Em meio à ofensiva comercial de Donald Trump, um encontro entre o encarregado de negócios dos Estados Unidos no Brasil, Gabriel Escobar, e representantes da mineração na última semana escancarou um antigo interesse dos EUA: as terras raras brasileiras.

Com a segunda maior reserva conhecida desses minerais estratégicos — essenciais para a transição energética — o Brasil se apresenta como um oásis ainda pouco explorado. E, mais do que isso, como uma possível alternativa ao domínio quase absoluto da China nesse mercado.

Apesar do nome, as chamadas “terras raras” não são exatamente raras. O grande gargalo está na extração e purificação desses elementos com alto grau de pureza — processo caro, lento e tecnologicamente exigente. São 17 elementos químicos encontrados geralmente misturados a outros minérios, explica o geólogo Roberto Xavier, professor da Unicamp e diretor da Agência para o Desenvolvimento e Inovação do Setor Mineral Brasileiro.

“São elementos químicos muito importantes na fabricação de um conjunto muito amplo de tecnologias avançadas, especialmente na geração de energia de baixo carbono”, diz. “Todo país tem sua lista de minerais críticos, e se juntarmos as listas das maiores potências como a União Europeia, China e EUA, nós temos grandes reservas de todos eles no Brasil.”

Atualmente, a China concentra quase metade das reservas do planeta e domina mais de 90% do refino, etapa essencial para transformar um conjunto misturado de minérios em um produto utilizável pela indústria. Esse protagonismo incomoda o governo norte-americano, que busca no Brasil uma solução para sua dependência da exploração e da tecnologia chinesa.

A única mineradora de terras raras a operar no Brasil já é dos EUA

O interesse norte-americano não é novo, mas voltou ao centro das atenções com o crescimento da demanda por minerais estratégicos. Apesar do potencial, o Brasil ainda engatinha: em 2024, respondeu por menos de 0,01% da produção global de terras raras. O setor opera sem um marco regulatório, embora o Ministério de Minas e Energia prometa publicar a Política Nacional de Minerais Estratégicos ainda este ano.

A vocalização desses interesses em meio aos ataques do governo Trump, contudo, irritou o Palácio do Planalto. O próprio presidente Lula (PT) reagiu à movimentação, aproveitando para reforçar o discurso de defesa da soberania nacional em reação aos desmandos norte-americanos.

“Por que vou deixar para outro pegar? Temos que autorizar a empresa a pesquisar sob o nosso controle. A hora que a gente der autorização e ela encontrar, não pode vender sem conversar com o governo, muito menos vender a área. Porque aquilo é nosso”, disse em um evento na segunda-feira 28 em que anunciou uma comissão para mapear minerais os críticos no País.

Apesar do tom nacionalista, a única mineradora de terras raras em operação no Brasil é controlada por capital estrangeiro — e, ironicamente, norte-americano. A Serra Verde, que opera em Minaçu, no norte de Goiás, pertence a dois fundos dos EUA e um britânico. A produção, no entanto, ainda é modesta: em 2023, exportou 480 toneladas de óxidos concentrados, distante da meta de 5 mil toneladas anuais que poderia colocá-la como alternativa real à hegemonia chinesa.

Planta da Serra Verde, em Goiás. Foto: Divulgação

O que falta ao Brasil

Estima-se que o desenvolvimento completo de uma mina de terras raras, desde a pesquisa inicial até o início da produção, leve de 10 a 15 anos. E um dos maiores obstáculos, segundo especialistas, é o financiamento. “São empresas que precisam da bolsa de valores para poder atrair investimentos estrangeiros porque, internamente, nós não temos mecanismos semelhantes r”, diz Xavier.

A expectativa é que a nova política nacional ajude a destravar os investimentos e desenvolver o setor. Para Xavier, o verdadeiro salto seria dominar o refino e a separação dos elementos, etapa que multiplica em até 20 vezes o valor de mercado do minério.

“Temos vários projetos em estudo que logo podem começar a operar, mas eles vão até a venda do concentrado”, avaliou.

O domínio chinês, lembra o geólogo, é fruto de um esforço deliberado iniciado ainda nos anos 1970, com décadas de investimento contínuo até atingir o nível atual de sofisticação e escala.

Recuperar o tempo perdido no Brasil dependerá de um player fundamental: o BNDES. O governo brasileiro anunciou em junho, antes da divulgação da conversa do representante dos EUA, a seleção de 56 projetos em minerais críticos que poderão disputar uma fatia de até 1 bilhão de dólares em financiamento público.

O pacote integra o esforço para destravar cadeias locais de terras raras, lítio, grafite, cobre, silício e outros insumos essenciais à transição energética e à indústria de baixo carbono. Os investimentos envolvem a duas frentes: incentivar atividades de pesquisa e desenvolvimento que viabilizem a exploração desses minerais e fortalecer o beneficiamento interno dos minérios, buscando agregar valor à produção nacional.

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Last Update: 30/07/2025