Lila Ripoll nasceu em 12 de agosto de 1905 no Município de Quaraí, fronteira com o Uruguai, filha única de Florentino Ripoll (de antepassados catalães) e Dora Pinto de Ripoll. Apaixonada pela música, já aos oito anos de idade passou a ter aulas de piano. Seus estudos iniciais se deram no Colégio Elementar de Quaraí.

Em 1927, aos 22 anos, Lila – uma mulher pioneira no seu tempo – veio de Quaraí para Porto Alegre, para completar a sua formação, sonhando em tornar-se uma concertista.

Em Porto Alegre, concluiu os seus estudos na Escola Complementar de Porto Alegre e ingressou no Conservatório de Música, hoje Instituto de Artes da UFRGS. Nessa época, publicou suas primeiras poesias, na Revista Universitária. Após concluir o curso, assumiu como professora de Coro Orfeônico na Escola Estadual Venezuela, no Bairro Glória, Porto Alegre, tendo sido a autora da letra e da música do Hino da Escola.

Pouco depois, integrou-se ao grupo de escritores e poetas gaúchos conhecido como a “Geração de 30”, entre os quais estavam seus conterrâneos Dyonelio Machado, Cyro Martins e Carlos Reverbel, além de Mário Quintana, Manoelito de Ornelas, Athos Damasceno, Ovídio Chaves e tantos outros.

Referindo-se aos primeiros passos de Lila como poeta, Mário Quinta contou: “Muito tímida, tinha medo de mostrar-me os seus poemas, pois eu sempre dizia o que pensava quando alguém me mostrava seus versos. De modo que foi o Ovídio quem me deu a conhecer o primeiro poema de Lila: ‘Piedade para os meus mortos’, que é nada mais nada menos que um dos grandes poemas da poesia lírica brasileira. Disse eu ao Ovídio: ‘e tu ainda me vens com esses ares protetores pra cima da florzinha! Quem te dera um poema como esse’. Ovídio concordou.”

O assassinato a machadadas, em 31 de janeiro de 1934, do seu primo e irmão de criação Waldemar Ripoll, simpatizante jovem de ideias avançadas – que segundo testemunhos da época, teria ocorrido a mando de partidários do governador Flores da Cunha – abalou fortemente Lila, que a partir de então dedicou-se inteiramente à defesa das causas revolucionárias.

Em 1935, com o surgimento da Aliança Libertadora Nacional – de caráter antifascista, antilatifundiária e anti-imperialista, que tinha como lema “Pão, Terra e Liberdade” –, Lila integrou-se nela e começou a participar da Frente Intelectual do Partido Comunista do Brasil.

Nessa época, militou no Sindicato dos Metalúrgicos de Porto Alegre, junto com o líder comunista Eloy Martins, e dirigiu o seu Departamento Cultural (de 1935 a 1939), deu aulas de música e literatura, encenou peças de teatro e formou o Coral dos MetalúrgApós divulgar suas poesias nos principais periódicos do Rio Grande do Sul – Correio do Povo, Diário de Notícias, Revista do Globo –, Lila lançou em 1938 seu primeiro livro “De Mãos Postas“, que obteve excelente acolhida. O crítico Múcio Leão, do Jornal do Brasil, afirmou que Lila “tornou-se desde sua estreia a grande voz poética da mulher gaúcha”.

Em 1941, publicou “Céu Vazio“, com o qual ganhou, em 1943, o Prêmio Olavo Bilac da Academia Brasileira de Letras, concorrendo com poetas consagrados do centro do país.

Em 1944, Lila casou-se com o engenheiro e militante político Alfredo Luís Guedes.

Em 1945, com a redemocratização do país e a legalização do PC do Brasil, Lila Ripoll intensificou sua militância política, colaborando nos principais órgãos comunistas e progressistas do Rio Grande do Sul e do Brasil – como o diário A Tribuna Gaúcha, as revistas Horizonte (RS), Fundamentos (SP), Para Todos (RJ), Partidários da Paz (de Graciliano Ramos), A Leitura, A Província de São Pedro e Dom Casmurro (RJ), cujo redator-chefe era Álvaro Moreyra).

Em 1947, a Editora José Olímpio, do Rio de Janeiro, publicou o seu livro de poesias “Por quê?”

A cassação do registro do PC do Brasil, em 1947, e a perseguição aos comunistas em todo o país não fizeram Lila Ripoll abandonar a sua militância revolucionária, agora em condições muito mais difíceis.

