A humanidade alcançou, com a revolução tecnológica em curso, uma capacidade inaudita de gerar riqueza em menos tempo e com menos esforço físico. Inteligência artificial, automação bancária, aplicativos de autoatendimento, plataformas digitais: tudo aponta para uma aceleração das tarefas, redução de etapas e supressão de intermediários. No entanto, paradoxalmente, o que deveria nos libertar tem nos exaurido.

Ao invés de aliviar a carga do trabalho humano, a tecnologia tem sido usada como instrumento de compressão temporal, intensificação de metas e, pior, extermínio de postos de trabalho — como vem ocorrendo com o fechamento de agências bancárias em nome da digitalização e da eficiência operacional.

Mas é precisamente aqui que se abre o debate fundamental: se a tecnologia é produto da inteligência coletiva da classe trabalhadora, por que seus frutos são apropriados apenas pelo capital? Por que o que poderia ser progresso vira ameaça de desemprego?

A utopia possível: reduzir a jornada, redistribuir o tempo

A única resposta ética, socialmente justa e economicamente viável à substituição tecnológica é a redução da jornada de trabalho sem redução de salários. Trata-se de redistribuir não apenas a renda, mas o tempo de vida — aquilo que os trabalhadores entregam de si à produção. É o caminho para coacionar o avanço técnico com a dignidade humana, impedindo que o aumento da produtividade se converta em desemprego e sofrimento.

Essa não é uma utopia alienígena. Alemanha, França e outros países discutem seriamente jornadas de 30 horas semanais. Experimentos em empresas demonstram que jornadas menores geram mais foco, mais saúde, mais criatividade e até mais produtividade sustentável. Por que no Brasil, país que lidera os rankings de adoecimento mental no trabalho, ainda insistimos em manter jornadas longas sob o chicote invisível das metas?

Uma política de transição justa para o novo mundo do trabalho

Precisamos, urgentemente, estabelecer mecanismos institucionais de transição justa: programas públicos e convenções coletivas que reduzam jornadas, promovam requalificação profissional e distribuam os frutos do progresso técnico. Ao invés de despedir trabalhadores diante da automação, as empresas poderiam reorganizar turnos, contratar mais, criar postos de supervisão humana e investir na humanização dos serviços digitais.

Mais do que uma estratégia sindical, isso é um projeto civilizatório: o de fazer com que o avanço da técnica não seja a pá de cal sobre o humano, mas a ponte para uma nova sociabilidade baseada no tempo livre, no ócio criativo e no trabalho digno.

O papel das empresas públicas: exemplo ou contradição?

É imperativo que empresas estatais como a Caixa Econômica Federal abandonem a lógica do mercado financeiro privado. Fechar agências, cortar pessoal e robotizar relações de atendimento num momento de colapso psíquico da classe trabalhadora é uma traição à sua missão pública. Mais do que isso: é uma violência institucionalizada contra o direito à saúde, à estabilidade e à presença humana nas relações de trabalho.

Se a Caixa for pioneira na redução da jornada, na humanização digital e no reconhecimento da tecnologia como aliada do bem-estar, poderá liderar um novo modelo de gestão pública com foco na valorização do trabalho — e não em seu apagamento.

O tempo é o campo da luta

Não basta lutar por salários. É preciso lutar pelo tempo. O tempo de viver, de respirar, de não ser máquina. A revolução tecnológica só será libertadora se for acompanhada por uma revolução ética, que coloque a vida no centro — e não os lucros. A classe trabalhadora produziu a inteligência que agora a ameaça. Cabe a nós disputar seus frutos.

Reduzir a jornada de trabalho, manter os postos, reorganizar os fluxos. É esse o novo horizonte político. E é por ele que o autor deste artigo vai lutar.

Flaviano Cardoso é advogado, bancário da Caixa Econômica Federal, membro da CIPA e colunista do JL Política e Negócios

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Last Update: 21/08/2025