No artigo Vitória da esquerda na França expressa o colapso do neoliberalismo (Brasil 247, 7/7/2024), o jornalista César Fonseca celebra o que chamou de “vitória da esquerda francesa”, o que segundo o artigo, “tem repercussão internacional em todo o sistema econômico capitalista”, levando Fonseca a profetizar que “a nova força política na França, que ensaia robustecimento da Social Democracia”, terá o pendor de “se distanciar do neoliberalismo e do fascismo, que cultivam fanatismo e obscurecimento da crítica, para promover narrativas políticas diversionistas e mentirosas, impulsionando ideologia de ódio”, concluindo por fim: “tremenda derrota do bolsonarismo e do mileinismo, que ensaiam aliança no Brasil para fincar regressão política na América Latina”. Nada mais distante da realidade.

Fonseca demonstra muita torcida, mas pouca profundidade no aspecto social de sua análise política para tratar das questões relativas à França, ao Brasil e à Argentina, revelando um problema metodológico comum à esquerda pequeno-burguesa, em geral, incapaz de analisar os movimentos políticos a partir de suas estruturas sociais. São as classes e suas disputas o ponto de partida, o que deveria ser analisado em primeiro lugar. E, aqui, essa ferramenta intelectual demonstra de maneira cristalina porque os verdadeiros vencedores do golpe bem-sucedido na França, justamente quem Fonseca julga ter sido derrotado, são os banqueiros.

Em primeiro lugar, é preciso a clareza de que o bolsonarismo, o mileinismo e o macronismo não são fenômenos soltos, dependentes da vontade individual, seja de Bolsonaro, Milei ou mesmo um sócio dos Rothschild como Macron. São, acima de tudo, fenômenos maiores do que meros indivíduos e mesmo grupos de indivíduos, mas expressões de todo um segmento da sociedade com posições definidas nas relações de produção e, por isso mesmo, interesses definidos. Essa compreensão é fundamental para entendermos que os três supracitados, não sendo representantes dos interesses da classe trabalhadora que tanto atacam, só podem ser representantes da classe dominante, que em nossa era, são os monopólios internacionais, o imperialismo.

Jair Bolsonaro acaba sendo um ponto fora da curva por representar a contradição no interior da classe dominante, entre uma burguesia brasileira que esfola os trabalhadores para compensar a queda nas taxas de lucro e se manter no jogo, enquanto luta para não ser engolida pelos monopólios internacionais. Nesse sentido, é um fenômeno mais próximo de Trump (outro representante dos setores menores da burguesia norte-americana) do que Milei ou Macron.

Os dois últimos, por outro lado, são acabadamente representantes do imperialismo, tal como tivemos no passado criminosos do quilate de Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e Michel Temer (MDB). Pouco importa o figurino francês de FHC ou as diversas excentricidades de Milei. É o programa político que aplicam que os caracteriza como articuladores políticos do imperialismo, no caso dos três, governos marcados por um choque neoliberal devastador na economia, ataques contundentes aos direitos dos trabalhadores e duríssima repressão ao povo, sob aplausos dos principais órgãos de imprensa de seus respectivos países e do mundo.

Macron, por exemplo, manteve os ataques à classe trabalhadora francesa iniciados no governo Hollande, ocasionando diversas explosões sociais, sendo a dos condutores de aplicativos (os “coletes amarelos”) a mais famosa delas. As ameaças contra a Previdência francesa foram outra fonte de grandes manifestações, greves e enfrentamentos com a polícia francesa.

Por fim, a política extremamente repressiva do presidente durante a pandemia e, agora, contra o apoio ao povo palestino e em defesa do genocídio realizado pelo sionismo na Faixa de Gaza, mostram que ele é tudo menos um representante dos interesses populares e progressistas. Macron se elegeu e reelegeu com golpes como o do último dia 7, apostando na desorientação da esquerda e no pânico com um eventual retorno de um governo de extrema direita no país, o que não acontece desde a invasão nazista, na Segunda Guerra Mundial.

Como se observa pelo seu histórico, o banqueiro não tem nenhum problema em se eleger com apoio fundamental da esquerda e atacar a classe trabalhadora com a máxima virulência, porque a classe social a quem serve não apenas quer, como depende do programa macronista. Da mesma forma, foi o imperialismo que articulou a desmoralização do peronismo e impulsionou Milei ao poder na Argentina. Assim como no passado, ante a perspectiva de ter um petista de volta à Presidência da República, considerou Bolsonaro “uma escolha difícil”, mas, finalmente, uma escolha.

Essa classe social, a burguesia imperialista, ligada aos monopólios internacionais, foi quem conseguiu dar uma sobrevida ao governo Macron, afastar a ameaça representada pelo RN, que tal como Bolsonaro e Trump, fortalece a cisão no interior da burguesia francesa, acentuando a crise entre os setores que perdem com as aventuras do imperialismo e este segundo grupo. A grande preocupação em impedir Le Pen era afastar o perigo representado pela extrema direita para a estabilidade desejada pelo imperialismo, o que não tem absolutamente nada a ver com respeito aos direitos democráticos do povo, como mostra a repressão aos movimentos pró-Palestina, que continuarão e, provavelmente, ainda mais selvagens.

“Trata-se, portanto, de cenário político catastrófico que teve resposta do eleitorado francês neste domingo”, escreveu Fonseca, acrescentando que o resultado fora um “grande baque do neoliberalismo financeiro especulativo”. Pelo contrário. Observando pelo fundamento social da luta em questão, foi uma vitória do neoliberalismo, por meio de golpes, é verdade, mas uma vitória de qualquer forma, que longe de tornar o mundo mais democrático, o torna mais perigoso para os trabalhadores.

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Última Atualização: 11/07/2024