
Pequenos Adultos, Grandes Problemas
por Marcelo Henrique e Marcus Braga
Embora não seja um “fenômeno” exclusivo de nosso país e cultura, pois presente em todo o mundo e, em especial, nas camadas periféricas da sociedade – adiante trataremos do termo – um novo “escândalo” ocupa as mídias brasileiras: a adultização de crianças e adolescentes e, tangencialmente, a retomada do tema da regulação das redes sociais.
É bem verdade que estigmas como o ódio, os cancelamentos, a glamourização do sofrimento e a validação dos sucessos instantâneos a partir de fórmulas “novas” – ou nem isso, posto que requentam atitudes e comportamentos mais longevos – não sejam privilégio dos dias cibernéticos nem da ambiência desta terceira década do Século XXI, é oportuno dizer que a internet potencializa e “viraliza” tudo o que tem rentabilidade – tanto a econômica, claro, quanto a correlacionada ao prestígio humano.
Lá atrás se dizia “os quinze minutos de fama” (Andy Warhol), quando alguém figurava, por exemplo nas mídias televisiva ou impressa, destacando algo que tivesse feito – não necessariamente positivo nem ético, claro. Hoje é o “engajamento” na forma de “views”, “likes” e, é evidente, porque Mamon está sempre à espreita do bicho-homem, a monetização que faz com que uns ou outros durmam pobres e acordem mili ou bilionários. O “sucesso” fácil…
Nesse sentido, como antecipamos, retorna a pauta nacional um tema recorrente, o da adultização de crianças e adolescentes, que compreende tanto a exposição “midiática” ou “cibernética”, quanto a coação para que adotem comportamentos, falas, roupas, maquiagens e também atitudes que estão tipicamente associadas aos adultos. Notadamente, é uma chaga antiga – porque alguém há de lembrar perguntas inadequadas e despropositadas em relação a filhos e netos “dos outros”, que, com oito, nove, dez anos, se já tinham “namoradinha” ou “namoradinho”.
O ponto mais destacado na atualidade é que isto se potencializou e segue potencializado com a questão das distintas redes sociais e o seu uso – sem regras, em balizas, por esse grupo etário – mas não só isso, uma vez que adultos também “valorizam” os infantes e pré-jovens em seus canais e perfis, obtendo, com isso, algumas das vantagens citadas acima e outras que, a priori, não conseguimos nem catalogar, dada a perspicácia e a aplicabilidade dos meios para a obtenção de benesses de variada ordem (para seus promotores, é claro!).
Há quem pense “inocentemente” que este ou aquele adulto esteja almejando retirar alguém da miséria, da pobreza ou oferecer “oportunidades”. Aqui ou ali, já têm surgido “depoimentos” de pessoas que foram “ajudadas” por influencers para obterem uma condição melhor de existência. E que isso “o fim”, justificaria qualquer “meio”. Axioma batido, não é? Mas ele segue na pauta dos nossos dias, ainda na esteira do conhecimento raso do “o que não é ilícito me convém”.

Discussão rasa. O ilícito não precisa estar totalmente qualificado na codificação legal, visto, inclusive, que a interpretação judicial das normas jurídicas permite a expansão de conceitos e a analogia para alcançar – sobretudo no sentido da criminalidade e dos prejuízos pessoais, ético-morais ou financeiros – o rol de tipicidades normativas.
O fato é que “in casu”, além de constrangimentos, humilhações e achincalhamentos – na forma dos “reacts” daqueles que acessam o conteúdo e, não só, também por sua viralização – há as questões de natureza sexual, da profissionalização precoce de crianças – principalmente com o aumento do número de “kidfluencers” (crianças que se tornam, também elas, influenciadoras) nas redes sociais, além do elemento de natureza da saúde e da psicologia, já que estes contextos acabam potencializando, a crianças e adolescentes, ambientes tóxicos e flagrantemente prejudiciais ao seu desenvolvimento psicológico, emocional e social, e isso se aplica também ao aspecto espiritual.
