O panorama visto do Planalto é o seguinte.
Peça 1 – Campos Neto e o neobolsonarismo
De um lado, há o enorme poder da Faria Lima de influenciar as projeções de inflação e PIB, visando manter a Selic em níveis elevados e, por consequência, impedindo a recuperação da economia. No comando desse boicote, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, agora em franca campanha política.
Pessoa intelectualmente limitada, Campos Neto foi mordido pela mosca azul. Há suspeitas de que almeja não apenas ser um futuro Ministro da Fazenda de um governo bolsonarista, como ele próprio ser o candidato.
Para reduzir a resistência dos filhos de Bolsonaro – que não admitem outro candidato que não o pai – há alguns ensaios de pacto político. Para parte dos liberais-bolsonaristas, a candidatura de Bolsonaro facilitaria a vida de Lula, devido à rejeição ao ex-presidente. O melhor seria outro candidato – um Tarcisio de Freitas, por exemplo. A maneira de demover os filhos seria uma negociação com o Supremo Tribunal Federal que livrasse definitivamente Bolsonaro da cadeia, mas mantendo-o inelegível e abrindo espaço para algum alter ego. É o que explica a tentativa de aproximação de Tarcísio com o Ministro Alexandre de Moraes.
Mas há outros personagens no jogo. Vamos entender por partes.
Peça 2 – os defensores dos cortes
A explosão de Lula, dias atrás, deveu-se a dois personagens específicos, os que mais vêm pressionando pelo corte de gastos.
O primeiro, o das distribuidoras de combustíveis, cuja liderança maior é Rubens Silveira Ometto, do grupo Raizen. A isenção de IPI nos combustíveis, no período Paulo Guedes, custou algo entre R$ 30 e R$ 40 bilhões apenas em 2022. Ocorre que elas continuaram se creditando desse IPI mesmo no período de isenção. Apenas a Raizen se apropriou indevidamente de crédito da IPI da ordem de R$ 8 bilhões.
O segundo grupo é o da mídia, que pressiona por todos os poros para estender a isenção da contribuição para a Previdência Social. Há fundadas suspeitas no governo de que a razão para a Globo ter recuado no caso Marielle – depois de ter noticiado o depoimento do porteiro do Vivendas da Barra – foi a ameaça do governo Bolsonaro de retirar a isenção.
O porteiro afirmou que o motorista do automóvel que foi pegar Ronnie Lessa pediu para falar, primeiro, na casa de Bolsonaro. Internamente, a alegação de Ali Kamel, para interromper as investigações, foi a desculpa de Bolsonaro, de que estava em Brasilia e, portanto, não poderia ter recebido o chamado.
Peça 3 – as armadilhas do mercado
Aqui, entra-se em um jogo mais complexo.
Esta semana, o dólar se acalmou. Fechou em R$ 5,413, depois de ter batido em R$ 5,70 no dia 2 de julho.
Dois fatores contribuíram para essa normalização. O menos relevante foi a mudança do discurso de Lula. O mais relevante foram as férias de Campos Neto, que deixou de insuflar o mercado.
Lula foi convencido depois de alertado que a alta do dólar, agora, impactaria diretamente os preços de alimentos no segundo semestre, movimento que poderia ser fatal para as próximas eleições municipais.
Mas o jogo com o mercado é bem mais complexo.
Há duas taxas básicas no país, a Selic – que é a taxa básica de juros de curto prazo – e as taxas pagas pelo Tesouro, para títulos de prazo mais longo. E que influenciam diretamente os financiamentos de longo prazo.
Hoje em dia, 90% da dívida pública brasileira estão em mãos da Faria Lima. Mais que isso. Existe o mercado à vista e o de derivativos – as apostas que se fazem em torno das cotações futuras dos títulos públicos. Os títulos de longo prazo são adquiridos para alimentar o jogo da especulação.
