Anas al-Sharif, da Al Jazeera, é morto com colegas em ataque israelense próximo ao hospital al-Shifa, símbolo de resistência em Gaza


A guerra em Gaza voltou a cobrar uma de suas vozes mais presentes e corajosas. Anas al-Sharif, repórter de campo da Al Jazeera conhecido por sua cobertura intensa e humana do conflito, foi morto em um ataque aéreo israelense na noite desta terça-feira, junto com três colegas de equipe, enquanto trabalhavam em um acampamento de jornalistas próximo ao hospital al-Shifa, em Gaza City.

O anúncio foi feito pela própria emissora, que confirmou com profunda consternação a morte de al-Sharif e de seus companheiros: Mohammed Qreiqeh, Ibrahim Zaher e Mohammed Noufal. “Nossos colegas na Al Jazeera Árabe informam que os jornalistas Anas al-Sharif e Mohammed Qreiqeh foram mortos, juntamente com os cinegrafistas Ibrahim Zaher e Mohammed Noufal, em um ataque israelense em Gaza”, comunicou a rede em um breve mas contundente pronunciamento.

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O local do ataque era um ponto de encontro frequente para repórteres que cobrem a guerra — uma tenda montada logo na entrada principal do hospital al-Shifa, símbolo de resistência e sofrimento em meio ao caos humanitário que assola a Faixa de Gaza. O ataque ocorreu em um momento de intensificação dos bombardeios israelenses, e testemunhas relataram uma explosão poderosa que iluminou o céu noturno da cidade.

Hani Mahmoud, outro jornalista da Al Jazeera que estava a apenas um quarteirão do local, descreveu o momento com emoção visível. “Esta é, talvez, a coisa mais difícil que estou relatando nos últimos 22 meses”, disse ele ao vivo. “Não estou longe do hospital al-Shifa, e pude ouvir a enorme explosão que aconteceu há cerca de meia hora. Vi o clarão no céu e, em instantes, a notícia se espalhou: era o acampamento de jornalistas, na entrada principal do hospital.”

Al-Sharif havia se tornado uma figura emblemática da cobertura do conflito. Ele era especialmente conhecido por seus relatos sobre a libertação de reféns israelenses capturados pelo Hamas no início da guerra, mas também por retratar com profundidade o sofrimento da população civil palestina — a fome, a desnutrição, os hospitais superlotados, a falta de remédios. Sua reportagem era direta, visceral, muitas vezes feita em tempo real, com uma câmera na mão e o coração à mostra.

Em janeiro deste ano, durante uma trégua temporária entre Israel e o Hamas, al-Sharif marcou o imaginário de muitos ao remover o colete à prova de balas durante uma transmissão ao vivo, cercado por dezenas de moradores de Gaza que comemoravam a pausa nos bombardeios. O gesto, simbólico e carregado de esperança, foi visto como um ato de coragem e também de desabafo — um homem exausto, mas que ousava acreditar, ainda que por um instante, que a paz era possível.

Mas a trégua não durou. E a guerra voltou com força. No próprio dia de sua morte, al-Sharif postou no X (antigo Twitter): “Em desenvolvimento: intenso e concentrado bombardeio israelense, usando ‘cintos de fogo’, atinge as áreas leste e sul de Gaza City.” Foram suas últimas palavras públicas.

Um mês antes de morrer, em julho, al-Sharif já havia expressado seu temor de que não sobreviveria ao conflito. Em entrevista ao Comitê para a Proteção de Jornalistas, ele disse: “Vivo com a sensação de que posso ser bombardeado e martirizado a qualquer momento.” A declaração, então, soou como um presságio. Hoje, é uma trágica realidade.

O Exército israelense confirmou o ataque, mas lançou uma acusação grave contra o jornalista. Em comunicado, afirmou que al-Sharif teria “atuado como chefe de uma célula terrorista na organização terrorista Hamas e era responsável por avançar ataques com foguetes contra civis israelenses e forças do IDF”. A alegação foi imediatamente contestada por colegas e organizações de imprensa, que destacaram que al-Sharif era um repórter, não um combatente, e que sua função era documentar, não participar.

Hani Mahmoud, da Al Jazeera, denunciou ainda que o ataque ocorreu apenas uma semana após um oficial militar israelense ter feito campanha de incitação diretamente contra Anas al-Sharif, acusando-o publicamente por causa de sua cobertura. “É importante destacar que esse ataque acontece apenas uma semana depois que um oficial militar israelense acusou diretamente Anas e promoveu uma campanha de incitação contra a Al Jazeera e seus correspondentes no campo por causa do seu trabalho, por causa da cobertura implacável sobre a fome, a carestia e a desnutrição em Gaza”, afirmou.

Desde o início da guerra, al-Sharif e sua equipe não deixaram de relatar o que acontecia no chão. Enquanto muitos veículos recuaram ou reduziram sua presença, ele seguiu firme, filmando entre escombros, hospitais de campanha e filas de pessoas em busca de comida e água. Sua morte não é apenas uma perda para a Al Jazeera, mas para o jornalismo global — um lembrete cruel de que, em zonas de conflito, contar a verdade pode custar a vida.

A Organização das Nações Unidas e entidades de defesa da liberdade de imprensa já pediram uma investigação imediata. Enquanto isso, em Gaza, o silêncio onde antes havia vozes ecoa como um lamento. Anas al-Sharif não está mais entre nós, mas suas imagens, suas palavras e sua coragem permanecem — testemunhas de um tempo sombrio, mas também de um jornalismo que se recusou a desviar o olhar.

Com informações de Al Jazeera e The Guardian*

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Last Update: 11/08/2025