A pressão externa contra o STF expõe um novo capítulo da disputa pelo futuro da democracia brasileira


A liberdade política (leia-se: democracia) e a autonomia e independência dos povos nas
Américas nunca esteve tão ameaçada desde a Guerra Fria. Desta feita, o risco de
intervenção em países como o Brasil não vem dos militares locais com sede de poder, mas
dos mesmos algozes das ditaduras dos anos 1960 e 1970: os Estados Unidos da América.
Sequestrados pela extrema-direita e sua pauta autoritária de cariz fascista, os EUA
investem contra ameaças imaginárias e inimigos fictícios, perturbando a estabilidade de um
continente ameaçado em grande medida pela própria existência do governo Trump.

Como todo líder autoritário, Donald Trump opera dioturnamente para enfeixar os poderes do
Estado em suas mãos, sequestrando a autonomia operacional da administração pública,
ideologizando o Poder Judiciário, constrangendo o Legislativo com prisões arbitrárias e
voltando as forças policiais para uma limpeza étnica anti-imigrantes sem precedentes
recentes.

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No Brasil, desde a eleição de Jair Bolsonaro em 2018, as ameaças de golpe de Estado e
ditadura se tornaram uma constante. Estimulados pelo então Presidente da República, um
sem número de seguidores fanáticos clamaram insistentemente por intervenção militar,
ocupando portões de quartéis das Forças Armadas por todo o país.

Seguindo a receita da extrema-direita global, Bolsonaro incitou a desobediência civil através
de manifestações públicas e disparos massivos de fake news por whatsapp.

Neste contexto distópico, com o Poder Executivo tomado por forças declaradamente
anti-institucionais e diante de um Legislativo simpático ao extremismo, o Poder Judiciário
tornou-se uma trincheira da defesa da Constituição e da democracia.

Quase que ao mesmo tempo do início do caótico governo de Bolsonaro em 2019, o
Supremo Tribunal Federal assumiu o seu papel de guardião da Constituição. Isto ocorreu
não sem antes virar um alvo preferencial dos bolsonaristas. Estes sempre viram o Judiciário
como um órgão de contenção aos desvarios tiranicos de Bolsonaro e um instrumento de
garantia da legalidade contra os interesses escusos e inconstitucionais de seus asseclas.

Foi assim que o STF trabalhou de forma incessante contra a ingerência e as violações das
big techs no processo eleitoral. Essa é a origem dos ataques ao Ministro Alexandre de
Moraes, relator originário dos inquéritos contra as fake-news e ocasionalmente Presidente
do Tribunal Superior Eleitoral durante a campanha presidencial de 2022.

Não surpreende, portanto, que Alexandre de Moraes tenha se tornado alvo preferencial da
extrema-direita bolsonarista desde o começo de 2019, com o apoio e o incentivo de
lideranças globais, como Steve Banon.

O Ministro do STF, por força de seu ofício, trabalhou pela estabilidade e constitucionalidade
das eleições e afastou quaisquer dúvidas sobre a regularidade do processo de votação,
dúvidas essas plantadas exatamente pelo então candidato à reeleição Jair Messias
Bolsonaro.

O papel de estabilização democrática realizado pelo STF se intensificou substancialmente
desde meados de 2019, quando foram vazadas conversas indevidas de whatsapp entre os
procuradores da chamada “Operação Lava-Jato” e o Juiz que condenara o então
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva por um “esquema de corrupção” nunca devidamente
comprovado.

Num processo eivado de ilegalidades e com o claro objetivo político de retirar Lula da
corrida eleitoral de 2018, o então juiz da causa, o hoje Senador Sérgio Moro, fez a sua
mágica e sedimentou a eleição de Bolsonaro em 2018. Logo depois, abandonou a
magistratura para se tornar Ministro da Justiça do Presidente de extrema-direita.

A tentativa de golpe de Estado no 08 de janeiro de 2023, logo depois da posse do
Presidente Lula, não surpreendeu verdadeiramente a ninguém. Bolsonaro não reconheceu
a sua derrota eleitoral nem passou a faixa presidencial para Lula, formalidade usual nos
últimos 40 anos de democracia no país.

A invasão da Praça dos Três Poderes no Brasil foi um episódio equivalente à invasão do
Capitólio por trumpistas após a sua derrota eleitoral para Joe Biden. A diferença aqui foi o
papel desempenhado pela nossa Suprema Corte. Ela processou e julgou centenas de
fanatizados por crimes contra o Estado Democrático de Direito e por golpe de Estado,
segundo uma legislação promulgada pelo próprio Jair Bolsonaro quando Presidente.

As recentes ameaças de Trump contra nosso país, sob a forma de tarifas alfandegárias e
com a exigência estapafúrdia de que o STF libere Bolsonaro do julgamento pelos crimes
que cometeu contra as instituições e contra a democracia brasileira é o verdadeiro golpe de
Estado em andamento. A nossa Suprema Corte resiste, como o deveria fazer qualquer
poder verdadeiramente independente.


Rogerio Dultra dos Santos é professor titular da Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense

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Last Update: 11/08/2025