O primeiro semestre de 2025 marcou um novo capítulo na relação sino-brasileira. Com US$ 379 milhões em investimentos diretos da China no Brasil para participação societária, o volume ultrapassou os registros anuais desde 2018, segundo dados do Banco Central. A cifra, embora aparentemente modesta frente a outros países, omite a complexa teia de veículos de investimento indireto usados por empresas chinesas — como subsidiárias em paraísos fiscais ou centros financeiros como Holanda e Luxemburgo.
Na prática, o movimento chinês é muito mais robusto, e os casos recentes falam por si: aquisições estratégicas em energia, infraestrutura e até mesmo bens de consumo, como a entrada da gigante Meituan no delivery e a estreia iminente da rede de bebidas Mixue. A aproximação também responde, segundo analistas, a tensões com os Estados Unidos e à busca da China por mercados mais receptivos, como o brasileiro.

De commodities à infraestrutura e consumo: a nova rota do investimento
Historicamente concentrado em commodities como soja, petróleo e minério, o capital chinês agora permeia áreas diversas. No setor de infraestrutura, os exemplos se multiplicam: a CRRC, maior fabricante de trens da China, abrirá fábrica em São Paulo; a CCCC mira o túnel Santos-Guarujá; a State Grid opera projetos de transmissão com R$ 18 bilhões previstos; e a Cofco, no setor portuário, constrói terminal próprio no porto de Santos.
Essa transformação reflete a orientação estratégica de Pequim em internacionalizar suas empresas em setores de maior valor agregado e com foco no mercado consumidor. O avanço de marcas como Shein, 99, Meituan e Mixue revela que a China também vê o Brasil como mercado final e não apenas como fornecedor de matérias-primas.
Parceria pragmática em tempos turbulentos
A ofensiva chinesa no Brasil não ocorre em vácuo. Ao contrário: surge em um contexto de escalada protecionista nos EUA, especialmente após a imposição de tarifas de 50% por Donald Trump sobre produtos brasileiros. Embora os motivos alegados por Washington envolvam críticas à gestão ambiental e política, analistas como Drausio Giacomelli, do Deutsche Bank, não descartam uma resposta indireta à crescente aliança Brasil-China — que inclui até projetos ambiciosos como a ferrovia transoceânica Atlântico-Pacífico.
Neste cenário, o Brasil se posiciona como “parceiro confiável” para os chineses, nas palavras da economista Fabiana D’Atri, da Bradesco Asset Management e do Conselho Empresarial Brasil-China. E isso se explica: a China já responde por 28% das exportações brasileiras e 41,4% do superávit comercial do país.
Perspectiva geopolítica: Brasil como ponte para o mundo
Para além dos números, a dimensão geopolítica da relação é cada vez mais evidente. Membro fundador do Brics, possível signatário da Iniciativa Cinturão e Rota e parceiro em projetos estratégicos, o Brasil se consolida como ponte de acesso da China a mercados resistentes, como Europa e América Latina. Com o cerco fechado em países como Alemanha, Canadá e Austrália, Pequim vê no Brasil um hub estratégico para expansão global.
E o Brasil, por sua vez, ganha acesso a capital, tecnologia e mercados, desde que consiga equilibrar segurança jurídica com atratividade comercial. Os ETFs de ações chinesas lançados no mercado brasileiro e as tratativas para permitir a entrada de investidores chineses na B3 mostram que a integração pode ser ainda mais profunda.
Uma nova fase na relação Brasil-China
O investimento chinês no Brasil deixou de ser apenas sinônimo de soja e minério. Ele agora traduz uma visão estratégica de longo prazo, que mistura interesses geopolíticos, oportunidades de mercado e reorientações políticas globais. Resta ao Brasil aproveitar o momento, ampliando projetos, facilitando a entrada de capital produtivo e garantindo previsibilidade para manter o país como destino preferencial de uma das maiores potências do século XXI.
Com informações do Valor Econômico