Mesmo com baixa chance de êxito, movimento é visto como forma de pressionar o STF e desgastar a imagem do ministro mais visado pelo bolsonarismo
O retorno dos trabalhos no Congresso Nacional nesta terça-feira (5) trouxe de volta à tona um dos temas mais polêmicos do cenário político brasileiro: a tentativa de afastamento do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes por meio de um pedido de impeachment. A oposição, liderada por setores alinhados ao bolsonarismo, intensificou nos últimos dias uma articulação para reunir o número necessário de assinaturas que deem sustentação formal ao processo no Senado.
Segundo o líder do PL no Senado, Carlos Portinho, o grupo que coordena a iniciativa busca alcançar 41 assinaturas — número que representa a maioria simples da Casa — para demonstrar que a proposta não é apenas um gesto simbólico, mas sim um movimento com respaldo político consistente. Até o momento, faltam cinco assinaturas para atingir esse patamar. Dentre elas, três precisariam vir do Partido Progressista (PP), uma peça-chave nesse quebra-cabeça político.
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O PP, atualmente integrante da base governista, ocupa o Ministério do Esporte no governo federal, o que torna sua posição especialmente delicada. A legenda firmou recentemente uma aliança estratégica com o União Brasil, partido também presente na gestão atual e historicamente ligado ao presidente do Senado, Davi Alcolumbre. Essa aproximação partidária coloca o PP em uma encruzilhada: manter o apoio ao governo e ao presidente da Casa ou alinhar-se a um movimento que, por natureza, desafia diretamente o comando do Senado.
A pressão sobre legendas como o PP tem se intensificado justamente por elas ocuparem um espaço ambíguo no tabuleiro político. São partidos que, mesmo integrando a base aliada do governo, mantêm forte simpatia com setores do bolsonarismo, que há tempos criticam decisões de Alexandre de Moraes, especialmente aquelas envolvendo inquéritos sobre desinformação, atos antidemocráticos e medidas contra autoridades investigadas.
Com as convenções partidárias se aproximando, esse cenário pode ficar ainda mais tenso. O período eleitoral costuma ser marcado por redefinições de alianças, disputas internas e movimentos de reposicionamento. Ministros e parlamentares filiados a legendas como o PP podem ser obrigados a tomar posições mais claras, o que pode acirrar as tensões entre lealdade governista e pressão de alas mais radicais dentro de seus próprios partidos.
Apesar do esforço de articulação, especialistas e integrantes da própria cúpula do Congresso avaliam que as chances de sucesso do pedido de impeachment no Senado são mínimas. O procedimento enfrenta barreiras jurídicas e institucionais consideráveis, além de uma forte resistência por parte da presidência da Casa.
Davi Alcolumbre tem sido enfático ao afirmar que iniciativas como essa atrapalham o funcionamento do Senado. Em conversas com colegas e aliados, ele tem destacado que o momento exige foco em pautas concretas, como reformas, projetos de desenvolvimento econômico e medidas sociais, e não movimentações que possam agravar a instabilidade institucional. Para Alcolumbre, pedidos desse tipo, ainda que formalmente permitidos, acabam por consumir tempo e energia que poderiam ser usados em debates mais produtivos.
Essa posição é compartilhada pelo presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), que também defende um segundo semestre voltado à produção legislativa. Em entrevista concedida na semana passada, Motta afirmou que “o país espera soluções, não crises”. Ele reforçou que o Congresso precisa manter a estabilidade para enfrentar desafios como a inflação, o emprego e a infraestrutura.
Apesar disso, a articulação em torno do impeachment de Moraes não deve ser vista apenas como um movimento jurídico. Muitos analistas entendem que se trata, sobretudo, de uma estratégia de pressão e desgaste — uma forma de colocar em xeque o poder do ministro, que tem sido uma figura central nas decisões do STF sobre temas sensíveis, como liberdade de expressão, investigações políticas e ações contra a disseminação de fake news.
Para os apoiadores do pedido, Moraes representa um excesso de poder dentro do Judiciário. Já para seus defensores, ele atua com rigor constitucional e é peça fundamental na defesa das instituições democráticas. Esse embate reflete, na prática, uma disputa mais ampla sobre os limites do poder, o papel do STF e o equilíbrio entre os três Poderes.
Enquanto o Senado volta a funcionar com sua rotina de votações e audiências, o debate em torno do impeachment de Moraes permanece como um dos sinais mais claros de que, mesmo sem grandes chances de êxito, a oposição não pretende recuar de sua ofensiva simbólica. A busca por assinaturas, especialmente no PP, será observada de perto nos próximos dias — não apenas por parlamentares, mas por todos que acompanham de perto os movimentos que podem, ainda que indiretamente, influenciar o rumo da política nacional.
No fim das contas, mesmo que o processo não prospere, o simples fato de estar em pauta já revela o clima de tensão que continua a marcar as relações entre os Poderes.
Oposição alcança 41 assinaturas para impeachment de Moraes, mas Alcolumbre mantém posição de bloqueio
Na quinta-feira (7), a oposição no Senado alcançou um marco simbólico: a coleta das 41 assinaturas necessárias para protocolar um pedido de impeachment contra o ministro Alexandre de Moraes. O número, que representa a maioria simples da Casa, foi selado com a adesão do senador Laércio Oliveira (PP-SE), anunciada pelo senador Rogério Marinho (PL-RN), principal articulador da iniciativa. A conquista encerrou uma ocupação simbólica do plenário do Senado que durava desde o início da semana — um ato de protesto contra a decisão de Moraes que determinou a prisão domiciliar do ex-presidente Jair Bolsonaro, na segunda-feira (4).
