Em um seminário recente da XP, ícone da Faria Lima, setores da direita e alguns governadores fizeram o que muitos deles não têm coragem: transformar o ataque e a agressão do governo de Donald Trump à soberania, ao Estado, à Constituição e à democracia do Brasil em falta de diálogo do presidente Lula.
Ignora-se, assim, a característica essencial da política externa de Trump, isto é, a condição de fonte inspiradora da extrema direita e do neofascismo internacional, e uma política que gera instabilidades econômicas em nível global, impõe riscos à paz e à soberania de outros países em múltiplas fronteiras e exerce um novo tipo de imperialismo – para usar um termo da insuspeita The Economist – a fim de evitar o fortalecimento do Brics e a construção de uma nova ordem internacional, na qual os EUA não têm o poder de ditar o mundo.
As cabeças de setores da Faria Lima fingem desconhecer que, no projeto de Trump, a única lei internacional que conta é a lei do mais forte. Assim como Hitler anexou a Áustria, Trump disse que anexaria o Canadá. Tal qual Hitler fez ao ocupar os Sudetos na então Tchecoslováquia, Trump prometeu ocupar o Panamá e comprar a Groenlândia, e amanhã pode anunciar que deseja comprar a Amazônia. São fatos e ameaças históricos.
Nada disso, porém, parece convencer nossa direita. Não estou falando de Jair Bolsonaro e filhos, e sim de certos partidos e alguns governadores da direita brasileira.
A bem da verdade, o tarifaço, além de uma declaração de guerra comercial contra todos, não é o objetivo central de Trump. E nossa direita sabe disso. A direita sabe também que Trump e seu chefe do Departamento de Estado, Marco Rubio, não escondem seu objetivo de mudar o governo do Brasil e reinstalar no Palácio do Planalto a família Bolsonaro. Assim mesmo, cruamente, como se fôssemos um quintal do Império. A direita sabe ainda que a anistia a Bolsonaro e a capitulação do nosso Judiciário representam a vontade do Império. Que estão em jogo os interesses das big techs. Que o Brasil tem déficit comercial com os EUA e que não há nenhum contencioso que não seja negociável, seja aço, etanol ou suco de laranja. Sabem, por fim, que o PIX é um dos objetos de desejo das empresas financeiras norte-americanas.
Enquanto isso, a Faria Lima e a direita brasileira se submetem aos interesses das big techs, das empresas de cartão de crédito norte-americanas, esse dinossauro que tende a desaparecer frente ao PIX, e à humilhante proposta de trocar nossa independência pelos minerais críticos. Enquanto isso, adotam um silêncio comprometedor e cúmplice sobre a violência contra os brasileiros e brasileiras que imigraram para os EUA e mesmo turistas e estudantes humilhados na entrada do país. Ajoelhar-se seria mais fácil.
Lula, nosso presidente, tem agido segundo o que recomenda a Constituição, a tradição de nossa política externa e os princípios elementares de soberania. O Brasil não tem conflito com nenhum país. A política externa brasileira é tradicionalmente negociadora e defensora das leis e da ordem internacional, ainda que a queira reformar. Historicamente somos adeptos da solução pacífica dos conflitos e das negociações comerciais no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC).
A XP, a Faria Lima e a direita brasileira sabem que Trump não indicou seu embaixador no Brasil e transformou Eduardo Bolsonaro num usurpador dos interesses brasileiros, um conselheiro do presidente dos EUA sobre o Brasil e o protagonista de um ato de traição nacional.
Nos seus dois primeiros mandatos, Lula governou com George Bush, do Partido Republicano, e com Barack Obama, do Partido Democrata, e no início do terceiro mandato com o Joe Biden, também democrata. Com esses três diferentes presidentes na Casa Branca não há registro de um ato sequer em suas gestões que não fosse de busca das melhores relações com os EUA, sem abrir mão de nossa soberania e independência.
Assim, o que estamos assistindo no Brasil é uma vergonha, um servilismo que nos lembra outro fato histórico, a rendição da Grã-Bretanha a Hitler pelas mãos do primeiro-ministro Neville Chamberlain nos acordos de Munique, em setembro de 1938. (Na época, Churchill disse a Chamberlain a famosa frase: “Entre a desonra e a guerra, escolheste a desonra, e terás a guerra”). Isso sem falar nas quintas colunas que serviam ao nazifascismo em seus países, como Vidkun Quisling, o primeiro-ministro fantoche de Hitler na Noruega ocupada.
Outro argumento falso oferecido pelo mercado financeiro e pela direita brasileira é sobre o dólar e o Brics. O que ameaça a hegemonia dos EUA e do dólar é o déficit público, a dívida interna norte-americana e o custo de sua máquina de guerra, agora agravado pela reforma fiscal de Trump, a um custo de US$ 4 trilhões – mais o tarifaço, que trará inflação e recessão e nada indica que resolverá a perda da hegemonia do país e os desafios de sua economia.
O que fez surgir propostas de moedas alternativas ao dólar foi o uso do dólar como arma de guerra e sanções. Não se trata, portanto, de uma proposta de esquerda ou ideológica. O próprio euro foi uma resposta ao uso do dólar como instrumento de coerção e guerra comercial.
A Faria Lima e a direita sabem disso e poderiam pelo menos agir com a dignidade do primeiro-ministro da França, François Bayrou, que classificou o recente acordo UE-EUA como um “dia sombrio de submissão”. Diante do alinhamento europeu às exigências de Trump, ele afirmou que esse “dia sombrio” foi aquele em que “uma aliança de povos livres, reunidos para afirmar seus valores e defender seus interesses, se resigna à submissão”.
A direita também sabe que Trump busca desvalorizar o dólar para resolver a perda de competitividade da sua economia pela via mais fácil, ainda que de alto risco. E assim promove esse convescote envergonhado que tenta culpar a vítima – o Brasil, seu povo, seu bem-estar, sua economia, sua soberania e sua independência – e não apoiar o governo e a democracia brasileira.
Suas lideranças não são capazes sequer de defender nossas empresas e empregos, e se perdem na mesquinharia das eleições de 2026, com louvores a prováveis candidatos. No fundo querem esconder, envergonhados, sua rendição a Trump e sua traição à defesa de nossa soberania e democracia.
José Dirceu é ex-deputado federal, ex-presidente do PT e ex-ministro da Casa Civil
Artigo publicado inicialmente no site da CNN Brasil