Assunto veio à tona após youtuber denunciar a exploração e sexualização de crianças e adolescentes na internet
O vídeo do youtuber Felipe Bressanim Pereira, de 27 anos, conhecido como Felca, que denuncia a exploração e a adultização precoce de crianças e adolescentes na internet, motivou um debate sobre os perigos e a exploração infantil em plataformas digitais. Publicado na última quarta-feira (6), o conteúdo já alcançou mais de 170 milhões de visualizações no Instagram e 30 milhões no YouTube.
Biana Fernandes, pesquisadora do Laboratório Etnográfico de Estudos Tecnológicos e Digitais (Letec), ligado ao Departamento de Antropologia da Universidade de São Paulo (USP), explica ao BdF Entrevista, da Rádio Brasil de Fato, que “as plataformas de massa moldam as nossas conversas, o nosso acesso à informação e até as nossas relações pessoais” e “essas decisões políticas, econômicas e técnicas tomadas por empresas” tornam fácil o acesso a redes de pedofilia, como denunciado no vídeo de Felca.
Ela alerta que “parar no alerta aos pais é olhar para a superfície do problema” e que “as redes amplificam esse conteúdo e os tornam rentáveis”. Segundo Biana, “os algoritmos das big techs não estão aí para garantir que a internet seja um espaço saudável; eles foram criados para nos manter o maior tempo possível na plataforma, porque isso é muito lucrativo”. Assim, “não importa se o conteúdo é violento, explorador, mentiroso, o que importa é se ele prende a nossa atenção”, conclui.
Redes sociais operam sob “lógica fascista”
A pesquisadora destaca que a “moderação é reativa e lenta” porque “as empresas priorizam aumentar lucro e não promover um ambiente social saudável”, ainda que tenham capacidade técnica para agir rápido. Ela explica que “a combinação entre o alcance global das plataformas e a automação algorítmica cria um efeito de amplificação sem precedentes na história da comunicação”.
Ela ressalta que “qualquer tipo de atenção é monetizada: um conteúdo de ódio é igual a um conteúdo que você acha lindo, para a plataforma é a mesma coisa”. E lembra que “90% de todas as interações de um post ocorrem nas primeiras 30 horas”, e que “a escolha estrutural de colocar o lucro acima da prevenção de danos reforça esses efeitos nocivos”.
No geral, Biana afirma que o funcionamento das big techs é baseado na “ideologia que faz você preferir o lucro ao invés de manutenção de direitos e promoção de justiça social, é uma lógica fascista”. Para ela, “essas empresas não devem ser pautadas com leis de regulação que garantam livre disputa de mercado, porque eles penetram em várias áreas da nossa vida de maneira muito profunda”.
Trabalho infantil e riscos psicológicos
Já a jornalista e criadora de conteúdo Nathália Braga, também em conversa no BdF Entrevista, relaciona o fenômeno com o trabalho infantil digital, destacando que “os influenciadores mirins acabaram se tornando um canal onde a publicidade infantil irregular, obviamente, acontece” e que “as crianças que estão na audiência ocupam um papel muito interessante para as empresas de tecnologia, porque são uma das audiências mais reais possíveis”.
Sobre os riscos psicológicos, ela aponta que “essas crianças se tornam figuras públicas, elas já são vistas de forma diferenciada pelas pessoas ao redor […] acabam se tornando memes, vítimas de bullying, vítimas de hipersexualização tendo a sua imagem distorcida, atreladas a assuntos e questões visuais que fazem parte do universo adulto”.
Braga indica também que há “um conflito de interesse quando os pais, que deveriam proteger, são também os gestores e beneficiários da exposição das crianças”, além da dificuldade de “apagar tudo da internet” mesmo com ferramentas judiciais.
A escolha do termo “adultização”
Para a comunicadora, a escolha do termo “adultização” foi feita para ampliar o debate. “Quem digitar o termo adultização no Google, ou em qualquer plataforma de pesquisa, vai encontrar artigos, experimentos, todo um arcabouço acadêmico. Então foi uma boa decisão”, avalia.
Além disso, ela acredita que o uso da palavra foi estratégico para evitar limitações impostas por algoritmos em plataformas, o que poderia restringir o alcance do vídeo caso usasse “pedofilia” como título.
Publicado originalmente pelo Brasil de Fato em 12/08/2025
Por Adele Robichez e Luana Ibelli
Edição: Thalita Pires