Em entrevista no dia 15 de agosto para o canal do jornalista Jamildo Melo, Jones Manoel, principal figura pública do recém-fundado PCBR, falou da sua candidatura a presidente da república para 2026:

“Neste momento eu gostaria de ser candidato a presidente, porque eu acho que é necessário no cenário eleitoral de 2026 que a gente tenha uma candidatura de esquerda, porque veja, a candidatura de Lula, não vai ser uma candidatura de esquerda”

Provavelmente essa decisão foi fruto de um debate interno no interior desse novo partido da esquerda socialista brasileira no qual Jones tem cumprido o papel de dirigente e representante nos debates públicos principalmente pelas redes sociais. Embora o PCBR seja fruto de uma divisão recente do PCB, e ainda não tenha conseguido registro eleitoral oficial, qualquer cidadão brasileiro tem o direito de se candidatar a presidência da república. Resta saber qual partido poderia ceder a sigla democraticamente para Jones ser candidato.

Mas a questão principal desse artigo é levantar uma polêmica sobre o posicionamento eleitoral da esquerda em 2026, quando provavelmente Lula poderá se candidatar à reeleição em um cenário de disputa acirrada contra a extrema direita. Ainda que Bolsonaro e seus aliados golpistas estejam próximos da prisão, não há dúvidas de que as forças políticas mais reacionárias e neofascistas do país possuem peso social para disputar para valer, independentemente de quem seja o candidato. E, diferentemente de 2022, os traidores da pátria contam dessa vez com um aliado de peso na geopolítica que envolve todo o continente americano, com o apoio e intervenção direta do chefe do imperialismo americano: Donald Trump.

Uma organização que reivindica uma estratégia socialista, para decidir sobre a melhor tática política eleitoral, precisa analisar o contexto histórico, a correlação de forças da luta de classes, os interesses geopolíticos em jogo, o nível de consciência da classe trabalhadora, suas próprias capacidades de sustentar ou não uma política perante a realidade, a elaboração de um programa que dialogue com os interesses materiais das massas e levar sempre em consideração os seus princípios. A tática e a estratégia são conceitos históricos e científicos, no qual a tática se define pelas elaborações políticas que tem a função de construir os caminhos para chegar ao objetivo estratégico. Se uma organização revolucionária tem como estratégia o socialismo (objetivo fim), é preciso construir os meios (táticas) para chegar nesse intento final. As táticas podem ser mais ousadas ou mais defensivas, para uma ação imediata ou para uma luta de longa duração, tudo isso vai depender da análise concreta da realidade concreta.

Nesse marco, a caracterização do PCBR de que a candidatura de Lula não é de esquerda, portanto ninguém levantaria no debate eleitoral as bandeiras da classe trabalhadora, então por esse motivo seria necessário lançar a candidatura de Jones Manoel a presidente da república, trata-se de um erro tático de consequências em várias dimensões, especialmente para a realidade política do Brasil contemporâneo. A análise dos camaradas sobre o contexto histórico, sobre a correlação de forças, sobre a subjetividade das massas e sobre a caracterização do papel que cumpre Lula e o PT nesse momento está redondamente equivocada e, se levada às últimas consequências, muito provavelmente será mais um erro ultraesquerdista que ficará registrado na história de luta política nacional.

Contexto histórico, correlação de forças, tática e estratégia

Já atravessamos um quarto de século, tomamos distancia significativa do século XX, as revoluções socialistas que triunfaram, expropriaram capitalistas e fizeram transformações econômico-sociais em vários países de modo geral sofreram derrotas históricas. Todos os elementos da situação política mundial desenham um cenário mais complexo e muito mais difícil para a construção de organizações revolucionárias. O refluxo das lutas de massas e a ausência de revoluções socialistas é um fato histórico do nosso século. As massas trabalhadoras estão sendo cada dia mais expropriadas e não as frações burguesas, essas por sua vez, concentram cada vez mais riqueza e poder, um terreno fértil para o desenvolvimento de forças políticas reacionárias ainda mais degeneradas que expressam sua falha moral a luz do dia sem o menor pudor. O mais grave é que desgraçadamente conseguem encontrar amplo apoio para suas ideias no próprio imaginário da classe trabalhadora, tamanha é a crise de subjetividade atual.

A luta política que se desdobra no Brasil expressa esse contexto histórico desfavorável mundialmente para a classe trabalhadora e para as organizações revolucionárias. Enquanto forças políticas de extrema direita estão em franca ascensão, as organizações que reivindicam uma estratégia socialista (conhecida também como esquerda radical) tentam sobreviver em sua solidão política. Um isolamento muitas vezes “acústico”, eles não ouvem o povo, e esse por sua vez, não os ouve. Essa situação as vezes gera rupturas com a realidade, análises baseadas no desejo e não na observação científica, e a agitação do socialismo como a única plataforma a ser apresentada para as massas, fusionando tática e estratégia na elaboração política. Na prática é o abandono da tática!

