Imagem: Divulgação

Por Frente de Literatura do MST “Palavras Rebeldes”
Da Página do MST

O plano parecia bastante bom: teria um quarto separado, teria comida e um salário que poderia enviar todo mês para a filha. Se desse para economizar, poderia garantir os estudos da menina, poderia comprar uma casa, se aposentar dignamente, tudo como Deus manda.

– “Aceito, sim senhor.

– Essa será tua senhora.

– Aceito, sim senhora.”

Quando o pó da estrada levantado pelo carro dos senhores estava baixando, ela pegou a trouxinha, abraçou a mãe, carinhou a filha, beijou o retrato da irmã. Caminhando para o ponto de ônibus, sentia que precisava ficar, pensava que devia ir. Queria a filha bem alimentada, formada, livre, como ela mesma nunca pudera ser.

Chegando à casa dos patrões, ampla e recém pintada, achou que podia acalmar seu coração. Entraram pelo corredorzinho lateral. A porta da cozinha era nos fundos. Onde um dia fora uma despensa, seria seu quarto improvisado. Olhou a cama de campanha esticada dentro do cômodo onde só havia paredes. A luz amarelenta deixava ver uma cadeira, que serviria de armário, e um penico no canto. Era tudo. 

– “Assim que as coisas melhorarem, te arrumamos um quarto que tenha janela. Isso aqui é provisório, tá bom?

– Tá bem.”

“Mas, de verdade, não tá bom…” sentia. Acordava antes que o sol e ia buscar pão, enquanto o café ia passando. Ajeitava os quartos e cozinhava o almoço, enquanto os meninos estavam na escola. Depois viria a louça toda. Arrumava a sala e tirava o pó, enquanto todos comiam. Lavava e passava roupa de tarde. Preparava o jantar e ficava à disposição para o sal, guardanapo, mais suco, o que fosse. Depois a louça toda outra vez. Vez ou outra fazer o leite quente e olhar os meninos para os patrões saírem de noite. De domingo a domingo, sem hora pra acabar. Descanso e silêncio eram raros, quando se recolhia às dores de seu corpo franzino. 

No final do primeiro ano, pediram pra ela ajudar no Natal da família e não pôde voltar pra casa. Enviou algum dinheiro à mãe pra que comprasse um presente pra menina, que devia estar grande. 

O quarto continuou o mesmo, mas o patrão tinha encontrado o caminho. “Maria, mãe de Deus, me dê força…” rogou, enquanto se esgueirava para escapar das mãos inconvenientes que vinham à cozinha por qualquer pretexto. Mas não conseguiu fugir na noite em que, bêbado, o patrão invadiu seu quarto. Não dormia mais tranquila; tinha medo, acordava de sobressalto em meio a pesadelos. 

Ele se punha mais abusado e violento a cada dia. “Preciso aguentar…” repetia para si mesma, quando a senhora, desconfiada, descontou, do mirrado ordenado, o valor pela cama quebrada. Queria fugir… seu único consolo era o apego das crianças dos patrões; será que amava mais a eles do que a sua própria filha?! Ela ainda se lembraria do seu cheiro, do seu colo?

“Oh, minha menina, perdoa a tua mãe…”, murmurava ao final do quinto ano encerrada no quartinho daquela casa, sem dinheiro, nem sonhos, nem futuro; cogitava desistir. Seu desejo era voltar, ainda que fosse para assumir que fracassara. Ousou dizer à senhora, que ‘embrabou’ (sic).

Foto: Juliana Barbosa / MST-PR 

– Você é quem sabe. Gente como você é ingrata mesmo! Você é bem tratada aqui, é como se fosse da família. E o que dizer dos meninos?! Iam sentir demais a tua falta. Olha, vamos dar um jeitinho naquele quarto e assim que as coisas melhorarem para nós, também vai melhorar para você. Só te pedimos mais paciência, esse ano te deixamos visitar a tua família. 

Enquanto isso, lá na roça, a avó tratava de buscar uma casa de família onde colocar a neta; afinal, já ia completar 13 anos, era hora de trabalhar.

*Editado por Solange Engelmann

Categorized in:

Governo Lula,

Last Update: 08/08/2025