
Brasil em Estado de Alerta: os Riscos de um novo 1964
por Gustavo Tapioca
A nota divulgada pela Embaixada dos Estados Unidos no Brasil, reproduzindo um texto do atual número 2 do Departamento de Estado do governo Trump, Christopher Landau, e alertando aliados do ministro Alexandre de Moraes no Judiciário e “em outras esferas” para não apoiarem ou facilitarem sua conduta, reacendeu fantasmas do passado. O tom duro, combinado com um aceno para a reaproximação com o país, evoca lembranças de momentos dramáticos da história latino-americana, como o golpe de 1964 contra João Goulart, no Brasil, e o golpe de 1973 contra Salvador Allende, no Chile.
Não se trata de mera coincidência. A história da América Latina é marcada por intervenções diretas e indiretas dos Estados Unidos, quase sempre justificadas pela retórica da “defesa da democracia” ou do “combate ao comunismo”, mas que, na prática, visavam assegurar a manutenção de regimes alinhados aos interesses de Washington e impedir avanços soberanos que ameaçassem sua hegemonia na região.
A Interferência Histórica dos EUA no Brasil
No caso brasileiro, o golpe de 1964 foi um exemplo cristalino dessa lógica. Documentos oficiais revelam o envolvimento ativo da CIA e do governo norte-americano na preparação e execução da derrubada de João Goulart. Navios da Marinha dos EUA chegaram a ser deslocados para a costa brasileira na chamada Operação Brother Sam, prontos para oferecer apoio logístico e armamento às forças golpistas. O resultado foi a instauração de uma ditadura militar que durou 21 anos, marcada por censura, perseguições, torturas e assassinatos de opositores.
O paralelo com o presente, embora em outro contexto, é inevitável. Uma potência estrangeira volta a emitir sinais de pressão sobre decisões internas brasileiras, especialmente no campo judicial e político. Em um momento em que o Brasil busca fortalecer sua posição no cenário internacional, tais gestos precisam ser compreendidos como parte de uma disputa maior.

Geopolítica e a Nova Guerra Fria do Século XXI
O pano de fundo é claro. O Brasil vem se aproximando cada vez mais da China e de outros países do BRICS, o que atemoriza os EUA. Essa aproximação não é apenas diplomática, mas estratégica e econômica. A China já é o maior parceiro comercial do Brasil, investindo pesadamente em infraestrutura, energia, tecnologia e logística. Projetos de ferrovia ligando o Atlântico ao Pacífico, parcerias no setor de energia renovável e investimentos em portos e estradas mostram um alinhamento com o Brasil que incomoda profundamente Washington.
O Brasil possui recursos estratégicos que, no cenário da “nova Guerra Fria” entre EUA e China, ganham importância central: petróleo em abundância no pré-sal, potencial imenso de energia renovável (solar, eólica, hidrelétrica), reservas gigantescas de minério de ferro, nióbio e terras raras, insumos essenciais para a indústria de alta tecnologia, de baterias a equipamentos militares. Quem controla esses recursos, controla parte vital da economia global do futuro.
A Lição e o Alerta
A história ensina que gestos diplomáticos carregam significados estratégicos. Ignorá-los pode custar caro. O Brasil pagou um preço altíssimo ao permitir que 1964 se consolidasse como um “golpe preventivo” contra um suposto comunismo, quando, na verdade, foi uma intervenção para manter a dependência econômica e política do país.
Em 2025, com o país novamente no centro de disputas geopolíticas — seja pela liderança no Sul Global, pelo protagonismo no BRICS ou pelo controle de recursos estratégicos —, qualquer sinal de ingerência externa precisa ser lido com olhos atentos. O que começa com um comunicado pode, se não houver resistência, abrir caminho para uma nova ofensiva contra a democracia brasileira.