Em 1949, o seu marido Alfredo Guedes faleceu de um derrame cerebral. Mesmo abalada, Lila compensou a sua perda intensificando a sua atuação partidária.

Nas eleições de 1950, Lila Ripoll foi candidata à deputada estadual, concorrendo pelo Partido Republicano, devido a cassação do registro do PC do Brasil. Em um contexto de dura perseguição e, inclusive, assassinato de comunistas – como os quatro líderes mortos em Santana do Livramento e outros quatro em Rio Grande –, Lila enfrentou com coragem os ataques da reação, como em sua cidade natal, onde provocadores tumultuaram e lançaram pedras contra o palanque, sem conseguir interromper o seu discurso. Por conta dessas dificuldades, Lila não conseguiu eleger-se.

Em 1951, Lila Ripoll teve importante papel na retomada da revista “Horizonte“, em sua nova fase, compondo seu corpo editorial e, inclusive, tornando-se sua Diretora. A equipe gráfica da revista reunia os maiores artistas plásticos do Estado – Carlos Scliar, Danúbio Gonçalves, Iberê Camargo, Edgar Koetz, Vasco Prado, Glênio Bianchetti, Glauco Rodrigues e outros–, o que ensejou a criação do Clube de Gravura Rio Grande do Sul, entidade que marcou profundamente as artes plásticas gaúchas. Lila também colaborava de forma assídua no diário comunista “A Tribuna“.

Como presidenta da seção regional da União Brasileira de Escritores, Lila presidiu em Porto Alegre, em 1951, o 4° Congresso Brasileiro de Escritores. Da mesma forma, participou ativamente do 3º Congresso Gaúcho pela Paz e subscreveu – junto com 260 mil gaúchos e os principais intelectuais gaúchos – o Apelo por um Pacto Paz.

Nesse mesmo ano, Lila Ripoll publicou o livro “Novos Poemas“, nos Cadernos da Horizonte, incluindo a poesia “Elegia“, que evoca o assassinato dos “Quatro As” – Aladin Rosales, Abdias da Rocha, Aristides Leite e Ary Kulmann –, líderes comunistas de Santana do Livramento, fuzilados pela polícia durante a campanha eleitoral de 1950. Essa obra recebeu o Prêmio Pablo Neruda da Paz, concedido pelo Conselho Mundial da Paz.

Em 1953, Lila participou no Encontro Internacional dos Partidários da Paz, em Buenos Aires.

Nesse ano, foi publicado nos Cadernos da Revista Horizonte o seu poema “Primeiro de Maio“, que denuncia o massacre do 1º de Maio de 1950, na cidade portuária de Rio Grande, quando foram assassinados os operários comunistas Honório Couto, Oswaldino Correa, Euclides Pinto e Angelina Gonçalves.

Em 1954, Lila Ripoll participou do 1º Congresso Nacional de Intelectuais, que reuniu as maiores personalidades das áreas científica e cultural do país e de outros países das Américas.

No início de 1955, Lila viajou à União Soviética com a Delegação Cultural Brasileira que participou do Congresso Internacional dos Partidários da Paz, e visitou Moscou e Stalingrado. Dessa viagem nasceu seu poema “Stalingrado”.

Após o 20º Congresso do PCUS – no qual Kruschev fez tábula rasa de toda a experiência da construção do socialismo na União Soviética –, Lila não desertou das fileiras comunistas, como o fizeram muitos intelectuais, permanecendo fiel ao Partido Comunista do Brasil, até a sua morte.

Mais uma obra sua – Poemas e Canções – foi publicada pelos Cadernos da Horizonte, no ano de 1957.

Em outubro de 1958, Lila estreou no Teatro São Pedro a sua peça “Um Colar de Vidro“, de crítica social, com o teatro lotado. Seguiram-se outras duas sessões. O Correio do Povo elogiou o espetáculo e considerou a peça polarizada rítmica e tematicamente entre o espírito poético e a crítica social, na “velha pugna que não é simplesmente marxista, mas bíblica, da igualdade humana e da injustiça social”. Outras apresentações foram realizadas sob os auspícios do Teatro Bancário e da Prefeitura Municipal. Em 1959, foi a vez de montar – também no Teatro São Pedro – a peça “Orfeu da Conceição“, de Vinícius de Moraes, outro sucesso de público.

Parceira do Sindicato dos Metalúrgicos de Porto Alegre desde os anos 30, Lila Ripoll trouxe para atuar com ela Edison Nequete – diretor do grupo “Nosso Teatro” e filho de Abílio Nequete, um dos fundadores do Partido Comunista do Brasil –, que encenou diversas peças teatrais no sindicato, entre elas, “Orfeu da Conceição”.

