
Em busca de uma notícia feliz*
por Urariano Mota
Desde ontem que busco uma notícia que nos deixe um sentimento feliz no coração. Mas Trump não permite com os seus atos abusivos, desrespeitosos contra o STF. Um texto possível para a coluna de hoje partia da notícia “Embaixada dos EUA divulga ameaça contra ministros do STF que apoiarem Moraes”, à qual eu devia associar a essa nova versão de imperialismo o texto “O filme da CIA que preparou o golpe de 64 no Brasil” O filme da CIA que preparou o golpe de 64 no Brasil – Vermelho.
E quando eu saía do nosso amado país, caía em mais um genocídio do Estado de Israel. “Governo de Israel aprova ocupação da Cidade de Gaza”, a semelhante crime contra a humanidade, eu deveria associar o texto “A bomba de Hiroshima em Gaza” A bomba de Hiroshima em Gaza – Blog da Boitempo . Mas tanto em um caso quanto em outro, mais que um coração dividido, eu sentia a angústia que povoa a nossa necessária revolta. Como escrever sobre outro assunto quando o mundo se despedaça a nossos olhos? Me perdoem se isto parece mais uma alienação, mas me salvei com o livro recém-lançado “Liêdo Maranhão, o pesquisador do povo invisível”, de Rennat Said e José Rodrigues. Digo isso porque das suas páginas veio uma saudade gostosa da presença de Liêdo.
Como poderia ser diferente? Liêdo Maranhão possuía por nossa gente um amor sem fronteiras, um amor despudorado, sem peias, sem lei nem rei, franco, aberto a todas as suas invenções e pecados. Sim, ele amava também a seus pecados, tanto no que têm de contrários à moral da santa Igreja, quanto no sentido ético universal, de maldades que a gente do povo também comete. Liêdo desculpava os populares como quem desculpa uma filha, mãe ou amante acima de todas as coisas: “o povo tem que sobreviver, não é?”.
Do livro, destaco um trecho desta entrevista de Liêdo:
“A polícia encarnava muito no camelô de nome Gogó de Sola. Os soldados da PM iam colocando ele e outros camelôs numa Kombi pra depois levar. Mas teve um dia que o soldado teve pena de Gogó de Sola, que era cego de um olho. O soldado então disse:
– Vamos, desce Gogó. Hoje eu num vou te levar.
Aí Gogó falou:
– Eu agora não saio mais dessa porra não!”
Com o pintor João Câmara, Liêdo e outros artistas alugaram uma casa a que chamavam de “ateliê + 10”, na Rua São Bento em Olinda. O problema era que os artistas, desconhecidos, não vendiam uma só obra. Liêdo conta no livro:
“Do nada, surgiu uma pessoa olhando com muita atenção pela janela do ateliê os quadros. Ia pra lá e pra cá, querendo entrar e parecendo estar bastante interessado nas obras. Eram tempos duros, a venda de uma só obra já livrava o aluguel.
Aí o cara se aproximou de uma tela de João Câmara, ficou olhando e a gente torcendo para ele dar um lance. Ele chamou um dos artistas e perguntou:
– Tem banheiro aqui nesta casa?
Incensou Olinda com a própria obra”.
Grato por sua presença entre nós, Liêdo. Com você ainda conseguimos sorrir em meio à desgraça destes dias.
*Vermelho Em busca de uma notícia feliz – Vermelho
Urariano Mota – Escritor, jornalista. Autor de “A mais longa duração da juventude”, “O filho renegado de Deus” e “Soledad no Recife”. Também publicou o “Dicionário Amoroso do Recife”.