Metaforicamente falando, a tática é o tempero da elaboração política, o borogodó, o molho, o aroma que faz salivar… Ao oferecer um prato ao público, ele terá pouca aceitação se estiver frio, sem cor e sem tempero. Assim é a política, o conteúdo só será consumido, se o tempero for bom, traduzindo, se a tática for correta! Essa tem sido a pratica de muitas organizações e figuras da esquerda no Brasil, o abandono do tempero tático, e a consequência é o aprofundamento do seu isolamento perante as massas. Mas não é só isso, a solidão política leva a incapacidade de perceber as vibrações da movimentação do inimigo e de calcular os riscos de uma queda em terreno acidentado. Pequenas vitórias que permitem dialogo com ínfimas frações da opinião pública, acabam levando ao super dimensionamento de suas próprias forças, conduzindo ao raciocínio superficial de que não é necessário nenhuma elaboração tática, basta agitar caracterizações e o socialismo, que tudo irá acontecer. Não sabia que era impossível, foi lá, e ficou sabendo!

Pela delicada situação da luta de classes no Brasil, a elaboração da tática política exige considerar a construção de uma frente única entre os movimentos sociais e as forças políticas de esquerda para acumular mobilização suficiente para enfrentar a poderosa ofensiva da extrema direita, como também para pautar temas da classe trabalhadora. Um exemplo de sucesso tem sido a campanha do plebiscito popular que está pautando nas ruas de várias cidades do país reivindicações de interesse imediato do povo brasileiro, como o fim da escala 6×1, a taxação dos super-ricos e a isenção do imposto de renda para as camadas mais pobres da população. Mas essa frente única também deve se expressar no terreno eleitoral entre as organizações de esquerda. Nesse sentido é totalmente equivocado excluir o PT dessa tarefa. Não só porque é o partido de esquerda que está mais implantado no imaginário popular brasileiro, mas também porque Lula foi a única figura política capaz de derrotar Bolsonaro em 2022 e tudo indica que será o único candidato da esquerda a ter a capacidade de vencer a eleição em 2026.

Ao não reconhecer esse fato, fica flagrante o sintoma da enfermidade ultraesquerdista que leva inevitavelmente ao isolamento e a fragmentação inconsequente do espectro de esquerda! Excluindo-se de fazer o debate franco das diferenças que existem no interior da própria frente de esquerda, abrindo mão do compromisso com a responsabilidade de se posicionar a favor da unidade necessária para derrotar o neofascismo como a principal tarefa da luta de classes hoje. Pois bem, na tática elaborada por Jones e seu partido, não consta frente única para lutar na campanha do plebiscito popular e não está o chamado para construir uma frente de esquerda. A tática é lançar uma candidatura própria, agitar caracterizações sobre Lula e o PT e se auto proclamar a luz, a verdade e a revolução. Transforma a estratégia da revolução em tática permanente na tentativa de se apresentar como os únicos socialistas brasileiros, fato que se fosse verdade, pelo peso ultraminoritário do PCBR na realidade brasileira, nos levaria a conclusão de que praticamente não há quase ninguém que reivindique o socialismo no Brasil.

A eleição presidencial de 2022 poderia ter sido liquidada no primeiro turno, se não fossem as posições de parte dos partidos de esquerda que optaram em lançar candidaturas e se recusaram a apoiar Lula. A exposição de motivos para o lançamento de candidaturas próprias são as mesmas que Jones Manoel está argumentando agora para se lançar candidato em 2026. Na época Jones estava no PCB que lançou a candidatura de Sofia Manzano. O PSTU lançou a candidatura de Vera Lúcia. A UP lançou a candidatura de Léo Péricles. E o PDT lançou a candidatura de Ciro Gomes. Todas essas candidaturas estavam no espectro de esquerda, todas criticavam radicalmente o PT e Lula, e todas (com exceção da candidatura de Ciro) reivindicam a estratégia socialista. Qual foi o resultado dessa experiencia? Segundo os dados do TSE, todas essas candidaturas que se localizavam à esquerda aos olhos da massa alcançaram juntas – 3.724.051 ou 3,15% dos votos. Lula teve 57.259.504 ou 48,43% dos votos, pela legislação brasileira. Para um candidato vencer no primeiro turno é necessário uma maioria simples de 50% + 1 voto. Os números são categóricos em revelar que essas candidaturas de esquerda que não apoiaram Lula no primeiro turno, cumpriram um papel fundamental de oferecer a Jair Bolsonaro e a extrema direita uma segunda chance no segundo turno. Na prática, foram candidaturas inexpressivas, cuja contribuição no debate eleitoral foi quase invisível e, ao invés de fortalecer e acelerar o processo revolucionário no Brasil, quem se deu bem foi a extrema direita que pôde ir ao segundo turno e, por muito pouco, Bolsonaro não conseguiu se reeleger. Após a eleição de 2022, o PCB se dividiu, dando origem ao PCBR, coroando o desastre de uma política totalmente equivocada. Alguém aprendeu com os erros?

