa, e impedir a votação do fim do foro privilegiado é lutar contra a maré política. Resultado previsível: amanhã estarão de volta à cena, ensaiando o próximo ato. A decisão de votar ou não qualquer pauta não deveria caber ao humor ou conveniência de um só homem na cadeira de presidente da Casa. A pauta única, decidida a portas fechadas, é a antítese do debate democrático. E aqui está o xis: quem controla o que se discute controla o que o país pensa — e, pior, o que o país nunca saberá. Penas proporcionais, sim. Perdão coletivo, não. O que pode pacificar o país não é varrer sujeira para baixo do tapete, é respeitar a urna e trocar governo na eleição seguinte, de preferência limitando a dois mandatos os cargos executivos. Seguimos reféns de dois síndicos que mandam mais que todos os condôminos juntos. Os síndicos seguem reinando — e nós, pagando o condomínio. Aplicar a lei é muito simples. Quer paz? Puna cada um conforme o crime. Quer caos? Passe a borracha geral e prepare-se para a reprise. Sem trancamento ou obstrução de pautas.

Wagner Gomes – Articulista

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Last Update: 24/08/2025