
O pastor milionário a serviço do golpismo e da extrema-direita
por Gustavo Tapioca
“O pastor Silas Malafaia não é investigado como líder evangélico, mas como agente político que manipula o repertório bíblico. Ele não é líder religioso, mas liderança política da extrema direita.”
A provocação do professor João Cezar de Castro Rocha escancara um dado incômodo. Malafaia não se limita às pregações religiosas. Transforma o púlpito em altar do proselitismos político e ao esforço ativo para converter ou persuadir pessoas a adotar os preceitos da extrema-direita, do partido político que chama de seu, e dos seus candidatos prediletos.
Adota um dicurso de busca permanente de adeptos e seguidores para a causa bolsonarista via propaganda, persuasão e mobilização. E atua como articulador político, empresário midiático e financiador de campanhas da extrema-direita, travestindo interesses de poder com o manto da fé.
Silas Malafaia, líder da “Assembleia de Deus Vitória em Cristo,” se consolidou ao longo dos últimos anos como um dos maiores aliados políticos da extrema-direita no Brasil. Seu papel na mobilização de manifestantes, no financiamento de protestos e na repetição incessante da narrativa bolsonarista reflete sua influência sobre os evangélicos, e o grau de desenvolvimento em práticas políticas que ultrapassam, com frequencia, os limites da legalidade.
Sua atuação — muitas vezes controversa, mas sempre estratégica — coloca-o em posição crucial dentro da rede de apoio que sustenta Jair Bolsonaro e o bolsonarismo. De pastor midiático, Malafaia passou a militante e ativo fiador de Bolsonaro como, segundo ele, “escolhido por Deus”, além de reduzir adversários políticos a inimigos de Deus, da fé e da religião que não sejam os que ele diz professar.
Negacionismo, ataques e conivência com o golpismo
Durante a pandemia da Covid-19, Malafaia foi uma das vozes mais estridentes contra medidas sanitárias e vacinação. E foi um dos cúmplices e responsáveis pela morte de, pelo menos, três centenas de milhares de pessoas que poderiam estar vivas ainda hoje.
Acompanhou o ex-presidente em ataques ao Supremo Tribunal Federal (STF) e ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Após a derrota de Bolsonaro em 2022, reforçou o discurso de fraude eleitoral, incitou manifestações e legitimou ataques às instituições, ajudando a construinr o ambiente que culminou no 8 de janeiro de 2023, data principal das sucessivas tentativas de golpe que ainda persistem.
O já histórico 8 de janeiro, dia que marca a lembrança trágica de que — se a tentativa de golpe desse certo — o presidente Lula, o vice Alckimin, eleitos e empossados democraticamente, e o ministro do STF Alexandre de Moraes seriam as primeiras vítimas da sanha assassina que lembraria o golpe de 31 de março de 1964 e o golpe no golpe do AI5 de 13 de dezembro de 1968.
O Império Malafaia
Sua influência religiosa e política é significativa. O que mais assusta é a dimensão do seu poder econômico. Reportagens do ICL revelaram o chamado “Império Malafaia”: uma rede de igrejas, empresas e veículos de comunicação que movimenta milhões.
De acordo com os levantamentos de Igor Gadelha e Julia Dal Piva, Silas Malafaia controla editoras, canais de TV e rádio, além de instituições educacionais e imobiliárias ligadas à “Assembleia de Deus Vitória em Cristo,” isentas de imposto.
A série de repotagens publicadas no ICL aponta o uso sistemático dessas estruturas para autopromoção política, arrecadação bilionária com dízimos, “ofertas especiais” e, sobretudo, financiamento direto e indireto de campanhas e movimentos bolsonaristas.
O “Império Malafaia” funciona como uma engrenagem. O púlpito convoca, a mídia reforça, a estrutura empresarial financia. Assim, fé, negócios e política se confundem em uma lógica de poder que fortalece tanto o pastor Silas quanto a extrema-direita.
O braço religioso do bolsonarismo
Mais do que apoiador, Malafaia é um elo estratégico entre o clã Bolsonaro, a bancada evangélica ou bancada da Bíblia no Congresso e setores empresariais que orbitam em torno da fé. Seu discurso populista carismático, sustentado pela promessa de prosperidade espiritual, mobiliza massas em defesa de um projeto autoritário que ele abraçou há anos.
Não se trata, portanto, de perseguição religiosa. Trata-se de encarar o fato de que um líder autoproclamado evangélico transformou sua influência espiritual em poder político e econômico a serviço da extrema-direita.
O caso Malafaia sintetiza uma transformação perigosa. A instrumentalização da fé como arma política e sua trajetória mostra que o púlpito foi convertido em palanque e sua igreja em máquina de poder. O “Império Malafaia”, que começa a ruir, ainda é mais do que um conglomerado religioso. É um projeto de poder que desafia a democracia brasileira.
E agora, Malafaia?
Na quarta-feira 20, Malafaia começou a sentir que a casa caiu também para ele. Foi retido no Galeão para prestar esclarecimentos sobre sua participação em crimes de coação no curso do processo, obstrução de investigação envolvendo organização criminosa e abolição violenta do Estado Democrático de Direito. As investigações são desdobramentos do Inquérito (INQ) 4995 — que apura condutas do deputado federal licenciado que fugiu para os EUA com missão única de lutar contra a soberania brasileira — Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e do ex-presidente Jair Bolsonaro.
A festa acabou, a luz apagou. E agora? Agora Silas Malafaia não pode sequer fugir para longe no seu jato particular — adquirido com dinheiro de “Deus Pai e Nosso Senhor Jesus Cristo”, registrado em nome da franquia religiosa “legalmente” isenta de impostos.
Não pode também fugir de avião de carreira para fazer companhia ao filho 03 do Jair. Seu passaporte foi confiscado. Talvez, em breve, vá fazer companhia ao “Messias escolhido por Deus” e por ele, nos dias e noites intermináveis que se aproximam, entre sorisos cínicos, lágrimas contidas e soluços “imparáveis”.
Senhor, escutai a nossas prece.
Gustavo Tapioca é jornalista formado pela UFBa e MA pela Universidade de Wisconsin. Ex-diretor de Redação do Jornal da Bahia. Assessor de Comunicação da Telebrás, Oficial de Comunicação do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e do IICA/OEA. Autor de Meninos do Rio Vermelho, publicado pela Fundação Jorge Amado.
O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected]. O artigo será publicado se atender aos critérios do Jornal GGN.
“Democracia é coisa frágil. Defendê-la requer um jornalismo corajoso e contundente. Junte-se a nós: https://www.catarse.me/JORNALGGN “