
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, assinou secretamente uma diretiva que autoriza o Pentágono a empregar força militar em partes da América Latina para combater cartéis de drogas, segundo reportagem publicada nesta sexta-feira (8) pelo jornal The New York Times. O plano inclui operações terrestres, marítimas e ataques aéreos contra grupos como o Tren de Aragua, da Venezuela, e a gangue MS-13, originária de El Salvador. O Brasil não está incluído na fase inicial do programa.
A presidente do México, Claudia Sheinbaum, afirmou que foi informada sobre a ordem, mas minimizou a importância da medida, garantindo que não haverá operações militares dos EUA em território mexicano.
De acordo com o NYT, a iniciativa pode enfrentar obstáculos legais, já que ações militares fora do país geralmente dependem de autorização do Congresso estadunidense. Há também o risco de mortes de civis e de militares durante as incursões. O jornal aponta que militares já começaram a planejar as ações, embora não exista data definida para o início.
Desde que voltou à Casa Branca, em janeiro, Trump anunciou uma ofensiva contra cartéis latino-americanos. Seu governo pressiona países da região para classificar essas organizações como terroristas.
O Brasil foi questionado por Washington sobre o motivo de não incluir grupos como o Primeiro Comando da Capital (PCC) nessa categoria. Um decreto assinado logo após a posse determina que cartéis ligados ao tráfico internacional sejam considerados organizações terroristas internacionais, abrindo espaço para medidas como congelamento de bens e até operações que violem a soberania de outros países.
O texto cita especificamente o Trem de Arágua, que atua em ao menos oito países sul-americanos, e o MS-13, criado em Los Angeles e com raízes em El Salvador.

O documento menciona que, “em certas partes do México, funcionam como entidades quase governamentais, controlando quase todos os aspectos da sociedade”. Para Trump, essas organizações representam ameaça ao “Hemisfério Ocidental” e à segurança nacional.
“É política dos Estados Unidos garantir a eliminação total da presença dessas organizações nos Estados Unidos e sua capacidade de ameaçar o território, a segurança e a proteção dos Estados Unidos por meio de suas estruturas de comando e controle extraterritoriais”, diz o decreto.
O uso da força militar para combater ameaças externas não é novidade na política dos EUA, mas, até agora, ações contra o narcotráfico na América Latina ocorreram geralmente com anuência dos países envolvidos, como na Colômbia.
Diferentemente da “Guerra ao Terror” iniciada por George W. Bush após os atentados de 11 de setembro de 2001, a medida de Trump une o combate ao tráfico à lógica do enfrentamento a grupos terroristas. A decisão sobre quais cartéis serão designados como terroristas caberá ao secretário de Estado, Marco Rubio, e ao Departamento de Segurança Interna.
Integrantes dos grupos que forem incluídos nessa lista podem enfrentar medidas mais duras previstas na legislação estadunidense, como detenções em Guantánamo, prisão localizada em Cuba e alvo de denúncias internacionais por manter pessoas sem julgamento formal e por casos de tortura.
A medida também se conecta a outro decreto assinado por Trump, que determina que as Forças Armadas priorizem a defesa da soberania nacional contra ameaças como tráfico de drogas, imigração em massa e tráfico de pessoas.
Esse segundo texto designa o Comando Militar do Norte (USNORTHCOM) como responsável por repelir ameaças e prevê “avaliações contínuas” sobre “todas as opções disponíveis” para proteger o território dos EUA de invasões de soberania por “nações estrangeiras e organizações criminosas transnacionais”.
Para o cientista político Gunther Rudzit, da ESPM, “o decreto que trata sobre a designação dos cartéis como organizações terroristas internacionais abre espaço apenas para ações não militares”, mas a redação deixa aberta a possibilidade de mudança de estratégia.
Em entrevista ao Globo, Rudzit afirmou que é cedo para prever a aplicação prática dessas medidas, mas destacou que Washington passa a “usar a alegação de terrorismo para combater o narcotráfico”, áreas que antes tinham tratamento distinto na política estadunidense.
Questionado em coletiva sobre a possibilidade de invasão do México, Trump respondeu: “Pode acontecer. Coisas estranhas têm ocorrido”.