O presidente Lula (PT) barrou partes do PL da Devastação, mas deixou brechas que comprometem a proteção ambiental pelos próximos anos. Ao sancionar a nova Lei Geral do Licenciamento com 63 vetos, preservou mecanismos que aceleram projetos de alto impacto e enfraquecem a avaliação técnica, um presente para setores econômicos que pressionam por menos regras.
O anúncio, na sexta-feira 8, último dia do prazo, veio com o discurso de equilíbrio: proteger o meio ambiente sem travar investimentos, garantir segurança jurídica e atender a um Congresso que cobra agilidade para obras. Em pleno 2025, com a crise climática batendo à porta, o país mantém atalhos para empreendimentos de risco elevado.
Alguns vetos mereceram reconhecimento de quem defende o meio ambiente. Caiu a ampliação do autolicenciamento para empreendimentos de médio impacto, como barragens de rejeitos, que passariam a ter aval automático por autodeclaração online.
Para a Avrabrum (Associação dos Familiares de Vítimas e Atingidos pelo Rompimento da Barragem Mina Córrego do Feijão), permitir isso seria “um desrespeito profundo à memória das 272 vidas brutalmente ceifadas em Brumadinho (2019) e às 20 vidas perdidas em Mariana (2015)”.
Foi barrada também a tentativa de estados e municípios fixarem regras próprias sem padrão nacional. Mantiveram-se proteções à Mata Atlântica, o direito de consulta a povos indígenas e quilombolas mesmo em terras não homologadas e a responsabilidade de bancos por danos ambientais de projetos que financiam.
O problema é que, fora isso, a espinha dorsal do texto aprovado pelo Congresso foi preservada. E nela está a Licença Ambiental Especial (LAE), criada de última hora pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil).
Lula vetou a versão mais radical, que previa conceder todas as licenças de uma vez só, mas manteve o mecanismo e lhe deu eficácia imediata por medida provisória. Agora, qualquer empreendimento classificado como “estratégico” pelo Conselho de Governo pode ter o licenciamento acelerado para até 12 meses, mesmo que envolva riscos ambientais elevados.
A lógica implícita é que a etiqueta “estratégico” vale mais do que a análise minuciosa de impacto. Na prática, isso significa abrir uma faixa de ultrapassagem para projetos de grande porte acompanhados de estudos alertando para seus riscos, como a exploração de petróleo na foz do Amazonas e o asfaltamento da BR-319, que liga Porto Velho a Manaus.
No caso da BR-319, a iminência do asfalto já estimulou a abertura de ramais clandestinos que funcionam como vetores de desmatamento, como mostrei em uma coluna anterior sobre a rodovia que corta a Amazônia.
Na foz do rio Amazonas, a aposta em petróleo contraria o discurso de liderança climática que o Brasil quer exibir na COP30, em Belém, mas atende ao interesse político do presidente do Senado, eleito pelo Amapá, estado que seria o maior beneficiado com a atividade.
O governo argumenta que “estratégico” não significa aprovação automática e que haverá equipes dedicadas para análise. Mas o histórico brasileiro mostra que velocidade em licenciamento costuma vir acompanhada de pressão política e cortes na avaliação técnica.
Nesse ambiente, a negativa dos órgãos ambientais se torna cada vez mais difícil de sustentar. A história recente oferece exemplos claros. O licenciamento da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, no governo Dilma Rousseff, avançou apesar das advertências técnicas e do impacto social e ambiental amplamente documentado.
Talvez o mais revelador seja o silêncio completo da lei sobre a crise climática. Não há menção à palavra “clima” nem exigência de analisar vulnerabilidade a eventos extremos, como secas prolongadas, enchentes ou ondas de calor.
Em 2025, com o planeta já acima do limite de 1,5°C do Acordo de Paris e o Brasil alternando entre desastres ambientais de grande escala, isso não é descuido: é escolha política. Na prática, significa que barragens, portos e estradas poderão ser licenciados ignorando riscos óbvios de colapso e impactos sobre comunidades.
Os defensores da lei falam em segurança jurídica. Mas, com dispositivos de constitucionalidade duvidosa mantidos, o mais provável é ver uma onda de ações no STF (Supremo Tribunal Federal). Judicialização significa obras paralisadas, projetos mais caros e conflitos prolongados. Exatamente o oposto da previsibilidade prometida.
A batalha agora vai para o Congresso. A poderosa bancada ruralista e grupos ligados à mineração articulam para derrubar vetos e restaurar pontos como o autolicenciamento para médio impacto e a restrição à consulta a povos indígenas. Se conseguirem, o retrocesso será ainda maior. Até o momento, Lula impediu que a boiada passasse inteira, mas manteve a porteira aberta. E o rebanho já sabe o caminho.