Neste dia 18 de agosto, apresentamos o Manifesto contra as comunidades terapêuticas e fazemos um chamamento à construção do Dia de Luta contra as comunidades terapêuticas, a ser realizado no dia 10 de outubro.
Aproveitamos para convidar todas as pessoas interessadas para a live de lançamento da campanha contra as comunidades terapêuticas, às 19h, deste dia 18, no Canal de YouTube da ABRASME.
Segue abaixo o Manifesto!
Saudações antimanicomiais!
Chamada à construção do Dia de Luta contra as comunidades terapêuticas!
Somos usuários, usuárias, trabalhadoras, trabalhadores, pesquisadores, pesquisadoras e militantes da saúde mental, álcool e outras drogas, no bojo das Lutas Antimanicomial, Antiproibicionista, Abolicionista Penal, dentre outras lutas e movimentos sociais. Vimos aqui manifestar o nosso mais profundo repúdio às chamadas “comunidades terapêuticas” (cts), que inclusive têm utilizado várias nomenclaturas para se disfarçar (p. ex. clínicas, centros de tratamento, casas de recuperação, comunidades terapêuticas acolhedoras, entre outras), bem como a nossa total contrariedade ao financiamento público de tais instituições.
Não é possível tipificar as cts como espaços de tratamento a pessoas com necessidades associadas ao consumo abusivo ou problemático de álcool e outras drogas, pois elas não são formalmente equipamentos da saúde, e o trabalho desenvolvido por essas instituições se pauta em princípios manicomiais. Neste sentido, como criticado e denunciado pelos Movimentos da Luta Antimanicomial brasileira e internacional, as cts, enquanto novas-velhas formas de manicômios, são instituições de violência e de violação de direitos humanos. Isso fica nítido também nas denúncias das mais variadas entidades e espaços de participação e controle social, como nas deliberações da V Conferência Nacional de Saúde Mental (CNSM), realizada em dezembro de 2023, e que são univocamente contrárias às cts, bem como em várias inspeções e fiscalizações realizadas por entidades da sociedade civil e do próprio Estado.
Não suficiente, há uma robusta literatura acadêmica e inúmeros relatórios de órgãos fiscalizadores do Estado brasileiro, que caracterizam as cts como uma mistura de manicômios, prisões, igrejas e senzalas. Um de seus pilares, como aponta relatório de 2025 do Mecanismo Nacional de Prevenção e Comabte a Tortura, a laborterapia, se constitui de trabalho forçado, não-pago, em condições degradantes, análogo à escravidão e, por vezes, em regime de servidão por dívida.
Com o discurso de prática terapêutica, a atividade laboral compulsória é tida como meio de manutenção das cts, gerando também lucros e vantagens financeiras às instituições e aos seus proprietários. Além disso, a maioria das pessoas destinadas às cts e violentadas por elas é negra e pobre, denotando o caráter racista e de classe de tais instituições – ao qual se somam o fundamentalismo e a violência religiosa, a violência de gênero e sexualidade, entre outras. Denunciamos também o seu moralismo, pelo qual o sofrimento é ignorado e tratado como falha de caráter, assentado num proibicionismo que desconsidera a fundamentalidade da Redução de Danos como paradigma que deve orientar as políticas na área.
Contudo, na contramão da realidade, tais instituições vêm ganhando cada vez mais força nas políticas públicas, com chancela estatal que vai da proposital omissão até à sua incorporação e o seu financiamento público. Como exemplo de omissão, citamos a RDC 29/2011, da Vigilância Sanitária, que é extremamente lacunar e omissa quanto aos critérios de segurança sanitária para funcionamento de instituições como as cts. Mesmo insuficiente, ela tem sido amplamente desconsiderada pelas cts, com os processos e instrumentos de fiscalização também sendo escassamente efetivados. Ou seja, o próprio interesse público é negado.