O ultraesquerdismo é uma enfermidade ainda mais nociva no século XXI

Em 1920, portanto, há mais de um século, Lênin publicou uma obra com o título: “Esquerdismo doença infantil do comunismo”. Notem que essa obra foi publicada pouco mais de dois anos do triunfo da revolução Russa de 1917 e um ano após a fundação da terceira internacional. A preocupação do principal líder da revolução soviética era orientar organizações e militantes comunistas que surgiam com coragem e fervor em vários países da Europa, mas frequentemente carentes de experiência e maturidade tática, tentando impacientemente copiar os russos em contextos e correlações de forças distintas, adotando posturas que os isolavam. Para Lênin o fato da revolução socialista não se alastrar por toda Europa ocidental rapidamente após a revolução russa como esperavam os bolcheviques, obrigava as organizações comunistas a adotar táticas de mais longo prazo para acumular forças e sobreviver em situações de refluxo defensivo.

No caso brasileiro, onde as organizações revolucionárias são muito minoritárias, a pergunta do sectário dogmático seria “é principista apoiar Lula no primeiro turno da eleição presidencial?” A resposta em abstrato é “Não!”. A pergunta de quem compreende o materialismo dialético segundo Lênin é “Dada a atual correlação de forças, o nível de consciência das massas e o avanço da extrema direita, apoiar Lula já no primeiro turno nos ajuda a acumular forças para a revolução ou nos isola?”. Como fazer as perguntas sobre os problemas da luta de classes em distintas situações é a essência da metodologia leninista, a tática justa não pode ser elaborada tomando como referência somente princípios abstratos, mas uma análise rigorosa dos elementos objetivos e subjetivos de cada momento histórico.

É preciso considerar que essa obra de Lênin é um combate contra posições ultraesquerdistas num momento histórico no qual a revolução russa impactava e inspirava o mundo todo muito recentemente, mesmo assim era necessário observar que a luta política em outros países da Europa não obrigava a implementação generalizada das mesmas táticas aplicadas pelos bolcheviques na Rússia. O que dizer do significado de posições ultraesquerdistas no século XXI, após a restauração do capitalismo em todo leste europeu e com a ascensão da extrema direita em todo mundo? Não há dúvidas de que a paciência com processos de disputa ideológica de longo prazo e a emergência da flexibilidade tática, são elementos que precisam sem incorporados nas elaborações das organizações revolucionárias no tempo em que vivemos.

A disputa política no Brasil está em aberto e, mesmo com todas as limitações e equívocos de Lula e do petismo, não há dúvidas de que a vitória de uma candidatura da extrema direita de relações amistosas com Trump seria uma imensa derrota para toda esquerda brasileira, em especial para o acumulo de forças das organizações revolucionárias que atuam no Brasil. O PCBR se coloca como oposição ao governo Lula e toda oposição tem como projeto derrotar a situação. O problema é que nesse momento histórico, a derrota de Lula e do PT vai abrir inevitavelmente o caminho para as forças de extrema direita e neoliberais mais radicais. É exatamente aí que mora o erro tático! O fato de não existir uma organização revolucionária com influência de massas capaz de superar o ciclo petista no Brasil é um elemento-chave para a elaboração tática.

Nesse sentido, devemos concordar que após a restauração do capitalismo no Leste Europeu, as posições ultraesquerdistas no século XXI têm potencial muito mais destruidor para a esquerda e para a fragmentação de organizações revolucionárias que no século XX. Jones Manoel tem se destacado com sucesso nas redes sociais no debate público, por isso merece nosso respeito e admiração pelo talento e dedicação. É justamente por isso que ele e seu partido precisam nesse momento histórico colocar em prática o leninismo que tanto reivindicam. Evitando o destino de ser mais uma organização ultraesquerdista que se perdeu nas brumas da história.

Gibran Jordão é historiador e TAE-UFRJ

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Last Update: 20/08/2025