
Por Milena Vitória Correia
Da Página do MST
Mulheres camponesas de diversas regiões se reuniram nesta sexta-feira (22), em Ribeirão Preto (SP), para o Encontro de Mulheres Sem Terra “Semeando Resistência”, realizado na sede da Cooperativa Agroecológica Mãos da Terra, no assentamento Mário Lago.
O evento contou com debates sobre agroecologia, produção, comercialização e o protagonismo feminino na luta contra as desigualdades sociais, raciais e de gênero no campo. O encontro teve a participação de mulheres cooperadas do município de São Carlos e Promissão/SP.
A dirigente estadual do MST e presidenta da COMATER (Cooperativa Mãos da Terra), Nivalda Alves, relembrou que o projeto inicial era criar a “padaria das mulheres”.
“A construção de uma padaria em um assentamento, com toda a burocracia e leis específicas, tornou-se inviável, mesmo com a produção dos nossos próprios pães”, disse.
Diante das dificuldades, o grupo decidiu construir o barracão da cooperativa das mulheres.
Segundo Nivalda, as mulheres estavam inicialmente em uma cooperativa coordenada por homens, mas sentiram que suas ideias não eram acolhidas.
“Decidi sair, e outras me acompanharam. Em 22 de junho de 2003, fundamos a Cooperativa Agroecológica Mãos da Terra”, contou. Hoje, a cooperativa reúne 52 mulheres, com apoio pontual de alguns homens em funções como motoristas, mas somos nós que lideramos e tomamos as decisões”.
A dirigente relatou que a construção do barracão foi possível graças ao fomento-mulher. Embora um técnico tivesse sugerido a compra de roçadeiras, o grupo insistiu em investir na produção e na construção.
“Onze mulheres se uniram para levantar a primeira etapa. Até o piso foi pago com recursos do Bolsa Família”, disse.
Apesar de ataques e tentativas de incêndio, a estrutura resiste e simboliza a força feminina.
Nivalda ressaltou que com o tempo, a cooperativa acessou programas como o PAA (Programa de Aquisição de Alimentos) e o PNAE (Programa Nacional de Alimentação Escolar), expandindo sua atuação. Hoje, mais de 50 mulheres participam das atividades ligadas à agroecologia.
Experiências de Promissão e São Carlos

Andréia, da COPROCAM – Cooperativa dos Produtores Campesinos – Promissão/SP, contou que sua cooperativa nasceu da insatisfação com práticas de uma associação existente, que comprava produtos a prazo e não entregava. Três mulheres, secretárias da antiga entidade, decidiram fundar uma nova organização.
“Com o apoio de Joice e de um contador, formalizamos nossa cooperativa em 2014. Participamos de editais, conseguimos recursos e estruturamos nossa produção”, relatou.
O projeto Microbacias 2 garantiu investimentos que permitiram a aquisição de equipamentos e a manutenção administrativa. Andréia destacou que, apesar das dificuldades com veículos, o grupo conseguiu se reerguer e, em 2020, formou um coletivo de mulheres que hoje beneficia frutas e hortaliças com desidratadores, agregando valor à produção.
Roberta Cristina Silva, da Associação de Produtores do Assentamento Santa Helena, São Carlos/SP, destacou a importância da união entre campo, cidade e academia. O assentamento, formado por 14 famílias, nasceu como Projeto de Desenvolvimento Sustentável e busca multiplicar práticas agroecológicas.
“A agroecologia é um modo de vida. Não se trata apenas de produzir, mas de transformar relações sociais e ambientais”, afirmou.
Para Roberta, a revitalização da OCS (Organização de Controle Social) em 2015, com apoio de universidades, foi fundamental para acessar mercados e consolidar feiras agroecológicas.
“Ser produtora agroecológica significa também enfrentar a legislação, mas sem perder o horizonte de transformação”, explicou.
Agroecologia como ciência e prática social

Patrícia Joia, assentada no Mário Lago e dirigente regional do MST, destacou que a agroecologia é uma ciência que integra conhecimento científico e saberes tradicionais.
“Ela resgata práticas de quilombolas e comunidades tradicionais e se coloca contra a lógica do agronegócio que, desde os anos 1950, expulsou pequenos agricultores e destruiu a diversidade”, afirmou.
Joia ainda disse que a certificação orgânica, embora limitada, é essencial para a comercialização, garantindo preços melhores e legalidade no mercado.
“Mas a agroecologia vai além do selo: inclui reforma agrária, protagonismo feminino e defesa da natureza”, disse.
Mulheres, resistência e cotidiano

Integrante da direção estadual pelo setor de Gênero, Manuela Aquino chamou a atenção para a presença massiva das mulheres nas áreas do Movimento, ainda que com menor representatividade na direção.
“As mulheres lideram a produção, a saúde e a educação, mas são os homens que, muitas vezes, falam em espaços externos. Essa desigualdade precisa mudar”, criticou.
Manuela afirmou que a resistência cotidiana, como viver 17 anos em barracos de lona, é prática revolucionária. A dirigente estadual também conduziu a “Oficina do Relógio”, em que cada participante listou todas as tarefas realizadas no dia, desde arrumar a cama até ir para a roça, para refletir sobre o trabalho invisível das mulheres.
“É preciso reconhecer que esse trabalho é, sim, trabalho, mesmo sem remuneração”, destacou.
Reforma Agrária Popular e os Onze Pilares
Pelo setor de Produção do MST, Joice Lopes afirmou que “conhecimento é poder” e ressaltou o papel da Reforma Agrária Popular como bandeira estratégica. De acordo com Joice, a proposta vai além da produção de alimentos saudáveis, englobando solidariedade, saúde, educação e defesa da natureza.
“A reforma não se constrói sem mulheres, crianças e comunidades inteiras. Somos centrais nesse processo”, disse Joice, que também questionou a inserção feminina nas cadeias produtivas. Lopes citou exemplos em plantios de feijão, leite, hortaliças e na produção de cachaça, mas apontou a necessidade de expandir para áreas como sementes e plantas medicinais.
A vereadora de Ribeirão Preto, Perla Müller (PT/SP), acompanhou o encontro e ressaltou a força feminina como “um movimento de afeto, firmeza e coragem”. Para Müller, o protagonismo das mulheres transforma a sociedade com garra e sensibilidade.
“Sonhamos com um mundo liderado por mulheres, onde nossa visão e experiências sejam o motor da transformação social”, afirmou.
Perla lembrou que, durante a pandemia, mesmo diante das demissões, as mulheres se reinventaram para garantir a sobrevivência das famílias. Para ela, o encontro foi um momento de balanço da caminhada coletiva, renovação de energias e continuidade da luta.
Programa Mais Gestão
O Programa Mais Gestão Sudeste, uma parceria entre o MST e a UFSCar iniciada em 2024, também foi citado durante o encontro como um programa que tem priorizado o fortalecimento da organização coletiva e a articulação das mulheres nos empreendimentos. Tendo como principal pilar a intercooperação, o Mais Gestão incentiva associações e cooperativas a integrarem suas ações. Nesse sentido, articula coletivamente a construção do Encontro das Mulheres Sem Terra “Semeando Resistência”, reforçando a importância do protagonismo feminino.
*Editado por Fernanda Alcântara