Escritas por volta do ano 397, Confissões é a obra mais conhecida de Santo Agostinho — e talvez uma das mais influentes de toda a literatura cristã. Parte autobiografia, parte tratado teológico, parte oração, o livro é um diálogo permanente entre Agostinho e Deus, no qual o autor refaz sua vida desde a infância até sua conversão ao cristianismo.

O que impressiona é como, mesmo com mais de 1.500 anos, a obra não soa como manual de autoajuda nem como pregação vazia. Ao contrário: Agostinho escreve com honestidade sobre suas dúvidas, desejos, erros e descobertas, sem medo de se mostrar vulnerável. Ele não fala como quem já nasceu santo, mas como quem foi moldado pelo tempo, pela filosofia e pelos próprios tropeços.

Ler Confissões é acompanhar um ser humano real em busca de sentido — e não um personagem idealizado. É um livro que se mantém atual justamente por não fugir das contradições da fé.

Entre a filosofia e a oração

Agostinho não era apenas um líder religioso; era um intelectual formado no pensamento clássico, leitor de Cícero, Platão e outros mestres. Em Confissões, isso se revela no modo como ele estrutura suas reflexões: há lógica, há argumentação, há ritmo. Mas tudo isso é atravessado pela forma de oração — o texto inteiro é dirigido a Deus, como se o leitor fosse um terceiro presente na conversa.

Essa mistura cria um efeito raro: um livro profundamente espiritual, mas que pode ser lido também como filosofia, como literatura e como testemunho histórico. Agostinho reflete sobre o tempo, a memória, a liberdade, o prazer, a amizade e a morte. E faz isso sem separar vida e pensamento: sua teoria é o resultado direto de sua experiência.

Não há fórmulas prontas, nem promessas simplistas. Há um convite a pensar, e a pensar junto. Mesmo quando discorda dele, o leitor é levado a refletir sobre a própria vida — e essa é uma qualidade que livros religiosos mais recentes, presos à lógica de “passos para alcançar tal coisa”, frequentemente perdem.

Fé sem embalagem, espiritualidade sem açúcar

Em um mundo onde boa parte da produção religiosa popular se aproxima do formato da autoajuda — oferecendo respostas rápidas, frases de efeito e soluções milagrosas —, Confissões soa radicalmente diferente. É um texto que não esconde a dificuldade de crer, nem a luta interior que a fé exige.

Agostinho narra sem disfarces sua juventude marcada por excessos, ambição e busca de prazer. Não por exibicionismo, mas para mostrar que a conversão não apaga a história anterior: ela a transforma. Sua fé não surge como fuga dos problemas, mas como reencontro com algo que ele já intuía desde sempre.

Essa abordagem é educativa porque não infantiliza o leitor. Ao mesmo tempo, é agradável porque não se apresenta como sermão ou acusação: Agostinho fala consigo mesmo e com Deus, e nós, leitores, somos convidados a ouvir — e, se quisermos, a responder.

Vale a pena ler Confissões hoje?

Sim, e muito. Confissões é um clássico que atravessa séculos não por obrigação cultural, mas porque toca questões que continuam centrais: quem somos, o que buscamos, por que lembramos, como mudamos. É um livro que exige atenção, mas recompensa com beleza, honestidade e profundidade.

Ler Agostinho é lembrar que a fé pode ser um debate sério, e não apenas uma fórmula de conforto. E que um diálogo com Deus, mesmo escrito há mais de milênios, ainda pode soar íntimo, atual e vivo.

Confissões não é apenas história da filosofia ou da teologia: é também uma das mais belas autobiografias já escritas. Um lembrete de que, às vezes, o que mais precisamos não é de respostas prontas — mas de uma boa pergunta feita no momento certo.

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Last Update: 13/08/2025