O 16º Congresso do Partido Comunista do Brasil acontece em um momento decisivo. O país ainda lida com as feridas abertas pelo bolsonarismo, a ascensão da extrema direita e a força cultural do neoliberalismo. É tempo de coragem, de rigor teórico e de fidelidade à vida concreta do povo brasileiro.
O Congresso precisa ser mais do que um encontro de ideias: deve ser uma afirmação prática de enraizamento popular. E, para isso, é necessário olhar para as contradições que estruturam o Brasil, entre elas, a dimensão religiosa da vida popular. O povo brasileiro construiu sua resistência e sua esperança com fé, especialmente nas expressões do cristianismo popular. Compreender essa realidade é um passo estratégico para qualquer projeto verdadeiramente revolucionário.
1. A luta de classes e a fé do povo: contradições que exigem escuta
Por décadas, parte da esquerda tratou a religião como puro instrumento de alienação. Ignorou-se que a fé também pode ser espaço de solidariedade, denúncia da injustiça e construção de comunidade. As Comunidades Eclesiais de Base, a Teologia da Libertação, os terreiros afro-brasileiros e o evangelismo periférico são expressões complexas e contraditórias da vida popular. São territórios que não podem ser abandonados.
Como nos alertou Marx, a religião é o “suspiro da criatura oprimida”. Não se trata de legitimar dogmas, mas de reconhecer que a fé dá linguagem e forma à dor real das massas, e também às suas aspirações. O campo religioso é uma arena de disputa ideológica e material. É parte da luta de classes.
2. O Rio de Janeiro: território simbólico da disputa religiosa
O Rio de Janeiro expressa, de forma intensa, as tensões que marcam o Brasil contemporâneo. De acordo com o Censo de 2022, os católicos caíram de 45,8% para 38,9% da população. Os evangélicos chegaram a 29,4%, e os que se declaram sem religião já são 16,9%, uma das maiores proporções do país. Também há forte presença de espiritualidades afro-brasileiras e espíritas, especialmente nas periferias.
Esses dados revelam mais do que mudanças estatísticas: revelam a dinâmica simbólica dos territórios. Nas favelas, montes, igrejas e terreiros, a fé organiza o cotidiano, oferece sentido à vida e constrói vínculos comunitários. A extrema direita percebeu isso antes de nós. Bolsonarismo, fundamentalismo e militarismo se articularam com eficácia no campo religioso, enquanto setores da esquerda permaneceram distantes, céticos ou indiferentes.
3. O Partido precisa estar onde o povo vive, crê e sonha
Não se trata de abandonar o racionalismo ou o programa socialista, mas de dialogar com a alma popular. A fé, mesmo quando capturada por discursos reacionários, manifesta o desejo por justiça, cura, libertação. É preciso disputar o conteúdo das crenças, construir pontes com experiências progressistas de fé e investir na formação política dentro dos espaços onde o povo respira esperança.
O Estatuto do PCdoB afirma que o Partido atua com base no materialismo dialético e na análise concreta da realidade. Isso exige reconhecer que o culto, o símbolo, a oração e a moral popular não são desvios, mas expressões legítimas da cultura popular. Ignorar esse universo é ceder ainda mais espaço à direita religiosa.
4. Frente ampla: tática necessária, mas insuficiente
A construção da frente ampla para derrotar o fascismo foi um passo acertado. Mas é preciso seguir adiante. Nenhuma aliança institucional substitui o trabalho de base, a disputa de valores e a construção de
hegemonia cultural. A frente ampla é um caminho tático. A luta pelo socialismo é o horizonte estratégico.
Se queremos reorganizar as massas em torno de um projeto transformador, devemos aceitar que a religião compõe a subjetividade popular. A revolução brasileira passará necessariamente por esse terreno.
5. Um Partido que reconstrói com o povo
O PCdoB tem a chance histórica de reposicionar-se como força da reconstrução nacional a partir das raízes do povo. Isso não significa negar a cultura popular, mas elevá-la de modo crítico. Assim como esteve presente nos sindicatos, nos movimentos estudantis e nas lutas comunitárias, o Partido precisa marcar presença também nos espaços de fé. Com coragem, firmeza ideológica e sensibilidade dialética.
Conclusão: sem o povo real, não há revolução possível
O 16º Congresso deve reafirmar o compromisso marxista-leninista do PCdoB, mas esse compromisso será vazio se não estiver enraizado no cotidiano concreto do povo. Um povo que canta hinos, sobe o monte, gira no terreiro, acende vela e clama por justiça com palavras religiosas, mas com dores profundamente materiais.
Ser um Partido com a cara e a alma do Brasil exige mais do que programa: exige presença. Presença que escuta, caminha e sonha junto. Porque não haverá revolução no Brasil sem o coração, a fé e o chão do seu povo.
Rodrigo Azevedo Lobo é militante do PCdoB/RJ