O “Golpe Continuado” e o Alerta de Lindbergh
O deputado Lindbergh Farias (PT-RJ) descreveu o momento atual como uma “tentativa de golpe continuado”, na qual a extrema-direita brasileira atua de forma articulada com interesses estrangeiros para enfraquecer a soberania nacional. Entre os fatos que embasam essa avaliação estão: as ações golpistas de 8 de janeiro de 2023; a tentativa de anistiar Jair Bolsonaro e outros envolvidos; a pressão contra ministros do STF e do TSE; e a promoção sistemática de narrativas de deslegitimação do processo eleitoral brasileiro, muitas vezes replicando discursos importados de movimentos extremistas nos EUA.
Para Lindbergh, não se trata de um golpe pontual, mas de um processo persistente, que busca desgastar instituições, enfraquecer lideranças democráticas e criar um ambiente de instabilidade favorável a mudanças autoritárias. “É hora de o povo brasileiro ficar em estado de alerta”, advertiu o parlamentar.
Principais fatos mencionados por Lindbergh
1. Atuação internacional de Eduardo Bolsonaro para pressionar o STF
Lindbergh denunciou o que chamou de “campanha sórdida” liderada por Eduardo Bolsonaro nos Estados Unidos, onde o deputado teria articulado pressões contra o Supremo Tribunal Federal (STF) com o objetivo de interferir nos processos que envolvem Jair Bolsonaro. Ele classifica essa ação como parte de uma “guerra híbrida”, com uso de diplomacia, sanções, desinformação e pressão econômica — tudo sem recorrer à força militar direta.
2. Denúncia à Polícia Federal de uma estrutura golpista
Em petição à PF, Lindbergh apontou uma “estrutura estável e funcionalmente dividida” atuando desde os EUA para sabotar o STF, envolvendo figuras como Eduardo Bolsonaro, Paulo Figueiredo Filho, Filipe Barros e o próprio Jair Bolsonaro. Segundo ele, o objetivo é atuar sobre processos em curso para blindar Bolsonaro de responsabilizações, inclusive pelas ações de 8 de janeiro de 2023.
3. Relação entre anistia e golpe de 8 de janeiro
Lindbergh classificou o projeto de lei da anistia a golpistas como uma continuação do golpe de 8 de janeiro, apontando que não seria uma tentativa de pacificação, mas uma estratégia para dar impunidade aos responsáveis por ataques ao STF e ao Estado democrático.
4. Pressão legislativa com ameaças e chantagens
Ele afirmou que Eduardo Bolsonaro teria ameaçado líderes do Congresso com sanções internacionais caso não avançassem pautas favoráveis à sua agenda, como a anistia. Isso, para Lindbergh, marca uma nova fase de “golpismo” — com a tentativa de subordinar do Legislativo a interesses estrangeiros.
5. Opera como “quinta-coluna” e traição à soberania
Em ação ao STF, Lindbergh classificou Jair, Flávio e Eduardo Bolsonaro como “quinta-colunas” que agem a serviço de interesses externos. Ele os acusa de subordinar o Brasil a uma agenda internacional de extrema-direita, usando chantagem e obstrução judicial para proteger redes golpistas e evitar responsabilização pelos ataques de 2023
Resistência e Soberania
Se há uma lição que 1964 deixou, é que a soberania não se preserva sozinha. Ela exige vigilância permanente e ação coordenada. Hoje, a defesa do Brasil não se limita ao território físico, mas passa também pela proteção de suas instituições, de seus recursos estratégicos e de sua capacidade de decidir livremente seu destino no cenário internacional.
Os sinais estão dados. A história já mostrou onde esse caminho pode levar. Cabe ao povo, às lideranças políticas e às instituições decidirem se o Brasil repetirá os erros do passado ou se afirmará, de forma definitiva, como uma nação soberana, democrática e protagonista no mundo multipolar que está se desenhando.
Gustavo Tapioca é jornalista formado pela UFBa e MA pela Universidade de Wisconsin. Ex-diretor de Redação do Jornal da Bahia. Assessor de Comunicação da Telebrás, Oficial de Comunicação do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e do IICA/OEA. Autor de Meninos do Rio Vermelho, publicado pela Fundação Jorge Amado.
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