A escassez de água potável na Faixa de Gaza atingiu um ponto crítico, agravando a crise humanitária provocada pela ofensiva militar de “Israel”, que já dura quase dois anos. Em meio aos bombardeios, à fome e à destruição da infraestrutura civil, moradores denunciam a ausência completa de abastecimento, o uso de fontes contaminadas e ataques a pontos de distribuição.
“Às vezes sinto como se meu corpo estivesse secando por dentro”, relatou à AFP a palestina Um Nidal Abu Nahl, mãe de quatro filhos. “A sede está roubando toda a minha energia e a dos meus filhos”. Como ela, milhares de famílias relatam a ausência total de água por dias seguidos, sendo obrigadas a recorrer a fontes inseguras, em meio ao calor intenso.
A situação é resultado direto dos ataques israelenses à infraestrutura hídrica e ao bloqueio imposto à entrada de combustível e materiais essenciais. De acordo com Assem al-Nabih, porta-voz da prefeitura de Gaza, mais de 75% dos poços estão fora de operação e cerca de 85% dos equipamentos públicos de saneamento foram destruídos. “A rede de distribuição está completamente comprometida”, afirmou.
A crise sanitária se agravou com o rompimento de cerca de 200 mil metros de encanamento, o que tem provocado inundações de esgoto em áreas residenciais. A única estação de dessalinização em operação depende de fornecimento intermitente de energia, também controlado pela ocupação.
Segundo o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), quase toda a água consumida em Gaza hoje é imprópria para consumo humano. O organismo já havia alertado, em 2021, que o aquífero da região ultrapassava os limites seguros de salinidade e estava sujeito a contaminação por esgoto não tratado. “A falta de água potável é tão mortal quanto a fome”, declarou Rosalia Bollen, porta-voz do Unicef. “É extremamente quente, as doenças estão se espalhando e a água é o problema do qual ninguém está falando o suficiente.”
No dia 13 de julho, pelo menos oito palestinos foram mortos por um ataque israelense a um ponto de distribuição de água no campo de refugiados de al-Nuseirat, segundo a Defesa Civil local. Episódios semelhantes têm se repetido em diversas localidades.
Algumas tentativas de mitigar a crise foram anunciadas, como a transferência de água dessalinizada do Egito para a região de al-Mawasi, no sul da Faixa de Gaza. O projeto, financiado pelos Emirados Árabes Unidos e autorizado por “Israel”, tem sido criticado por organizações humanitárias, que o consideram parte de uma política de confinamento forçado da população em uma faixa de terra superlotada.
No dia 24 de julho, uma coalizão de famílias palestinas emitiu um apelo urgente exigindo a restauração da infraestrutura hídrica, a entrada imediata de combustível e a garantia de fornecimento de ajuda humanitária.
Remoção de escombros busca apagar provas de crimes de guerra
Paralelamente à crise da água, cresce a denúncia de que as forças israelenses estão realizando a retirada sistemática dos escombros de Gaza, sob o pretexto de “remoção de detritos”. A operação, conduzida por empreiteiras israelenses em coordenação com o exército, tem sido denunciada por moradores e especialistas como uma tentativa de eliminar evidências de crimes de guerra e dificultar a reconstrução do território.
Segundo o jornalista palestino Wael Abu Omar, tratores e trituradoras estão operando a céu aberto para reduzir os escombros a pó. “Tudo o que entra é triturado. Não há supervisão. Ninguém tem acesso ou meios para documentar o que está acontecendo”, declarou.
Relatos colhidos pela emissora libanesa Al Mayadeen apontam que o material recolhido é transportado para o interior dos territórios ocupados desde 1948, onde é processado e vendido a empresas de construção. “Estamos assistindo ao roubo industrializado das ruínas de Gaza”, disse Nouh al-Shanghoubi, socorrista da região.
A prática, além de dificultar a comprovação de crimes, representa um obstáculo adicional à reconstrução. O economista Ahmad Abu Qamar afirmou que a remoção dos entulhos elevará em mais de 20% os custos de recuperação das cidades destruídas. “Esse material poderia ser reutilizado localmente, reduzindo a dependência de insumos externos, que estão bloqueados”, declarou.
Estima-se que mais de 50 milhões de toneladas de escombros cubram atualmente a Faixa de Gaza. Com a destruição completa da cadeia de abastecimento, muitos moradores passaram a reutilizar pedaços de concreto, ferro retorcido e azulejos quebrados para reconstruir cômodos ou improvisar abrigos. “As pessoas estão tentando, com o que têm, reconstruir pelo menos um canto da casa”, afirmou Abu Omar.
Entulho tem valor forense e estratégico
Autoridades locais alertam ainda para o risco de apagamento de provas. Fragmentos de mísseis, cápsulas de bombas e outros materiais explosivos, encontrados nos escombros, poderiam ser utilizados em investigações internacionais. “Cada caminhão retirado representa uma prova a menos”, disse Mohammad al-Haj Youssef, da Defesa Civil de Rafá. “É uma estratégia para impedir qualquer responsabilização futura”.
A retirada sistemática também tem implicações militares. Ao limpar completamente os bairros arrasados, “Israel” elimina pontos de cobertura e abrigo para combatentes da resistência. Abu Omar explicou que os escombros representam uma dificuldade para o avanço das tropas de ocupação e, por isso, são removidos.
A denúncia se soma às críticas já feitas à destruição de hospitais, escolas, universidades, edifícios residenciais e centros culturais, que vêm sendo bombardeados sistematicamente. Organismos internacionais afirmam que o número de vítimas civis é compatível com crimes de guerra e que a ocupação tem adotado uma política deliberada de destruição total.
Com o bloqueio ao fornecimento de energia e gás, famílias palestinas passaram a usar restos de madeira e plástico encontrados entre os escombros para cozinhar ou manter os filhos aquecidos. Em alguns casos, pedaços de concreto e vigas de ferro foram reaproveitados na reconstrução de cômodos provisórios.
Enquanto isso, a crise de água e o saque das ruínas continuam, aprofundando a destruição e dificultando qualquer perspectiva de reconstrução. A população de Gaza, privada de recursos básicos, segue sob ataque permanente da ocupação sionista, enfrentando um cerco militar, econômico e humanitário que se intensifica a cada dia.