A esquerda francesa, que se sentiu “cega de revolta” com o neoliberalismo, errou ao votar na ultradireita, levando a “estragos fatais”. A jornalista Denise Assis, em artigo publicado no Brasil 247, destaca que o “tremendo desencanto” com o neoliberalismo levou os trabalhadores a errarem “da esquerda para a ultradireita”.

A própria Assis reconhece um problema percebido pelos trabalhadores que a assusta, ao lembrar que, na França, “muitos declaravam que votariam num ou noutro (esquerda ou ultradireita), abandonando de vez os partidos que em sua maioria carregam em sua sigla a classificação de ‘socialistas’, mas na verdade agem para retirar-lhes direitos”.

François Hollande, por exemplo, fez um governo neoliberal que antecipou a do próprio mandatário brasileiro em seus piores pontos. No plano interno, um duro programa neoliberal, com isenções para as empresas e uma reforma trabalhista marcaram os cinco anos de Hollande no Palácio do Eliseu. No exterior, nada menos que sete países africanos e dois países árabes foram invadidos pelo imperialismo francês.

Atenuar os crimes cometidos pelo PS francês dizendo que ele “retirou-lhes direitos” é quase uma cumplicidade. Os ditos socialistas franceses atacaram duramente a população e mandaram jovens soldados à morte nas inúmeras guerras que só interessam aos monopólios.

O texto prossegue com uma análise superficial do resultado eleitoral francês, com a autora dizendo que “nem Marine Le Pen, tampouco Emmanuel Macron” são o que resultou da conclusão das eleições.

“A esquerda jogou toda a sua força, fruto dessa insatisfação com o ‘mais ou menos’ – muito mais para menos do que para mais -, do ponto de vista das pautas sociais, de Macron. Equivocado, ele partiu para uma manobra radical, a de chamar eleições ainda a três anos do fim do seu mandato (2027).”

Numa tentativa de recuperar a própria imagem e preservar algum restinho de prestígio, fez acordo com Jean Luc Mélenchon, da França Insubmissa ou, como preferem alguns, da ‘esquerda radical.’”

Chama atenção o fato de Assis perceber a armadilha orquestrada por Macron, que como ela reconhece, buscou Mélenchon, líder do partido França Insubmissa (FI), mas demonstra uma incapacidade incrível de ver isso como parte do que a autora chama de “equivocada manobra radical”. Se há algo certo, observado o desfecho, é que não houve um “equívoco”, mas uma jogada arriscada que deu certo para o Eliseu.

Do impressionante desempenho da extrema direita francesa nas eleições para o Parlamento europeu, seguiu-se um primeiro turno avassalador. Mobilizando a esquerda, o imperialismo francês deu a volta por cima e ainda manteve o FI amarrado a uma coalizão direitista, a Nova Frente Popular, fazendo com que o PS e os igualmente pró-imperialistas do partido Europa Ecologia – Os Verdes capitalizassem também a tendência dos votos à esquerda.

“Paris fez a opção pela esquerda, mesmo sabendo que ao lado da Nova Frente Popular caminhou o macronismo, sem nenhuma garantia de que cumpriria – como agora dá mostras de que resiste ao resultado das urnas -, os compromissos assumidos.”

Levou adiante o apalavrado, até a página dois. Sim, é certo que retirou candidaturas, tal como os seguidores de Mélenchon, onde havia perigo de o vencedor – em caso de três correntes postulantes ao parlamento -, ser da ultradireita. A estratégia funcionou e a França conseguiu barrar a assunção do fascismo. Flagrantemente derrotado, Macron regateia entregar o poder para a esquerda, apesar de pela regra do jogo, devesse fazê-lo.”

Ora, a opção da França pela esquerda genuína é antiga, tanto que desde sua primeira vitória eleitoral, em 2017, o insosso banqueiro elege-se não sob a base da popularidade do programa neoliberal, mas pelo golpe do “barrar o fascismo”. Chama atenção ver como Assis simplesmente esquece todo o histórico da era Macron para dizer que “a estratégia [abdicar da disputa em favor do melhor colocado nos distritos eleitorais onde houvesse um candidato da extrema direita] funcionou” e que o presidente fora “flagrantemente derrotado”.

Em primeiro lugar, a esquerda anular-se eleitoralmente, e colocar o enfrentamento ao Reagrupamento Nacional (RN, o principal partido da extrema direita francesa) é um golpe que vem sendo aplicado pelo imperialismo desde 2002, com a eleição de Jacques Chirac. O que um estrategista mais atento observaria é que a manobra vem perdendo força paulatinamente.

O fato de ter dado certo nas duas eleições de Macron e na queda de braço recente com Le Pen mostrou um Macron hábil em manipular a esquerda que o odeia, evidenciando que o presidente francês está tudo menos “flagrantemente derrotado” e não importa o que diga a suposta “regra do jogo”. Se a esquerda francesa capitula e cai nos golpes do Eliseu, o que ela demonstra, acima de qualquer coisa, é fraqueza, razão do tratamento dado por Macron ao FI.

A mais importante lição a ser feita é a que Assis expressa de maneira inconsequente ao dizer que “só o enfrentamento pela esquerda iria produzir um governo que desse conta do cenário atual e da ameaça da ultradireita”. O que ela destaca como vitória, a submissão e a nova derrota da esquerda ao macronismo, mostra uma concepção muito limitada do que seria o “enfrentamento pela esquerda”, que, aqui, deveria se traduzir em uma ação do FI independente, sem nenhum compromisso com o Eliseu, com nenhum setor da burguesia, seja a ala pró-Le Pen, seja a que apoia Macron.

Sem uma esquerda independente da burguesia, o “enfrentamento” enaltecido não será outra coisa além de mecanismo para a manobra dos setores mais poderosos da direita. E golpes. “Aqui, na Inglaterra, na França” e em todo o planeta.

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Última Atualização: 11/07/2024