No artigo A democracia e a moderação não salvaram a França hoje; mas há um amanhã, o economista João Pedro da Silva faz uma crítica à defesa do imperialismo, o verdadeiro vencedor das eleições parlamentares francesas encerradas no último dia 7, apresentado, em sua coluna, como o setor da “moderação”, mostrando, também, a loucura cometida pela esquerda ao comemorar o resultado do pleito francês. Diz Silva:
“Apesar disso [o resultado das eleições], não parece que o discurso nacionalista, anti-imigração e anti-integração global (ou, no caso da UE, continental) vá desaparecer. Ele segue forte e, se seus adversários não conseguirem entregar resultados e narrativas mais persuasivas, crescente. Marine Le Pen declarou que sua vitória foi ‘apenas postergada’. Está nas mãos de Macron e da coalizão entre esquerda e centro enterrar ou cumprir essa profecia.”
Aqui, a primeira contradição que precisaria ser explicada: como a aliança entre o centro e os setores mais direitistas da esquerda podem impedir a “profecia de Le Pen”? Especialmente quando o autor (e o imperialismo) esperam dessa aliança que ela faça o que sempre fez nas últimas décadas, e que longe de derrotar a extrema direita, só a fortaleceram.
Claro que se tratam de questionamentos retóricos. A contradição é simplesmente varrida para baixo do tapete por implicar diretamente os “moderados” que Silva defende. Finalmente, é a política dos governos centristas, de Chirac a Macron, passando pelo “socialista” François Hollande. O principal fator responsável por toda a crise leva a extrema direita francesa a teimar em não “desaparecer” e ter “narrativas mais persuasivas”.
Líder do Reagrupamento Nacional (RN, o partido de extrema direita mais forte da França), Marine Le Pen é também consciente do fenômeno, razão pela qual reagiu dizendo, como lembra Silva, que a ascensão do RN fora “apenas postergada”.
Um dos mais famosos aforismos do físico Albert Einstein se aplica perfeitamente bem ao caso: a loucura consiste em fazer sempre as mesmas coisas, mas esperar um resultado diferente. É exatamente, no entanto, o que defende Silva, como demonstra o trecho a seguir:
“A realidade das regras fiscais da UE e dos movimentos do mercado deve proteger o país do terraplanismo econômico de um Mélenchon, líder do França Insubmissa, partido mais radical da NFP”. O duríssimo programa de cortes e arrocho salarial por meio da imigração (estimulada pela mão esquerda e duramente atacada pela mão direita do imperialismo) seria a “moderação”.
Ocorre que esta política, muito longe de apaziguar as tensões, as leva à beira da explosão. Contribui enormemente para isso a política repressiva, o identitarismo e toda a ofensiva contra os direitos democráticos pelo centro, como as sentidas pelos grupos franceses que defendem a Palestina e que tem enfrentado uma repressão digna das piores ditaduras latino-americanas.
São as duras condições de vida enfrentadas pelo povo francês e resultantes da primazia do interesse imperialista, o combustível fundamental que alimenta o estado de instabilidade permanente que vive a França e o mundo. De maneira um tanto velada, Silva reconhece o fenômeno e equipara os acontecimentos do país com o vizinho Reino Unido e, claro, o Brasil.
“Analisando essa vitória de esquerdistas e centristas, dois elementos saltam aos olhos. O primeiro é a importância das regras eleitorais. A eleição em dois turnos incentiva a moderação e a formação de alianças. Vimos isso no Brasil em 2022: Lula ganhou por um fio, graças à aliança com Simone Tebet e com a pequena parcela de eleitores liberais da ‘terceira via’.”
O primeiro ponto a ser destacado é que o segundo turno, onde quer que exista, é uma pressão para as pessoas votarem em quem elas não votariam. É um golpe dedicado, sobretudo, a fazer exatamente o que destaca Silva, ainda que sob termos simpáticos como “regras eleitorais”, mas que, “incentiva a moderação e a formação de alianças”, o que concretamente significa manipular as eleições, algo que ficou muito claro no caso francês.
Fossem as eleições em um turno só, a extrema direita teria a maioria da Assembleia Nacional, o que embora detestável, seria o desfecho democrático. Com o advento do segundo turno, o imperialismo teve tempo para rearticular todo um esquema dedicado a fraudar a expressão da opinião majoritária francesa e impedir o RN de assumir, pelo menos por enquanto.
Ainda, torna-se claro para os brasileiros a razão da direita enaltecer o desfecho das eleições francesas. Porque uma esquerda submissa não ameaça a dita “moderação”, que nada mais é do que a estabilidade do chicote neoliberal.
Para a direita brasileira, o exemplo francês é vital pelo que ele produziu de concreto e não pela interpretação dada por este ou aquele esquerdista. Silva, nesse sentido, presta um grande serviço ao campo ao reforçar que a verdadeira vitória observada no país europeu foi a do golpe. Mais ainda, é exatamente o que desejam ver acontecer no Brasil, uma esquerda popular, submetida à pressão do imperialismo por ilustres desconhecidos, como a inexpressiva parlamentar representante dos latifundiários do Mato Grosso do Sul.
A esquerda brasileira, por sua vez, demonstra grande disposição para cair no golpe cada vez que comemora a manobra que derrotou o França Insubmissa. O partido mais popular da esquerda na França já serviu a seu propósito e começa a receber um tratamento de “corno” por parte dos centristas. Aqui, seu líder, Jean-Luc Mélenchon, é chamado de “terraplanista” pelo mesmo setor social que, há menos de cinco dias, demandava o apoio da agremiação ao mesmo tempo em que aterrorizava o povo francês com o fantasma do fascismo de Le Pen.
Uma vez, no entanto, que a situação crítica for tranquilizada, seja na França, seja no Brasil, pouco importa, a vitória está assegurada e a tarefa de manter o trator do governo contra o povo pode ser retomada com relativa facilidade: “um parlamento fragmentado que ao menos depende dos centristas é melhor para o presidente do que um no qual direita ou esquerda pudessem governar sozinhas”.
As manobras comemoradas como grande expressão da inteligência política tornam-se cada vez mais problemáticas e logo se tornarão irrealizáveis. Infelizmente para a esquerda, quando isso acontecer, a desmoralização dos “moderados” terá contaminado o campo, que sem uma organização que se oriente pela independência da classe trabalhadora, será tragada para a crise do centro, falecendo com ele.
A única força capaz de derrotar efetivamente a extrema direita e o fascismo são os trabalhadores. Sem sua organização independente, sempre haverá um “amanhã” para o fascismo.