Brasil X Tarifaço: a necessidade de mais multilateralismo e menos dependência externa

por André Leão e Fernanda Brozoski

Julho terminou com perspectivas menos preocupantes para o setor petrolífero, após o presidente dos EUA, Donald Trump, isentar o petróleo e seus derivados da nova sobretaxa de 40% sobre os 10% já vigentes, prevista para entrar em vigor em 6 de agosto. A medida integra sua estratégia de guerra comercial em escala global, mas, no caso do Brasil, configura também uma retaliação sem precedentes, caracterizando uma intervenção direta e aberta em assuntos internos do país. Desde o anúncio de 9 de julho, Trump vinculou sua decisão às regulações brasileiras sobre big techs e ao processo judicial contra Jair Bolsonaro, mas o movimento – feito apenas dois dias após a cúpula dos Brics – também representa uma forte pressão geopolítica para testar e influenciar o alinhamento internacional do Brasil. Frente às múltiplas formas de ingerência, é fundamental garantir a defesa imediata da soberania nacional e adotar medidas estruturais que diminuam nossa dependência externa via complexificação produtiva e integração regional.

Trump isentou 694 itens brasileiros; contudo, diferentes estudos apontam que quase 60% das exportações do Brasil para os EUA, em valor, continuam sujeitas às novas tarifas. Setores dependentes do mercado norte-americano, como café e carne bovina, e outros importantes produtos, como açúcar e etanol, serão impactados negativamente. Apesar disso, a isenção do petróleo e derivados representa um alívio significativo, evitando um impacto desastroso para o setor.

Entre janeiro e junho de 2025, conforme dados do Comex Stat, o petróleo bruto foi o principal item da pauta de exportação do Brasil para os Estados Unidos, respondendo por cerca de 11% do total do comércio bilateral. No mesmo período, a soma das importações brasileiras de óleos brutos e derivados de petróleo provenientes dos EUA representou 15,4% do total. Em 2024, os EUA foram o segundo maior destino das exportações brasileiras de petróleo bruto, atrás apenas da China, e também o segundo maior fornecedor de derivados de petróleo ao Brasil, atrás somente da Rússia. Assim, uma alta taxação poderia reduzir significativamente o comércio de insumos estratégicos, prejudicando a economia e a segurança energética de ambos os países, além de exercer forte pressão inflacionária.

O caminho inicial buscado pelo Brasil foi o de tentar reavivar o sistema multilateral de comércio, adotando um discurso crítico no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC), instituição que tem perdido força desde que a Rodada Doha ficou travada, sobretudo após a crise econômica no período pós-2008. Por mais que a posição brasileira tenha sido bem recebida por vários países – principalmente por integrantes do BRICS e da União Europeia (UE) –, ainda é cedo para saber se a iniciativa colherá frutos, tendo em vista que os países têm sido forçados a negociar bilateralmente as tarifas. Até o presente momento, a maior parte deles tem adotado uma posição de contenção de maiores danos.

Embora, a médio e longo prazo, a estratégia estadunidense vise recuperar poder econômico relativo – por meio da atração de investimentos, da ampliação da capacidade produtiva e da geração de empregos nos EUA –, os resultados são incertos, tanto no plano interno quanto no externo. Internamente, uma possível elevação da inflação, fruto do encarecimento dos produtos tarifados, pode impactar o custo de vida da população e fomentar a desestabilização política do governo, incluindo perda de apoio popular e no Congresso. Externamente, as reações de outros países também são imprevisíveis, podendo impulsionar arranjos de cooperação multilateral, como o Brics, e aproximações bilaterais prejudiciais aos interesses estadunidenses.

No caso brasileiro, a postura intransigente dos Estados Unidos compromete a estabilidade das relações bilaterais, ameaça setores econômicos estratégicos e enfraquece os mecanismos de negociação baseados no diálogo e no interesse mútuo. Paradoxalmente, a retaliação dos EUA pode reforçar o posicionamento multilateralista do Brasil, desafiando a influência norte-americana e produzindo efeitos contrários aos seus objetivos geopolíticos. O Brasil tem avançado nesse sentido ao participar ativamente de fóruns e instrumentos voltados à cooperação Sul-Sul e ao fortalecimento dos mercados emergentes – instâncias de concertação que contestam o status quo do sistema internacional liderado pelas potências ocidentais. A ofensiva de Trump pode ter como um dos efeitos prováveis o aprofundamento da aproximação brasileira com o BRICS, especialmente com a China; que já é o principal parceiro comercial do Brasil e tem ampliado significativamente sua presença na América do Sul.

A defesa da soberania no campo diplomático e a busca pela diversificação de parceiros comerciais é o mínimo esperado de uma resposta soberana por parte do Brasil – ainda que tais medidas nem sempre produzam efeitos imediatos, sobretudo em setores condicionados a contratos futuros e a exigências sanitárias e logísticas complexas. No entanto, é fundamental ir além. Ações mais eficazes devem mirar o médio e o longo prazo, por meio de políticas que fortaleçam a capacidade produtiva nacional, promovam a internalização da produção e ampliem a inserção do país em cadeias regionais de valor. Em um cenário internacional cada vez mais instável e conflitivo, avançar em autossuficiência e desenvolvimento não é uma escolha.


André Leão – Pesquisador do Ineep (Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis) e doutor em Ciência Política pelo Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP-UERJ).

Fernanda Brozoski – Pesquisadora do Ineep (Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis) e doutora em Economia Política Internacional (PEPI-UFRJ).

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Last Update: 07/08/2025