Desde o fim de 2024, familiares de mulheres idosas têm se preocupado com o conteúdo publicado por um homem no TikTok. De sorriso aberto e olhar demorado para a câmera, José Fernandes grava mensagens românticas e pausadas, como se estivesse diante de uma única pessoa.

Muitas seguidoras, pouco acostumadas a esse tipo de conteúdo, acreditam que estão em uma chamada de vídeo e que vivem um relacionamento com ele. O tom intimista reforça a ilusão, ainda que todo o material seja público. Entre likes e recados amorosos, o brasileiro fatura com o engajamento.

O caso de Fernandes – que inspirou uma onda de alertas nas redes sociais – é fruto um fenômeno mais amplo: o rápido salto da população idosa para o mundo digital. Em 2023, segundo o IBGE, 66% dos brasileiros com mais de 60 anos usaram a internet. Entre os “baby boomers” (nascidos entre 1946 e 1964) o uso de tecnologia cresceu 42% em sete anos. Essa transição, porém, veio acompanhada de muitos tropeços.

“Vivemos em um mundo cada vez mais digitalizado — da saúde ao transporte — e isso pode criar barreiras de informação e de contato, até com a própria família. Há perda de autonomia”, afirma Alessandra Tieppo, médica geriatra e diretora da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia.

As formas de acesso também mudaram. “Em 2016, apenas 11% das pessoas usavam internet pela TV. Em 2023, já era quase metade”, diz Gustavo Fontes, analista do IBGE. O analfabetismo digital, acrescenta, está fortemente ligado ao funcional: 75% dos que não acessam a rede têm baixa escolaridade.

O aposentado Fábio Correa Steffen, 74, sente falta da segurança que tinha antes. “Às vezes chega um link e eu não sei para onde vai. Tenho medo de clicar errado e causar problema. Então não arrisco”, diz. Tesoureiro voluntário no Grêmio da Faculdade de Medicina da USP, ele depende da filha ou da secretária para lidar com planilhas enviadas pela reitoria. “Se ela sai de férias, eu fico sem saber como fazer.”

O medo de errar é um freio frequente. “Hoje, muitos serviços essenciais, como aposentadoria e banco, estão em aplicativos. Sem leitura adequada, o idoso corre riscos, inclusive de golpe”, diz Tieppo.

Há, porém, quem tenha se adaptado. Maria Salete Sales, 72, síndica, ainda prefere o papel, mas usa com desenvoltura o celular para o trabalho. “Faço tudo pelo celular, mas também Anoto no papel. Acho mais seguro.” Edith Villas Boas, 70, aposentada, lida bem com consultas e pagamentos online, mas evita redes sociais. “Tenho Instagram, mas não uso. Prefiro ficar de fora.”

A doutora Tieppo lembra que, bem utilizada, a tecnologia pode ser aliada. Assistentes virtuais ajudam a lembrar remédios e consultas. E a telemedicina aproxima pacientes e médicos. “A tecnologia pode ser parceira de um envelhecimento saudável”, conclui.

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Last Update: 10/08/2025