Na cúpula no Alasca, Putin teria demandado o controle total sobre essa região para pôr fim ao conflito. Área tem laços com russos, mas também é relevante para ucranianos.

Ainda são apenas relatos não confirmados na imprensa, mas já causam um debate acalorado nos EUA e na Europa: o presidente russo, Vladimir Putin, e seu homólogo americano, Donald Trump, teriam concordado, em sua cúpula no Alasca, que a Ucrânia deveria ceder as regiões de Donetsk e Lugansk à Rússia. Mas a Ucrânia poderia ser forçada a dar esse passo?

Putin estaria exigindo que as forças ucranianas se retirem completamente da região do Donbass. Em troca, o presidente russo suspenderia os combates ao longo do resto da linha de frente. Isso se aplica em particular às regiões do sul da Ucrânia, Kherson e Zaporíjia, onde as forças russas também ocupam áreas significativas.

Donetsk e Lugansk: ucranianas, mas próximas à Rússia

Nos últimos anos, Putin tem enfatizado a importância das regiões de Donetsk e Lugansk, que compõem o Donbass. Segundo ele, a região tem laços históricos com a Rússia e o legado da União Soviética. No entanto, segundo a Constituição, ela pertence à Ucrânia, e isso era indiscutível mesmo durante a era soviética.

Enquanto a Península da Crimeia só foi transferida da Rússia para a Ucrânia em 1954 pelo então chefe do governo soviético, Nikita Khrushchev – uma medida que ainda hoje é controversa na Rússia –, as regiões de Donetsk e Lugansk fazem parte da Ucrânia desde a fundação da República Socialista Soviética da Ucrânia em 1919.

No entanto, o Donbass sempre teve forte influência russa. Já no século 19, e mais tarde na era soviética, era considerado um centro industrial, rico em recursos minerais. Quando a mineração de carvão e as indústrias siderúrgica e química cresceram, muitas pessoas de toda a União Soviética, mas especialmente da Rússia, mudaram-se para lá em busca de trabalho. Mesmo antes de 2014, uma clara maioria da população era de língua russa.

E essa parte do leste da Ucrânia seguiu próxima da Rússia, mesmo quando muitos no oeste do país já queriam laços mais fortes com a União Europeia (UE) do que com Moscou. Viktor Yanukovych, o ex-presidente ucraniano apoiado pelo Kremlin, também nasceu em Donetsk e obteve seu maior apoio na região.

Donbass é alvo de disputas desde 2014

Quando Yanukovych foi derrubado após a Revolução da Maidan em 2014 e teve que fugir para Moscou, o Donbass virou um ponto de discórdia entre Moscou e Kiev. O Kremlin em seguida anexou a península da Crimeia, e a agitação se espalhou pelo leste da Ucrânia. Grupos armados apoiados por armas e combatentes russos declararam as autoproclamadas “repúblicas populares” em Donetsk e Lugansk.

Mas se Moscou esperava obter amplo apoio para essa medida entre os ucranianos de língua russa, logo se decepcionou. A guerra separatista no leste da Ucrânia foi amplamente rejeitada, e nas eleições presidenciais de 2019 da Ucrânia os eleitores deram ampla maioria a Volodimir Zelenski – mesmo nas áreas do leste da Ucrânia ainda controladas por Kiev. O próprio Zelenski cresceu falando russo, e sua política de buscar acabar com o conflito sem abrir mão da soberania da Ucrânia teve grande apoio.

Aqui ficava a prefeitura de Kherson, destruída por um ataque com mísseis russos em junho de 2025 | Volodymyr Zelenskyy/X

No início da invasão russa em grande escala, em fevereiro de 2022, o Donbass continuava sendo um tema central para Putin. Em um discurso televisionado, ele justificou sua “operação militar especial” na Ucrânia dizendo que as “autoproclamadas” repúblicas de Donetsk e Lugansk haviam pedido ajuda a Moscou. Ele alegou que os moradores de língua russa nas áreas do leste da Ucrânia ainda controladas por Kiev estariam sendo vítimas de um “genocídio” – alegações para as quais não há evidências até hoje.

Por que o sudeste da Ucrânia é importante geopoliticamente

Hoje, toda a região de Lugansk e cerca de 70% da região de Donetsk estão sob controle russo. Isso significa que cerca de 88% de todo o Donbass está ocupado pela Rússia. Segundo estimativas, mais de quatro milhões de pessoas vivem nessas duas áreas. Além de depósitos de carvão e minério, acredita-se que haja lá vários depósitos de lítio, cobalto, titânio e terras raras, necessários para a produção de itens de alta tecnologia.

Manifestantes pró-Rússia na autoproclamada “república popular” de Donetsk, em fevereiro de 2022 | Alexei Alexandrov/AP Photo/picture alliance

As duas regiões também têm um papel importante para a Rússia em termos de conexão terrestre com a península da Crimeia, que atualmente só pode ser alcançada a partir do território russo através da Ponte de Kerch.

Se o Donbass, ou seja, as regiões de Lugansk e Donetsk, pertencessem à Rússia e a linha de frente nas regiões de Zaporíjia e Kherson fosse congelada – ou seja, se a Rússia ocupasse essas áreas –, a Crimeia também estaria conectada à Rússia por terra. Isso cortaria permanentemente o acesso da Ucrânia ao Mar de Azov, a parte do Mar Negro que fica entre a Crimeia e a Rússia.

Cinturão fortificado da Ucrânia

Para a Ucrânia, o Donbass também está longe de ter apenas importância econômica. Nas áreas ainda controladas por Kiev, a Ucrânia estabeleceu o seu chamado cinturão fortificado. Esta é a linha de defesa mais importante, que até agora impediu a Rússia de avançar ainda mais para o centro da Ucrânia.

A ponte de Kerch é hoje a única via de acesso do território russo à Crimeia anexada | AP/dpa/picture alliance

Ela é composta por várias cidades-chave e posições fortificadas, como Kramatorsk, Slavyansk e Kostyantynivka, que a Ucrânia manteve sob seu controle até agora, apesar de grandes perdas. Por trás desse cinturão fortificado encontram-se as vastas planícies abertas do centro da Ucrânia, que sem uma linha de defesa estariam extremamente vulneráveis a uma nova ofensiva russa.

Sem garantias de segurança abrangentes e confiáveis, o presidente ucraniano Volodimir Zelenski não pode considerar abandonar as áreas restantes do Donbass.

E, mesmo internamente, isso seria muito difícil de implementar. Por um lado, a Constituição do país o proíbe de fazer tal concessão. Por outro, seria extremamente impopular na Ucrânia: segundo uma pesquisa do Instituto Internacional de Sociologia de Kiev, cerca de 75% dos ucranianos rejeitam qualquer cessão de território à Rússia.

Publicado originalmente pelo DW em 20/08/2025

Por Thomas Latschan

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Last Update: 20/08/2025