A extrema-direita não é um delírio coletivo. Ela veio para ficar. Conseguiu fazer em uma década o que a ditadura militar não fez em 21 anos: mudou a visão de mundo de milhões de brasileiros, fazendo o autoritarismo chegar ao poder pela via do voto. Conseguiu forjar um sentimento missionário e mobilizador em seus seguidores, que deixou a esquerda na defensiva. A crise é real. Se não houver uma reação à altura o quanto antes, o campo progressista correrá o risco de assistir ao retorno do bolsonarismo em 2026 e, com ele, a instauração de um clico de extrema-direita no poder pelas próximas décadas.

É por colocar essas questões urgentes em pauta que “Pra onde vai a esquerda?”, o novo livro de Guilherme Boulos, foi selecionado pelo GGN para inaugurar um projeto pensado para retribuir todo o carinho e apoio que recebemos dos nossos assinantes nos últimos anos. Criamos, em agosto, o Clube do Livro, que terá dois encontros virtuais: um entre os leitores e a redação; outro, com o próprio autor do livro, que já confirmou que estará conosco. As duas datas serão informadas em breve.

O livro de Boulos é uma leitura rápida e ao mesmo densa e reflexiva. Em 135 páginas, o autor — que além de parlamentar e militante, tem uma sólida formação acadêmica —conseguiu sintetizar:

  1. As mudanças históricas, no Brasil e no mundo, que levaram à ascensão da extrema-direita;
  2. A encruzilhada em que se encontra o governo Lula 3, pressionado pelo “sistema”
  3. As origens da guerra cultura e a estrutura da guerrilha digital que mobilizam a extrema-direita
  4. Os atalhos que a esquerda não deve tomar nesta crise – e quais as alternativas para virar o jogo

Fatos históricos que catapultaram a extrema-direita

O primeiro capítulo, “A ofensiva da extrema-direita”, se concentra nos fatos históricos que mudaram a estrutura da sociedade e impulsionam a ascensão da extrema-direita que, na visão de Boulos, não é apenas um “surto” ou “delírio” da humanidade durante uma fase de crise política e econômica global, mas uma ideologia muito bem arquitetada, com uma forte base social, e que “veio para ficar”. 

Boulos aponta duas grandes transformações estruturais na sociedades durante o século XX que ajudam a explicar a ofensiva da extrema-direita:

1- A “mudança de perfil da classe trabalhadora”: O neoliberalismo fragmentou a classe trabalhadora clássica criada pelo capitalismo industrial, enfraquecendo a consciência de classe, as lutas coletivas, a força dos sindicatos e criando o empreendedorismo individual e a ideia de que, no mercado de trabalho, o “colaborador” compete com seus iguais por melhores posições e salários pagos com base em desempenho e mérito. “Com isso, os cinturões operários, que formavam o poder de massa da esquerda, foram desaparecendo”.

2- O “esvaziamento das democracias liberais”: Com a liberalização da economia, grandes bancos e corporações passaram a concentrar mais capital do que os próprios Estados Nacionais. Com tanto poder, essas instituições passaram a “chantagear” os governos ou a mover o tabuleiro político em prol de seus próprios interesses. Os governos viraram “reféns do poder financeiro”. As pessoas começaram, então, a perceber os privilégios e a questionar para que serve a democracia quando os interesses das grandes corporações se sobrepõem aos interesses do povo. Essa crise de confiança na democracia levou ao sentimento antipolítica que as ruas brasileiras conhecem muito bem.

Na esteira da História, o século XXI também produziu outras três mudanças estruturais que, somadas às duas primeiras, mudaram os rumos da humanidade:

3 – O advento das redes sociais, que aniquilou o monopólio da opinião pública pelos grandes grupos de mídia hegemônicos. Neste campo, a extrema-direita acabou sendo mais “eficiente” em entender o funcionamento dos algoritmos e construiu rapidamente uma legião de seguidores usando as novas ferramentas de comunicação horizontal.