Da mesma forma, Lila organizou recitais de poesia, formou o Coral Metalúrgico e a Banda Mirim – com filhos dos associados –, ensejou apresentações da Orquesta do Maestro Salvador Campanela e até da Orquesta Sinfônica de Porto Alegre, levando cultura para a classe operária. No 1º de Maio de 1961, Lila encenou “Pátria o Muerte”, de Oduvaldo Vianna Filho – uma ode à Revolução Cubana no Sindicato dos Metalúrgicos.

Em 1961, A Leitura publicou no Rio de Janeiro o seu livro O coração descoberto, elogiadíssimo pela crítica.

Nesse mesmo ano, o Rio Grande do Sul – sob a liderança de Leonel Brizola – levantou-se contra o golpe militar que pretendia impedir a posse de João Goulart, derrotando os golpistas. Lá estava Lila Ripoll, liderando e organizando os intelectuais e os artistas que acorriam ao Mata Borrão – prédio assim chamado devido ao seu formato, na esquina da Av. Borges de Medeiros com a Rua Andrade Neves –, onde funcionava o QG popular do Movimento da Legalidade.

Três anos depois, tão logo consumado o golpe militar de 1964, Lila Ripoll foi presa, só tendo sido solta devido ao estágio avançado do seu câncer. Mesmo assim, teve de responder a um Inquérito Policial Militar, por “subversão”.

Mesmo doente, Lila seguiu escrevendo seus poemas e em 1965 concluiu “Águas Móveis”, que permaneceu inédito.

Quando, devido à gravidade do seu estado de saúde, um grupo de intelectuais gaúchos quis prestar-lhe uma homenagem – que todos sabiam que seria a última –, foram impedidos de fazê-lo pela polícia política.

Pelos esforços do poeta comunista Walmir Ayala, veio à luz – poucos dias antes de sua morte – uma seleção de seus poemas, denominada “Lila Ripoll: Antologia Poética“, editada pelo INL/MEC em convênio com A Leitura.

Em 7 de fevereiro de 1967, cercada pelo carinho e os cuidados dos seus camaradas, faleceu em sua residência, na Rua Olavo Bilac, essa valente mulher, que dedicou toda a sua vida à libertação dos oprimidos e que soube como ninguém usar para isso a poesia, sem cair no panfletarismo e sem perder jamais a ternura e o lirismo.

Em despedida a Lila Ripoll, o escritor Cyro Martins afirmou: “Foi um raro exemplar de pessoa na qual o sentimento lírico, profundamente arraigado no seu espírito, congraçava-se com um temperamento de lutadora inflexível pelos seus ideais políticos. Era uma convicta comunista, atuante, capaz de enfrentar grandes riscos. […] E no fundo do seu canto melancólico ressoa um apelo ao reino da paz e da beleza.

Mas é a própria que Lila Ripoll quem melhor expressa o seu credo poético:

Considero tão falsa a posição de quem condena a poesia política como a de quem condena a de conteúdo lírico. O poeta é antes de tudo um homem. Não o separo da vida, nem da responsabilidade que assume, como homem, perante a sociedade. E a literatura, a poesia – como disse um eminente pensador – não exprime somente o homem, mas a vida em geral. […] A política, o fato social, as injustiças sociais fazem parte da vida. Por isso tudo, acho que o poeta pode cantar todos os temas, desde que ao cantá-los esteja sendo verdadeiro e possua condições para exprimi-los com forma artística, pois sem esta não há arte. Mas, se dizemos que o poeta é antes de tudo um homem, devemos dizer que sua alma não é feita apenas de emoções sociais, como querem alguns. Como as emoções políticas e sociais, também vivem os homens as emoções individuais: as emoções da alegria, do amor, da tristeza e da própria angústia. E como não ser, por momentos, triste ou angustiado, num mundo tão cheio de brutalidade e egoísmo, tão falho de ternura e amor? […] O mal não está em falar da tristeza ou da angústia. O mal é não encontrar saída para a desesperação. […] Não hesito em afirmar: sem paixão, não há literatura verdadeira. Literatura não é passatempo, nem divertimento, nem puro jogo formal. Literatura verdadeira é a que traz força de vida e de autenticidade.”

A Academia Literária Feminina do Rio Grande do Sul consagrou Lila Ripoll comio a Patrona da Cadeira nº 26 e o Instituto Estadual do Livro inaugurou uma sala de eventos com o seu nome e, em 1998, publicou “Lila Ripoll: obra completa”, atualmente esgotada.