Sim, pois ao serem submetidos tais precoces indivíduos (inclusive os dos anos iniciais da infância) a ambientes dessa natureza, o seu processo progressivo (intelectual, cognitivo, afetivo e social) como Espírito se vê sacrificado frente a valores controversos vários e, no aspecto educativo, distintos prejuízos já estão sendo aferidos, como o afastamento das atividades escolares, a repetição de anos escolares ou a desistência do estudo – já que o “trabalho” é “lucrativo”, para eles e seus “responsáveis” e, mais especificamente, para os que promovem tais pessoas – muitas vezes personagens que vão sendo estruturados para a sequência dos ganhos. No contingente da saúde, há o notório fomento de patologias mentais, as quais, para nós espíritas, também dialogam com processos de influência espiritual (comumente descritos como obsessivos).
No âmbito normativo-legal, é necessário que os Poderes constituídos (Executivo, Legislativo e Judiciário) promovam o sério debate da questão da regulação das redes sociais – para além da ideologia panfletária dos dois segmentos que “duelam” nos pleitos eleitorais, o progressista e o conservador, quase sempre meramente preocupados com suas densidades eleitorais – realizando ações que possam desembocar em regras (sólidas ao lado das flexíveis) que possam responsabilizar os indivíduos por condutas lesivas a outrem – sobretudo aqueles que estão nas idades mais sensíveis e frágeis diante deste “sistema”, mas não somente estes, porque em relação ao “mundo adulto” também há um rol de condutas abjetas e hediondas praticadas sob o “manto do anonimato” ou travestidas em perfis fakes ou fictícios, da parte de pessoas que continuam se valendo da condição escusa ou da falta de normatização e apuração para TODOS os casos, para prejudicar quem quer que seja.
Nesses trinta anos de uma internet acentuadamente presente no Brasil e nos nossos cotidianos, entender que o ambiente virtual é um espaço de convívio e que demanda regras e, ainda, que permite que pessoas se ocultem mais facilmente na prática de desacertos (e ilícitos!) de toda a ordem, é afirmar que regular não é proibir pura e simplesmente, mas proteger, em um exercício de empatia no sentido de que a vítima, amanhã, pode ser cada um de nós!
Eis aí a “carteira” de temas que deve preocupar o espírita sério e consciente nos tempos atuais, cada vez mais volumosa, porque novas temáticas vão surgindo e também antigas sofrem redesenhos preocupantes. Ao trazermos para o cenário espírita a discussão desta e de outras temáticas, similares ou convergentes, temos o compromisso de nosso Coletivo ECK, de trazer à tona questões como essa que, a despeito de outras ameaças em tempos tão conturbados, têm destacado valor no sentido de ocupar o espaço de debates no meio espírita (ou no próprio “Espiritismo em ação”, formado pelos ambientes, grupos e instituições em que os espiritistas participam.
Neste sentido, é preciso cogitar e aprofundar, nos debates, ante a dialética e dialógica necessárias e inafastáveis, as causas, consequências e como a interação dos fatos e das pessoas com a Doutrina dos Espíritos pode favorecer o melhor entendimento das temáticas, preservar nossos infantes e adolescentes desta “influência” (negativa) e como contribuir, enquanto partícipes do tecido social, nas atividades e movimentos que já existem e ocupam a arena pública, assim como outros que devem surgir, a partir da iniciativa dos espíritas capazes de “influenciar o progresso social”, como Kardec assim prelecionou.
Marcelo Henrique é graduado em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (1993), e em Administração Pública (2021), pela Universidade Federal de Santa Catarina(UFSC). Especialista em Administração Pública e Auditoria, pela Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC (1994). Mestre em Ciência Jurídica pela Universidade do Vale do Itajaí – Univali (2002). Está cursando Doutorado em Administração, na Universidade Federal de Santa Catarina(UFSC). Coordenador do Grupo Espiritismo COM Kardec: https://www.comkardec.net.br
Marcus Braga, Doutor em Políticas Públicas (UFRJ).
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