Por sobre tudo isso, paira a fatídica planilha do Banco Central – um modelo matemático de projeção que nunca acerta, mas que serve para orquestrar o jogo especulativo. A metodologia é denominada de “modelo dinâmico estocástico de equilíbrio geral” (DSGE). Teoricamente, ele permitiria uma visão holística da economia, considerando as interações entre os diversos setores e pretendendo levar em conta fatores aleatórios e incertezas que podem afetar a economia – como choques externos e, principalmente, as expectativas dos agentes.
Mas todas as projeções – de demanda, de oferta, de câmbio e de inflação – dependem das expectativas dos agentes. E todos os agentes são influenciados pelas expectativas do mercado, único com espaço na mídia corporativa.
Vem daí a nova ordem unida do governo, com os principais integrantes – de Lula a Haddad – repetindo o mantra do corte genérico de gastos, exclusivamente para anular as frases terroristas de Campos Neto e os editoriais dos jornais.
O jogo de expectativas permite grandes negócios. E o mercado atua como ratinhos de Pavlov ou bonecos de ventríloquo – mas com os fios sendo manobrados por raposas felpudas.
Peça 4 – como desarmar as bombas
Há três estratégias para desarmar o alçapão do mercado, que estão sendo elaboradas para a era pós-Campos Neto.
A primeira é a diversificação dos tomadores de dívida pública.
Lula poderia se valer da disputa geopolítica mundial e convencer os chineses a aportar recursos para a compra de títulos da dívida pública brasileira. Os fundos soberanos de países da OPEP e os próprios fundos chineses enfrentam taxas negativas de juros.
Emitindo títulos em real, os investidores terão que internalizar recursos, provocando uma apreciação no câmbio – essencial, neste momento, para baratear as importações de maquinário pela indústria. E – importante – levarão esses títulos até o vencimento, em vez de utilizar para especulação, como ocorre hoje em dia com a Faria Lima.
A segunda é ampliar o escopo de análises de cenários, trazendo outras metodologias e reduzindo o poder de influência da Pesquisa Focus.
A terceira é avançar na ideia de uma moeda latino-americano. O caminho seria estender o pagamento por Pix para todos os países do continente. Para operar com Pix, no entanto, teriam que abrir contas em bancos brasileiros. Esse movimento ajudaria a conferir ao Brasil o mesmo papel da Alemanha na União Europeia, e seria um incremento ao comércio – especialmente com a Argentina – cujo maior empecilho é a falta de dólares.
Peça 5 – o projeto de país
Mas nada disso terá resultados duradouros se não se avançar em um projeto de país. O programa da Neoindustrialização não avança. A falta de uma estrutura de gestão faz com que os problemas sejam resolvidos no varejo. As taxas de juros elevadas emperram o mercado de ações e a capitalização de empresas.
O caminho seria a constituição de um Grupo Executivo – conforme indicado várias vezes aqui -, que definisse setores prioritários, medidas de estímulo, regras para entrada de capitais externos. Em outras circunstâncias, o ideal seria a coordenação pelo Ministro Fernando Haddad que, além das qualidades de gestor, tem controle sobre as políticas fiscais e monetárias. Mas, para tanto, Lula teria que arbitrar o conflito entre Haddad e o Ministro-Chefe da Casa Civil, Rui Costa. E Lula não parece disposto a tanto.
Outro caminho seria se valer do Conselhão para a contratação de uma consultoria de peso, que ajudasse na identificação dos setores estratégicos e das principais medidas de estímulo. Depois, o plano seria discutido com associações empresariais, sindicatos, economistas, definindo prioridades, cronogramas e decisões.
Mas essa possibilidade ainda está longe. Lula ainda não se deu conta da relevância de grupos executivos, não apenas para a neoindustrialização, mas para outras políticas públicas. Por enquanto, tem-se um governo com baixo nível de gestão.
De qualquer modo, a proatividade de Lula dos últimos dias já se refletiu nas pesquisas de opinião, com uma melhora sensível nas avaliações positivas sobre seu governo. E há melhora nos fundamentos da economia. Com um pouco mais de gás na gestão, Lula poderá chegar em 2026 com boas possibilidades de se reeleger.