
Sentado no cofrinho do dólar, Trump teme a riqueza real
por Armando Coelho Neto (*)
“Se você deve um milhão de libras está em apuros. Se você deve um bilhão de libras a um banco, é ele que está em apuros”. A fala é do economista britânico John Keynes, citada por seu consorte americano, Michael Hudson, da Universidade do Missouri do Kansas. Contexto: “ações intuitivas”, frases desconexas de Donald Trump. Seria método, descuidos imediatistas ou choque de realidade?
Apelando para o choque de realidade, Hudson diz que os EUA deixaram de ser um país credor para ser um país devedor. E o pior, entre bloqueios de reservas estrangeiras (como da Rússia e Venezuela), China e Índia e países árabes estão descrentes do dólar. Taxa aqui, ameaça e coage ali, que tipo de coelho Trump vai tirar da cartola? E o bolso do estadunidense? O que pode estar por trás disso tudo?
Uma das dimensões necessárias desse tipo de postura que o Trump está adotando, ao menos assim soa, é a possível geração de uma corrupção desenfreada. Tema, aliás, que não se comenta no Brasil, nem se sabe se em alguma esfera, é comentado na decadente Europa. E, se o fazem, não se sabe se com a ênfase devida e necessária. A vassalagem da Europa aos EUA justifica a desconfiança.
Como dito no texto passado, Trump imitou o Imperador Bokassa I, apenas trocou a coroa de oito quilos de ouro por oito bilionários. Elon Musk é um deles, o qual tem hoje negócios diretos com a sede do governo, sem intermediários. Sem imposição de taxas (não como uma política consistente de governo), mas para favorecer diretamente as grandes empresas norte-americanas é bom negócio.

De outro giro, tem-se a China com outra organização social e política, que cresceu por indução estatal (como também outros países capitalistas, o Japão) mas que, em contrapartida, também se organiza socialmente, com selo do Estado. Enquanto isso, o império falido (EUA), não mudou, estruturalmente, sua organização, sua lógica de funcionamento interno, favorecendo desse modo os gângsteres ianques.
Nessa linha, os ganhos de capital associados a máfia simbiótica político-governamental-empresarial que está sendo criada nos EUA não serão reinvestidos no aumento da capacidade produtiva ou em aumento da renda do trabalhador. Ao contrário, serão, simplesmente, apropriados individualmente, retroalimentando as fortunas já existentes e ou gerando novas grandes fortunas. Bem-vindos!
Cúmplices da falência do império, resta aos Musks da vida a locupletação. Assim, não há um ganho geral dos EUA a médio ou longo prazo, mas sim um aumento da arrecadação via tarifas. Não só, some-se o empobrecimento geral do povo americano, um empobrecimento que é visível e que não é mitigado por políticas sociais, sem perspectivas de mudanças a altura da história da sociedade americana.
Na contramão do aumento da competitividade real, está se criando um clientelismo que não afeta a lógica rentista, só está aumentando ou prolongando artificialmente os ganhos de uma indústria perdedora, perdulária, ineficiente. E gerando uma simbiose de interesses entre funcionários governamentais e empresários que, fatalmente, irá corroer o funcionamento da máquina pública. Corrupção é a palavra.
Das brigas por um barco entre Donald Trump e Adnan Khashoggi (o mais rico traficante de armas do mundo) às negociatas no envio de verbas e armas para o Iraque, Afeganistão e mais recentemente à Ucrânia, os anais da corrupção estadunidense estão fartos. A lista é longa e envolve droga, prostituição, pedofilia… O que já ocorria no setor industrial-militar resvala noutras indústrias e a economia.
O mundo está de olho no perfil que se delineia. Basta observar a escolha dos setores favorecidos, sem aparente racionalidade. Não tem votação no Congresso Nacional, não é decidido por algum comitê técnico ou mesmo político. Decorrem de atos individuais do governo, relacionamentos pessoais. A roubalheiras nas bolsas às vésperas dos anúncios da aplicação de tarifas ampliam esse nebuloso espectro.
No melhor estilo Bokassa I, sem exigência clara governamental para ser favorecido, ou de contrapartida, sem lei, sinais claros de gerar ou manter empregos, produtividade, pesquisa… Paira no ar indicadores de criminalidade econômica sem precedentes na História. Preso ao capital especulativo e sentado no cofrinho do dólar, Trump teme a riqueza real (China), afogado no fracasso do neoliberalismo.
*Com colaborador
Armando Rodrigues Coelho Neto é jornalista, delegado aposentado da Polícia Federal e ex-representante da Interpol em São Paulo
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