O Hamas anunciou nesta segunda-feira (18) que aceitou uma proposta de cessar-fogo elaborada por Egito e Catar, após semanas de negociações no Cairo.
O plano prevê uma trégua inicial de 60 dias, durante a qual seriam libertados reféns israelenses em duas etapas, devolvidos corpos de vítimas da guerra, libertados prisioneiros palestinos e permitida a entrada de ajuda humanitária sob supervisão da ONU e da Cruz Vermelha.
Israel, no entanto, ainda não respondeu formalmente, embora tenha confirmado o recebimento da proposta. O primeiro-ministro Benjamin Netanyahu limitou-se a dizer em vídeo que o Hamas estaria “sob imensa pressão”.
Segundo dirigentes palestinos e fontes da mediação, o acordo estabelece que dez reféns vivos e dezoito corpos seriam entregues a Israel na primeira fase, seguidos por outros dez reféns e mais corpos em uma segunda etapa.
Em contrapartida, Israel libertaria 150 palestinos condenados à prisão perpétua e outros 50 presos com penas superiores a 15 anos. Além disso, para cada corpo israelense devolvido, Israel entregaria os corpos de dez militantes palestinos. Tel Aviv acredita que dos 50 reféns ainda em Gaza, apenas 20 estariam vivos.
O documento também prevê o recuo das tropas israelenses para uma faixa de um quilômetro ao longo das fronteiras norte e leste de Gaza, incluindo as áreas de Beit Lahiya e Shejaia, sem retirada total das forças de ocupação.
A medida busca aliviar a pressão imediata sobre a população civil e criar condições para negociações de longo prazo. Assim que o cessar-fogo entrar em vigor, as partes seriam obrigadas a iniciar conversas sobre um acordo permanente, sob garantias internacionais.
O Catar classificou a proposta como “quase idêntica” à apresentada anteriormente pelos Estados Unidos, rejeitada pelo Hamas no início do ano por não oferecer garantias contra o genocídio.
A aceitação palestina coloca Israel diante de uma encruzilhada política e militar. A pressão interna cresce: no domingo (17), centenas de milhares de israelenses foram às ruas em uma das maiores manifestações desde o início da guerra, exigindo o fim imediato dos combates e a devolução dos reféns.
Pesquisas recentes indicam que a maioria da população é favorável a encerrar a guerra se isso significar o retorno dos cativos. Netanyahu, porém, enfrenta as pressões opostas de sua base ultradireitista, que insiste na continuidade da guerra e na anexação de Gaza, rejeitando qualquer trégua temporária.
Convocação de 60 mil reservistas e plano de ocupação escalada militar
Apesar da aceitação do cessar-fogo pelo Hamas, o governo israelense avança em seus planos de ampliar a ofensiva. O gabinete de segurança aprovou no início de agosto uma operação para invadir e ocupar a Cidade de Gaza, descrita por Netanyahu como o último grande bastião urbano do movimento de resistência palestino.
O Exército convocou 60 mil reservistas para a nova fase da guerra, embora tenha adiado sua incorporação até setembro, o que abre uma brecha para que a diplomacia se desenvolva antes da invasão.
Um porta-voz militar afirmou que cinco divisões já operam no enclave e que a nova etapa consistiria em “uma ofensiva gradual, precisa e direcionada” em Gaza e arredores. Israel controla atualmente 75% do território e sustenta que o Hamas foi reduzido a uma força de guerrilha, mesmo após quase dois anos de ataques contínuos.
A expansão da ofensiva, no entanto, ameaça diretamente a vida dos reféns ainda em poder do grupo, além de empurrar a guerra para um cenário de guerrilha prolongada.
Nas últimas horas, os bombardeios israelenses prosseguiram contra os subúrbios da Cidade de Gaza, matando pelo menos 19 pessoas, segundo o Ministério da Saúde local. Testemunhas relataram a movimentação de tanques e retroescavadeiras em direção ao subúrbio de Sabra, no leste da cidade.
O chefe do Exército, Eyal Zamir, declarou que Israel vive um “ponto de inflexão” e que os ataques contra o Hamas na região serão intensificados. O cerco à cidade, combinado ao deslocamento massivo de civis, amplia a dimensão do desastre humanitário.
Enquanto isso, líderes árabes e facções palestinas aumentaram a pressão para que o Hamas aceitasse o acordo, numa tentativa de conter a ofensiva iminente.