Em 2005, por ocasião do centenário do nascimento de Lila Ripoll, a deputada Jussara Cony (PCdoB), aprovou na Assembleia Legislativa do RS a criação do “Prêmio Lila Ripoll de Poesia”, que neste ano de 2025 realiza a sua 20ª edição – com mais de 2.000 poesias inscritas, vindas dos mais diversos Estados do Brasil e inclusive do exterior – cuja premiação ocorrerá no próximo dia 13 de agosto, às 18h, no Salão Mourisco da Biblioteca Pública do RS,

Encerro com as palavras do escritor João Batista Marçal sobre Lila Ripoll:

Lila pediu: ‘Desce os olhos, poeta, pelas duras faces dos mineiros tristes, bem junto de nós’. […] Mulher culta e corajosa, poetisa brilhante, foi para o fogo das tribunas populares, comungou com o povo nas suas horas de mobilização, amargou com o povo as suas derrotas, cantou com ele a democracia plena na voz das ruas. […] Seu canto é uma pérola incrustrada no coração operário do Rio Grande. Ou melhor: estrela-d’alva anunciando o amanhã de um novo tempo.”

O poema “ELEGIA” de Lila Ripoll denuncia o fuzilamento pela polícia de quatro líderes comunistas – Aladin Rosales, Ary Kulman, Aristides Corrêa Leite e Abdias Rocha –, na chamada “Chacina dos 4 As”, ocorrida em 24 de setembro de 1950, na cidade de Santana do Livramento, Rio Grande do Sul.

O crime aconteceu durante as eleições de 1950, só porque eles estavam escrevendo os nomes de candidatos do PC do Brasil em muros da cidade.

Conheça o poema ELEGIA, de Lila Ripoll

Os homens tombaram,

tombaram sem medo,

singelos,

heroicos,

severos e graves,

à luz do luar.

No rosto de espanto

brilhava a certeza,

no porte estendido,

calado, eloquente,

vivia uma história,

mas não familiar

A noite sangrenta,

caiu demorada.

O sangue brotava

dos corpos, das almas,

da terra ofendida,

dos altos gemidos.

E os homens tombados,

singelos,

heroicos,

severos e graves,

na rua estendidos,

calados estavam,

mas não esquecidos.

Rosales e Kulman,

irmão Aristides,

e tu, Abdias,

herói camponês

– de vida singela,

de sonho tão alto –

esperem confiantes

que a aurora desponte

no céu de amanhã

E tu, Livramento,

por quantos choraste?

Que mãos se crisparam

de dor e revolta?

Que vozes se ergueram

na noite passada?

O pranto desborda

e o sangue também.

As rosas vermelhas

se espalham no chão

Os mortos, os mortos,

tenazes e forte,

estão relembrando

que há outra alvorada.

No porte estendido,

calado, eloquente,

os homens tombados,

severos e graves,

apontam caminhos,

desfraldam bandeiras,

nas ruas, nos campos,

nos rios e no mar

Tombaram sem medo,

singelos,

heroicos,

severos e graves,

à luz do luar.

Lila Ripoll

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

BORDINI, Maria da Glória. Lila Ripoll, Letras Riograndenses 9. Porto Alegre: IEL, 1987.

MARÇAL, João Batista. Comunistas Gaúchos. Porto Alegre: Thê! Editora Ltda, 1986.

MARÇAL, João Batista. Dicionário ilustrado da esquerda gaúcha. Porto Alegre: Libretos, 2008.

MARÇAL, João Batista. Lila Ripoll leva Teatro, Música e Poesia ao Sindicato dos Metalúrgicos. Porto Alegre datilografado, S/D.

MARÇAL, João Batista (org.). Prosa de Lila Ripoll: inéditos e dispersos. Porto Alegre, datilografado, 1985.

RIPOLL, Lila; MOREIRA, Alice Campos (org.). Lila Ripoll: obra completa. Porto Alegre: IEL / Movimento, 1998.

RIPOLL, Lila; BORDINI, Maria da Glória (org.). Ilha Difícil: antologia poética. Porto Alegre: Editora da Universidade / UFRGS, 1987.

RUY, José Carlos e MOURA, Clóvis. Lila Ripoll. São Paulo: Editora Anita, Revista Princípios nº 30, ago./out. 1993.

TRE-RS. Atas das eleições de1950. Porto Alegre: Memorial do TRE-RS, 1950.

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Last Update: 11/08/2025