4 – A “eclosão de uma reação conservadora no mundo”, com ressentimento e ataques às pautas e conquistas das chamadas minorias: negros, comunidade LGBT, mulheres, indígenas, imigrantes, etc. Como se esses grupos fossem responsáveis pelas mudanças e pelas crises econômicas domésticas.

5 – O sentimento permanente de insegurança, um medo contagiante que ampliou o apoio da sociedade às propostas populistas e punitivistas da extrema-direita, criando o modelo Bukele de combate à criminalidade, que muitas vezes não considera a complexidade dos problemas e sua relação com a desigualdade social.

No Brasil, essas mudanças na sociedade e fenômenos históricos foram temperados com outros acontecimentos próprios de terras tupiniquins:

  • O crescimento vertiginoso das igrejas evangélicos por meio da Teologia da Prosperidade, que valoriza o sucesso financeiro, o individualismo e o empreendedorismo, dando uma resposta que “o catolicismo não foi capaz de dar aos trabalhadores”. Junto com a Teologia da Prosperidade, os evangélicos cresceram também pregando valores morais e conservadores, fazendo guerra cultural diária e exaltando o conceito heteronormativo de família. Além disso, operam uma máquina assistencialista de viés missionário, ocupando, muitas vezes, o papel do próprio Estado, incapaz de chegar a todos que precisam.
  • O segundo fator é justamente a lógica da antipolítica, que foi catalisada, no Brasil, pela operação Lava Jato, que usou o pretexto do combate à corrupção para desestabilizar governos e abrir caminho para os “outsiders”. Entre eles, figuras como Pablo Marçal, que surfa muito bem nas redes sociais e na onda do empreendedorismo como forma de enriquecimento pessoal.

Segundo Boulos: “O bolsonarismo é o filho, mesmo que bastado, desse casamento do individualismo com a negação da política. Mas tem outras transformações sociais que contribuíram para a ascensão de Bolsonaro e do fascismo mundial.”

A sacada de mestre da extrema-direita 

Ao falar sobre o fascismo no século XXI, Boulos afirma no livro que a ideologia da extrema-direita conseguiu construir uma nova utopia (ou distopia, na real), com forte capacidade de atração de massas. Eles deram a seus seguidores um inimigo em comum a ser abatido, a guerra contra o “sistema” que impede que o mundo seja o que eles gostariam que fosse.

Mas não há nada mais sistêmico do que a própria extrema-direita, que tem a seu lado as elites financeiras e os donos das big techs.

Então, eles fizeram uma “operação ideológica” que, na visão de Boulos, “não deixa de ter sua genialidade”: a extrema-direita mudou o conceito de sistema, deslocando a noção de “poder” da elite econômica para a elite política. “O sistema deixa de ser os ‘bilionários’ e passa a ser as instituições e os defensores da democracia representativa”.

Não é à toa que Bolsonaro repetiu como mantra, durante seu governo, que o Supremo Tribunal Federal não lhe deixava governar. Não foram de graça os ataques às universidades públicas, à Lei Rouanet, à ciência, às autoridades climáticas, aos órgãos de governança internacionais.

A extrema-direita conseguiu com sucesso desenvolver sua própria cartilha e mobilizar setores da sociedade entregando a eles esse sentimento antissistema, missionário, coroado por imagens que remetem a um suposto patriotismo, com uso dos símbolos nacionais e emblemas como “Brasil acima de tudo”. Com isso, estão ganhando da esquerda na mobilização e militância social e na disposição de defender suas ideias para o País.

“Pra onde vai a esquerda?” é um chamado à reflexão e à ação.

Trecho do livro “Pra onde vai a esquerda”, de Guilherme Boulos. O autor convida o campo progressista a refletir sobre a crise da esquerda mundial e traçar estratégias de reação. Foto: Jornal GGN

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Last Update: 13/08/2025