Já como exemplo da chancela ativa do Estado brasileiro às cts, dentre as inúmeras iniciativas de caráter municipal, estadual/distrital e federal, mencionamos a criação no governo Lula III de um departamento para a legitimação das cts como política pública no Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), o Departamento de Entidades de Apoio e Acolhimento Atuantes em Álcool e Drogas. Ainda mais recentemente, por meio da publicação do aviso nº 4/2025/DEPAD/SE/MDS, o MDS convocou mais de 100 cts para serem contratadas, dentre 585 que foram anteriormente habilitadas no Edital 08/2023. Considerando que 180 cts da lista já foram habilitadas, chega-se ao total de 280 cts que recebem ou receberão financiamento só do MDS. A título de comparação, no final de 2024, existiam apenas 338 CAPS AD tipo II e 158 CAPS AD tipo III, totalizando 496 CAPS AD no Brasil. Para piorar, no mesmo período havia somente 86 Unidades de Acolhimento (UAs), que são serviços da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) de atenção residencial de caráter transitório para pessoas com necessidades associadas ao consumo problemático de drogas e em situação de violação de direitos.
Recursos públicos que deveriam ser alocados em serviços de base territorial e comunitária, como os CAPS AD e as UAs – para adultos (UAAs) ou crianças e adolescentes (UAIs) -, cuja forma de cuidado é comprovada em extensa produção e evidência científica, acabam sendo transferidos para as cts, e em montantes cada vez maiores. De acordo com pesquisa da Conectas Direitos Humanos e do Cebrap, entre 2017 e 2020, o investimento federal nas cts totalizou R$ 300 milhões. Segundo a agência de jornalismo Repórter Brasil, a previsão de recursos destinados ao financiamento de cts só no âmbito do Programa Cuidado e Acolhimento de Usuários Dependentes de Álcool e Outras Drogas do MDS em 2025, é de R$ 169.408.480,00, conforme registrado no Sistema Integrado de Administração Financeira (SIAFI). O financiamento público às cts é inaceitável porque promove violência como forma de suposto “tratamento”. O Estado deve investir no Sistema Único de Saúde (SUS) laico, público, gratuito, igualitário e universal, bem como do Sistema Único de Assistência Social (SUAS). Esta é mais uma medida de mercantilização e privatização das políticas sociais, já que aprofunda a transferência do fundo público para entes privados. Além disso, o faz financiando instituições de caráter asilar-manicomial, concorrendo com os serviços públicos substitutivos da RAPS, e desrespeitando a Reforma Psiquiátrica e à Luta Antimanicomial.
Assim, podemos atestar que o financiamento público e a regulamentação das cts são uma violação aos Direitos Humanos e uma irresponsabilidade sanitária, administrativa e ética. Ao serem financiadas pelo Estado, a violência das cts passa a ser violência estatal.
Considerando que o Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS) não reconhece as cts como entidades da assistência social e do SUAS, é imperativo que o MDS determine o fim do departamento das cts, e interrompa o financiamento a elas. Reforçamos a necessidade de destinação de mais investimentos aos CRAS, CREAS, Centros POP, entre outros serviços do SUAS, e em políticas de moradia, trabalho e salários dignos, afirmando sua função precípua de proteção social.
Ao fim e ao cabo, as cts não devem ser contempladas por nenhuma política pública ou ente federativo. Assim, exigimos do Ministério da Saúde que: atualize a norma expedida pela Diretoria Colegiada da ANVISA, superando a RDC 29/2011; fiscalize, junto aos órgãos de controle e participação social e demais entidades competentes, as CTs com Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES) e desative os referidos CNES; retire as cts da Portaria 3.088/2011 que institui a RAPS; aumente o orçamento e intensifique as habilitações dos dispositivos substitutivos da RAPS, como as UAs, os CAPS, CAPS AD, leitos e enfermarias em saúde mental nos hospitais gerais, equipes de consultório na rua, Centros de Convivência, Serviços Residenciais Terapêuticos e demais; e implemente um plano nacional de transição antimanicomial, conforme deliberações da V CNSM.
Por fim, vimos aqui conclamar a todas as pessoas, coletivos, entidades, movimento sociais, que defendem uma sociedade sem manicômios que se juntem a nós na construção do DIA DE LUTA CONTRA AS COMUNIDADES TERAPÊUTICAS, em 10 de outubro de 2025. Aproveitaremos a data, tida como o Dia Internacional da Saúde Mental, para denunciar as cts, fazendo dela um dia unificado de luta contra as cts nas redes, na RAPS e nas ruas de todo o país.
Retirar as cts da RAPS e de todas as políticas!
Pelo fim do departamento de cts no MDS!
Pelo fim do financiamento público às cts!
Em defesa da Reforma Psiquiátrica!
Pelo fim das cts!
Por uma sociedade sem manicômios!