Com a chegada da 41ª assinatura, os senadores oposicionistas decidiram encerrar a mobilização no plenário, mas mantiveram o discurso de confronto institucional. Para eles, o ato não se trata apenas de uma retaliação jurídica, mas de um recado político: a insatisfação com o que consideram um “ativismo judicial” crescente por parte do ministro, especialmente em temas que envolvem liberdade de expressão, investigações políticas e o uso de medidas cautelares contra autoridades.
Apesar do alcance formal do número necessário para viabilizar o andamento do processo, a iniciativa deve permanecer paralisada — e o principal obstáculo está no gabinete do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP). Durante uma reunião com líderes partidários da base governista, da oposição e parlamentares como Marinho, Tereza Cristina (PP-MS) e Marcos Rogério (PL-RO), Alcolumbre foi enfático: “Nem se tiver 81 assinaturas [todas as cadeiras do Senado], ainda assim não pauto impeachment de ministro do STF para votar.”
A declaração, registrada pelo jornal O Estado de S. Paulo, deixou claro que, independentemente do apoio formal entre os senadores, o processo não será colocado em pauta. Alcolumbre tem reiterado que movimentos dessa natureza desviam o foco do Congresso de pautas essenciais para o país, como reformas econômicas, projetos sociais e ações de combate à inflação e ao desemprego. Para ele, o momento exige maturidade institucional, não espetáculos políticos que possam agravar a tensão entre os Poderes.
A posição do presidente do Senado, no entanto, tem gerado reações distintas. Enquanto setores da base aliada ao governo Lula comemoram a garantia de que o STF não será alvo de pressão direta, parlamentares da oposição acusam Alcolumbre de cercear o debate democrático. “Se a maioria da Casa quer discutir o assunto, por que impedir?”, questionou um senador ligado ao PL, sob condição de anonimato. “Isso fere o princípio do parlamentarismo.”
Pressão cresce sobre partidos da base
O alcance das 41 assinaturas colocou sob holofote os partidos que, mesmo integrando a base governista, mantêm vínculos ideológicos e eleitorais com o bolsonarismo. É o caso do PP, que, além de ocupar o Ministério do Esporte, tem no seu bojo parlamentares que demonstraram insatisfação com decisões recentes do ministro Moraes. A adesão de Laércio Oliveira foi vista como um sinal de que fissuras podem existir mesmo dentro da coalizão que sustenta o governo.
Com as convenções partidárias se aproximando — momento em que legendas definem coligações, colorem alianças e escolhem candidatos —, a pressão sobre esses partidos tende a aumentar. Ministros e parlamentares filiados a siglas como PP e União Brasil podem ser forçados a escolher entre lealdade ao governo federal e sintonia com as bases eleitorais que ainda veem em Bolsonaro um líder político central.
“É um jogo de equilíbrio perigoso”, disse um analista político com atuação em Brasília. “Eles querem os cargos, mas não podem ignorar os eleitores. Nas convenções, essa tensão vai explodir. Alguns podem até sair do governo.”
Como funciona o impeachment de ministros do STF
Apesar da repercussão política, é importante lembrar que o processo de impeachment de um ministro do STF é extremamente raro — e nunca foi concluído com sucesso na história do Brasil. A possibilidade está prevista na Lei 1.079/1950, que define os crimes de responsabilidade e estabelece o rito para o afastamento de autoridades, incluindo ministros da Corte.
O caminho é longo e complexo: o pedido precisa ser protocolado na Mesa Diretora do Senado. O presidente da Casa — no caso, Alcolumbre — tem o poder de aceitar ou arquivar a iniciativa. Se aceito, o tema vai a uma comissão especial, que tem até 10 dias para emitir um parecer. Esse parecer é então levado ao plenário, onde precisa de 41 votos para ser aprovado e dar início ao processo formal. Nesse momento, o ministro é afastado provisoriamente.
A etapa final exige um quórum qualificado: dois terços dos senadores em exercício, ou seja, 54 votos, para a cassação definitiva do cargo e a possível inelegibilidade por até oito anos.
Um precedente histórico, mas não um impeachment
Em 134 anos de existência do STF, nenhum ministro foi afastado por impeachment. O caso mais próximo ocorreu em 1894, quando o Senado rejeitou a indicação de Cândido Barata Ribeiro, nomeado pelo presidente Floriano Peixoto. Na época, a regra permitia que o indicado assumisse o cargo antes da confirmação parlamentar. Barata Ribeiro, médico e ex-prefeito do Rio de Janeiro, chegou a atuar por 11 meses, mas foi afastado sob o argumento de que não possuía o “notório saber jurídico” exigido pela Constituição.
Desde então, nenhuma tentativa similar chegou sequer perto do plenário. O atual movimento, portanto, é inédito em sua dimensão simbólica — ainda que, na prática, esteja fadado ao impasse.
Um gesto político, não jurídico
Diante do bloqueio de Alcolumbre e da resistência da maioria dos líderes partidários, inclusive de aliados, o pedido de impeachment de Moraes é visto por muitos como mais um ato de pressão do que uma real possibilidade de afastamento. Ainda assim, tem peso: mostra que uma parcela significativa do Senado está disposta a questionar o papel do ministro, especialmente após decisões que envolveram figuras centrais do bolsonarismo.
Para o governo Lula, o episódio reforça a importância de manter o STF como uma instituição blindada de pressões diretas. Já para a oposição, trata-se de um instrumento de resistência — um lembrete de que, mesmo sem poder executivo, há formas de contestar o status quo.
O Congresso volta a funcionar com a pauta legislativa, mas a sombra do embate entre os Poderes permanece. Enquanto o país enfrenta desafios econômicos e sociais, o debate sobre limites, instituições e poder continua acirrado — e, por enquanto, sem solução à vista.
Com informações de CNN e Rádio Piatã*