Eduardo Bonzatto*, Pragmatismo Político

A prisão cartesiana da razão é o cânone.
E o que é o cânone?
A história oficial, eis a resposta. A filosofia ocidental. Uma linha direta que liga o moderno ao passado remoto. Tudo que se sabe como sendo irrefutável. É o eurocentrismo em sua forma mais genérica. Todo o resto é periférico.
E sob a tutela do cânone, não há divisão entre modernidade e pós-modernidade. Tudo continua alinhado na coluna vertebral do cânone.
Como essa prisão se impõe?
A mente racional acredita na separação entre encantamento e esclarecimento. Uma vez crente que existe a ruptura, apenas as conveniências do moderno se fixarão. É uma forma de totalitarismo dogmático ou de absolutismo racional. Tudo que estiver fora do cânone é fé ou crendice.
Além disso, sempre haverá nessa prisão um aspecto de ordem que se insurge contra o caos.
Assim, a teoria assume o lugar da experiência e viver passa a ser teorizar. A crença em teorias é a solidificação das certezas diante da imprevisibilidade do caos.

Leia aqui todos os textos de Eduardo Bonzatto

Ao adaptar a teleologia cristã ao cientificismo racionalista, a prisão cartesiana verificou (verificação igual a fazer verdades) que o futuro era a âncora que ligava tecnologia, desenvolvimento e progresso como elementos da natureza humana. Um devir sempre ansiado e, portanto, determinante das ações no presente. E esse determinismo encarcerou definitivamente o pensamento, que nascia como evidência de existência e passaria a ser prova de longevidade epistêmica.
Não deixa de ser intrigante ver pensadores racionalistas e inteligentinhos tentando fazer a crítica da modernidade nos cárceres lineares do cartesianismo. Justificam a crítica com o passado incólume da filosofia grega como base. E não sentem um pingo de vergonha da falácia que causam.
E falam do encantamento do mundo como ingenuidade mental diante de uma explicação do mundo deificante. Como se o cientificismo que explica as regulações da natureza houvesse descoberto mais uma verdade.
É uma prisão sem saída, pois foi construída na forma pensamento que domina completamente a mente.
E a mente se tornou esclarecedora. Sem nenhuma dialética do esclarecimento que resolva a equação falaciosa.
Tudo se transforma numa dualidade funcional. Evolucionismo ou criacionismo é seu avatar. O mesmo dividido em dois. E qualquer escapatória cai na dicotomia revoltante.
Não há saída. Humanos aprisionados pela arrogância intelectual da verificação.
Como não parece haver retorno ao reino da superstição sob pena de ser ridicularizado, todo resto parece aturdido pelo poder do conhecimento.
Felizmente é o caos que prevalece sob a superfície ornamentada pela racionalidade. E o caos não tem pai nem mãe que lhe dirija uma ordem.
E pouco importa se alguém lhe acusa de demência. Sob a superfície é tudo convulsão.

*Eduardo Bonzatto é professor da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB) escritor e compositor

→ SE VOCÊ CHEGOU ATÉ AQUI… Saiba que o Pragmatismo não tem investidores e não está entre os veículos que recebem publicidade estatal do governo. Fazer jornalismo custa caro. Com apenas R$ 1 REAL você nos ajuda a pagar nossos profissionais e a estrutura. Seu apoio é muito importante e fortalece a mídia independente. Doe através da chave-pix: [email protected]</strong

Categorized in:

Governo Lula,

Last Update: 03/08/2025