Parece cada vez mais evidente que, entre as razões que levaram o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, a “punir” o Brasil, o caso de Jair Bolsonaro entra na história como Pilatos no credo. Trump defende a não punibilidade do ex-presidente brasileiro apenas, e tão somente, para o Brasil não abrir um precedente que possa vir a ser usado contra ele próprio, quando deixar a Casa Branca.

Mas o que realmente irrita Trump é a possibilidade de o Brasil tornar inúteis os cartões de crédito e outros meios de pagamento digitais adotados por empresas norte-americanas, daí sua briga contra o Pix brasileiro, e a possibilidade de regular e taxar as plataformas digitais. Afinal, se o exemplo for seguido por outros países, isto se constituirá numa ameaça a um dos pilares da economia dos Estados Unidos – não à toa as chamadas big techs apoiam fortemente o presidente norte-americano.

É também evidente que Trump não gosta nenhum pouco do fato de o Brasil fazer parte do Brics, assim como da defesa do presidente Lula de uma moeda alternativa ao dólar. Mas Trump sabe que, na prática, o Brics é apenas um acrônimo, com um banco de desenvolvimento, e que a ameaça ao dólar não vem das declarações de Lula e sim da eventual perda de confiança na economia norte-americana, decorrente, em boa parte, das políticas do próprio Trump.

Isto posto, o Brasil deve continuar negociando, como vem fazendo, principalmente para evitar novas sanções, pela Seção 301, limitando as discussões ao contencioso econômico. (Instituída pela Lei de Comércio e Tarifas de 1974, a Seção 301 justamente deu poder discricionário ao Executivo norte-americano para fazer uso de medidas coercitivas contra políticas e práticas comerciais de governos estrangeiros supostamente consideradas prejudiciais aos interesses norte-americanos.)

Mantidas as atuais tarifas, é de se esperar que o Brasil perca cerca de US$ 15 bilhões de exportações para os Estados Unidos, algo inferior a 1% do PIB. Diversas empresas serão muito afetadas e vão precisar da ajuda do governo, na forma de alongamento no prazo do Adiantamento sobre Contrato de Câmbio, modalidade de financiamento para empresas exportadoras (ACCs) e financiamento adequado para a folha de pagamentos, de modo a permitir fazer a travessia enquanto desenvolvem novos mercados. Mas decididamente o Brasil será relativamente pouco atingido.

Mais do que procurar culpados pela situação, o que parece importante, portanto, é o Brasil aproveitar a crise e não se limitar a reações defensivas, como ocorre habitualmente.

É o momento de mobilizar o país, unir todas as forças em defesa da democracia e da soberania nacional, isolando a extrema direita, única interessada e, na verdade, coautora das sanções impostas por Trump ao Brasil. Afinal, a única coisa que realmente interessa à extrema direita é livrar Jair Bolsonaro do julgamento pelo Supremo Tribunal Federal e da prisão definitiva.

Há pelo menos dois bons exemplos recentes dessa união, com ensaio de mobilização que o governo deveria aproveitar. Um deles é o manifesto “Unidade em Defesa do Brasil”, divulgado no último dia 5 de agosto pelos partidos progressistas: PT, PCdoB, PSB, PDT, PSOL, Rede e Partido Verde. Diz o manifesto: “Defender a nossa pátria e sua soberania é condição de ser brasileiro. Independente de cores partidárias ou de preferências políticas, na condição de partidos aqui reunidos, estamos certos de que a bandeira do nosso país é aquela que melhor nos representa contra qualquer tentativa de imposição ou de ameaça.”

texto deixa claro que a taxação imposta por Trump vincula-se ao seu apoio político à impunidade de Bolsonaro “e dos demais traidores da pátria”, sobrepondo-se “à relação que os dois países cultivaram por mais de 200 anos”. Menciona a balança comercial desfavorável à economia brasileira, a tentativa de Trump de colocar em xeque a independência da Justiça brasileira, e o interesse econômico por parte de setores ligados às big techs, além da exploração de recursos estratégicos, como as terras raras brasileiras, essenciais para as cadeias produtivas globais. O manifesto defende, com propriedade, a necessidade do diálogo, da diplomacia e do desenvolvimento econômico e social como “compromisso inegociável com o povo”.

A união de diferentes partidos, e de forma ainda mais ampliada, também está presente no evento convocado pelo grupo suprapartidário Direitos Já! Fórum pela Democracia, reunindo 13 legendas (PT, PSDB, Rede, PV, PSOL, Podemos, MDB, Avante, Cidadania, PDT, PSB, PCdoB e PSD) e integrantes da sociedade civil. O grupo está programando um ato para o dia 15 de setembro no teatro Tuca, em São Paulo, com foco na defesa da soberania nacional. Serão convidados governadores, senadores e deputados federais e apresentado um manifesto que está sendo elaborado.

O governo deveria se valer da indignação da sociedade para atacar os problemas estruturais que impedem o crescimento da economia e tolhem a competitividade dos bens e serviços nacionais. Dois eixos parecem fundamentais: a reforma tributária e a revisão das renúncias fiscais. Além delas, o governo deveria também focar em outras agendas, como a segurança pública, a infraestrutura e o avanço tecnológico.

Esses são apenas alguns exemplos do que deveríamos estar discutindo, para voltar a crescer de forma adequada, gerar empregos de qualidade, melhorar a distribuição de renda e nivelar o acesso às oportunidades, condições necessárias para a sustentabilidade do crescimento econômico.

José Dirceu é advogado e militante político, foi ministro da Casa Civil

Artigo publicado inicialmente no site Teoria e Debate

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Last Update: 11/08/2025