O assassinato do professor e ativista palestino Awdah Hathaleen, consultor do documentário vencedor do Oscar No Other Land, por um colono israelense na vila de Umm al-Khair, na Cisjordânia ocupada, reacendeu a indignação internacional contra a violência de colonos.
Hathaleen foi baleado no peito, na última segunda-feira (28), pelo colono Yinon Levi, já sancionado pela União Europeia e pelo Reino Unido por ataques anteriores, durante um novo episódio de invasão de terras palestinas no sul de Hebron.
A morte ocorre em um contexto de escalada da violência contra palestinos na Cisjordânia. Dados da ONU indicam que mais de mil palestinos foram mortos desde outubro de 2023 na região, em ações de colonos e do Exército israelense, e que os ataques se intensificaram nas últimas semanas.
Em Umm al-Khair, segundo testemunhas, Levi abriu fogo depois que moradores tentaram impedir a destruição de propriedades por uma escavadeira.
“[Levi] imediatamente começou a atirar aleatoriamente em todos. Dissemos a ele: ‘Há muitas pessoas aqui, há crianças – não atire!’ Mas ele atirou mesmo assim. Awdah nem estava envolvido”, contou Alaa Hathaleen, cunhado do ativista, à imprensa local.
O caso gerou uma onda de condenações internacionais. O Ministério das Relações Exteriores da França classificou a violência de colonos como “terrorismo” e exigiu que Israel responsabilize o assassino de Hathaleen.
“A França condena este assassinato nos termos mais fortes e toda a violência deliberada perpetrada por colonos extremistas contra a população palestina”, disse o governo francês em nota oficial.
A repressão também atingiu o luto pela vítima. Na terça-feira (29), cerca de uma dúzia de soldados israelenses invadiram a tenda de luto de Hathaleen em Umm al-Khair, expulsaram moradores e jornalistas e prenderam dois ativistas internacionais, em mais uma demonstração da impunidade garantida aos colonos armados.
“Ir ao lugar onde o mataram, de onde o mataram, e expulsar as pessoas? Isso não é vida, isso é contra qualquer lei do mundo”, protestou Alaa Hathaleen.
Impunidade na Cisjordânia ocupada é plano de governo, diz ativista
A morte de Awdah Hathaleen expôs, mais uma vez, a impunidade que cerca os ataques de colonos israelenses contra palestinos na Cisjordânia. Levi foi preso após o ataque, mas colocado em prisão domiciliar menos de 24 horas depois, enquanto sete palestinos – incluindo dois ativistas internacionais – foram detidos pelo Exército israelense na mesma operação.
O advogado de direitos humanos Michael Sfard, um dos mais reconhecidos em Israel, afirmou que os colonos armados agem com “quase completa impunidade” no país.
“A justiça, que no passado já aparecia em ritmo de milagres, desapareceu completamente. Portanto, a violência de colonos é violência de Estado e serve aos interesses políticos e ideológicos de Israel”, disse Sfard.
Na França, o Ministério das Relações Exteriores reiterou que a escalada da violência de colonos e a política de anexação da Cisjordânia são ilegais à luz do direito internacional. O governo francês também pediu que Israel interrompa os ataques e permita que as investigações avancem.
Ativistas palestinos afirmaram que a morte de Hathaleen simboliza o projeto de desintegração da comunidade de Masafer Yatta, alvo de despejos forçados e destruições de casas por Israel.
Hathaleen, que era professor e pai de três crianças, documentava em reportagens a pressão contínua sobre as vilas da região. Em seu último texto publicado na revista +972, ele escreveu que a ocupação condenava sua comunidade ao “trauma multigeracional”.
Escalada da violência e projeto de anexação
A morte de Awdah Hathaleen está inserida em um quadro mais amplo de escalada da violência na Cisjordânia ocupada e de avanço do projeto de anexação promovido pelo governo de extrema direita de Benjamin Netanyahu.
Dados das Nações Unidas mostram que, desde outubro de 2023, mais de mil palestinos foram mortos na Cisjordânia por ações de colonos e do Exército israelense. Apenas entre 15 e 21 de julho, a ONU registrou 27 ataques de colonos resultando em mortes ou destruição de propriedades.
Os colonos atuam armados e com ampla proteção política, principalmente após a chegada de Smotrich e Ben Gvir aos postos-chave do governo.
Além de expandirem assentamentos ilegais, eles defendem abertamente a expulsão em massa de palestinos. As vilas de Masafer Yatta, onde vivia Hathaleen, são alvo recorrente dessas ações: casas demolidas, redes de água destruídas e terras confiscadas.
Em um de seus últimos artigos, Hathaleen escreveu que a ocupação “condena a comunidade ao trauma multigeracional”, descrevendo como crianças presenciam sistematicamente as operações de demolição.
Organizações de direitos humanos alertam que o objetivo estratégico do governo israelense é fragmentar e expulsar as comunidades palestinas da Cisjordânia, consolidando a anexação do território.
“Esses ataques não são isolados. Eles estão ligados ao projeto de longo prazo de Israel para a Cisjordânia”, afirmam os grupos.
Holanda bane Smotrich e Ben Gvir e pressiona Israel na UE
Antes, a indignação internacional com a violência de terroristas judeus na Cisjordânia ocupada também já havia se expressado em medidas políticas. Os Países Baixos anunciaram, na segunda-feira (28), que os ministros israelenses Bezalel Smotrich (Finanças) e Itamar Ben Gvir (Segurança Nacional) foram declarados personae non gratae e estão proibidos de entrar no país.
Segundo o ministro das Relações Exteriores holandês, Caspar Veldkamp, a decisão se baseia na “incitação repetida à violência de colonos contra palestinos, defesa da expansão de assentamentos ilegais e apologia da limpeza étnica em Gaza”.
Em carta ao Parlamento, Veldkamp afirmou que ambos foram oficialmente incluídos no sistema migratório como “estrangeiros indesejáveis”.
A medida foi aprovada em reunião de emergência do gabinete holandês, que também anunciou 4,5 milhões de euros em ajuda humanitária para Gaza e a quase total suspensão de licenças de exportação de armas para Israel.
O primeiro-ministro Dick Schoof disse ainda que a Holanda pressionará a União Europeia a adotar sanções comerciais e a suspender a participação de Israel no programa de pesquisa Horizon Europe, por violar obrigações de direitos humanos.
Os Países Baixos se juntam a uma lista crescente de países que já baniram Smotrich e Ben Gvir, incluindo Reino Unido, Austrália, Canadá, Nova Zelândia, Noruega e Eslovênia.
“Em um lugar onde o terrorismo é tolerado e os terroristas são bem-vindos, um ministro judeu de Israel é indesejado”, reagiu Ben Gvir em mensagem nas redes sociais. Smotrich acusou a Holanda de “se render às mentiras do Islã radical” e disse que “os judeus nunca estarão seguros na Europa, como não estiveram no passado”.