Pela primeira vez, países árabes declararam publicamente apoio ao desarmamento do Hamas se esse passo estivesse vinculado ao fim da guerra e a um caminho concreto para a criação de um Estado palestino.
A pressão diplomática se somou ao clamor de sindicatos, jornalistas e líderes comunitários dentro de Gaza, que organizaram protestos exigindo o fim da guerra “a qualquer custo”.
Anistia Internacional denuncia política deliberada de fome contra palestinos
O colapso humanitário em Gaza é denunciado diariamente por organismos internacionais e organizações de direitos humanos. Segundo o ministério da Saúde palestino, mais de 62 mil pessoas já foram mortas pelos bombardeios israelenses desde outubro de 2023, em sua maioria mulheres e crianças.
A população civil enfrenta fome, doenças e deslocamentos forçados, com milhares abandonando suas casas no leste da Cidade de Gaza diante da iminente ofensiva terrestre.
Em relatório divulgado na segunda-feira (18), a Anistia Internacional acusou Israel de conduzir uma “campanha deliberada de fome” como parte de uma política de genocídio contra os palestinos.
Segundo o documento, a escassez extrema de alimentos e medicamentos não é um subproduto da guerra, mas “o resultado intencional de planos e políticas elaborados para infligir condições de vida calculadas para causar destruição física da população de Gaza”.
O texto afirma que Israel vem “destruindo sistematicamente a saúde, o bem-estar e o tecido social da vida palestina”, caracterizando esse processo como parte integral do genocídio em curso.
O cerco israelense também impede a reconstrução mínima das áreas devastadas. Escolas, hospitais e mesquitas foram destruídos, obrigando famílias a abrigarem-se em ruínas ou campos improvisados.
Em Beit Lahia, um subúrbio devastado no norte, quase mil famílias foram forçadas a abandonar a região em direção ao sul. Em meio à precariedade, civis relatam não ver perspectivas de sobrevivência.
As denúncias de genocídio e a devastação cotidiana reforçam a percepção de que a guerra ultrapassou todos os limites.
Para os palestinos, a aceitação do cessar-fogo não é apenas um gesto diplomático, mas uma tentativa de garantir a sobrevivência de um povo submetido a bombardeios diários, fome planejada e deslocamentos incessantes.
Para Israel, a insistência em expandir a ofensiva, mesmo diante da proposta aceita, expõe a contradição entre a retórica de segurança e a realidade de destruição que já eliminou boa parte da infraestrutura civil de Gaza.
Pressões contraditórias sobre Netanyahu colocam Israel diante de um impasse entre diplomacia e guerra
A aceitação do cessar-fogo pelo Hamas representa o movimento mais próximo de uma trégua desde o fracasso das negociações em julho, mas a resposta de Israel continua indefinida.
Internamente, Netanyahu enfrenta a contradição de liderar uma coalizão que exige a continuidade da guerra e, ao mesmo tempo, lidar com um movimento popular que pede o retorno dos reféns e o fim imediato dos combates.
Pesquisas recentes indicam que a maioria da população apoia a interrupção da guerra caso isso garanta a devolução dos cativos.
No plano externo, cresce a pressão de países árabes, europeus e até de aliados históricos de Israel. Washington, que havia patrocinado a proposta de Steve Witkoff meses atrás, já não se mostra disposto a sustentar indefinidamente a ofensiva, enquanto Catar e Egito se apresentam como fiadores de uma saída política.
A expectativa é que Israel se pronuncie oficialmente até sexta-feira (22), prazo que se tornou símbolo da encruzilhada atual.
Depoimentos de familiares de reféns também dão tom à crise. Dani Miran, pai de um jovem sequestrado em 7 de outubro de 2023, teme que uma ofensiva terrestre agrave o risco para seu filho.
“Estou com medo de que meu filho seja ferido”, disse em Tel Aviv. Do outro lado do cerco, palestinos como Samir Abu Basel, pai de quatro filhos, descrevem a sensação de abandono. “Se não houver acordo, temo que todos morreremos. Morrer aqui ou ser empurrados para fora de Gaza dá no mesmo. Perdemos a fé neste mundo e em nossos líderes também.”
Os próximos dias serão decisivos. Se Tel Aviv responder positivamente à proposta aceita pelo Hamas, pode-se abrir um caminho para negociações de paz mais estáveis. Caso contrário, a ofensiva sobre a Cidade de Gaza significará a continuidade do massacre, com a possibilidade de um cenário ainda mais prolongado de guerra de guerrilha e catástrofe humanitária.