A União Europeia aceitou neste domingo (27) um acordo comercial imposto por Donald Trump, atual presidente dos Estados Unidos, que triplica a tarifa média sobre seus produtos exportados ao mercado norte-americano.
Antes em torno de 4,8%, as tarifas passam agora a 15% para cerca de 70% das exportações europeias, incluindo automóveis, aço, vinhos e produtos industrializados. A decisão foi anunciada após uma reunião relâmpago entre Trump e Ursula von der Leyen no resort de Turnberry, na Escócia.
O pacto encerra uma rodada de quatro meses de ameaças tarifárias unilaterais por parte da Casa Branca, que chegaram a incluir a possibilidade de tarifas de até 30% caso nenhum acordo fosse alcançado até 1º de agosto.
Em troca da trégua parcial, a União Europeia se comprometeu com contrapartidas bilionárias: serão US$750 bilhões em compras de energia e semicondutores dos EUA, além de US$600 bilhões em investimentos, incluindo aquisição de equipamentos militares.
Mesmo com o alívio nos mercados financeiros, analistas classificaram o acordo como profundamente assimétrico e desfavorável à Europa.
Além do impacto econômico direto, o acordo expõe divisões internas na Comissão Europeia e levanta críticas sobre a condução do processo por Ursula von der Leyen, presidente da comissão.
Setores da diplomacia europeia, liderados por Sabine Weyand, defendiam uma resposta mais firme às ameaças de Trump, com uso das ferramentas de retaliação já autorizadas. A opção pelo recuo, segundo diplomatas ouvidos pela imprensa europeia, visou preservar a relação estratégica com Washington em meio à guerra na Ucrânia e ao risco de desestabilização geopolítica.
Trump impôs os termos e deixou a Europa em posição defensiva
Durante as negociações, Trump repetiu seu método de chantagem tarifária. Menos de uma hora antes do encontro com Ursula von der Leyen em Turnberry, o presidente norte-americano declarou que as chances de acordo eram de apenas “50-50” e que ainda restavam “três ou quatro pontos difíceis”.
O clima de pressão dominou os bastidores até o momento da assinatura. Ao final, Trump saudou a vitória diplomática como “um grande acordo”, “uma parceria importante” e “uma grande decisão” que “resolve muitas coisas”.
Para além da elevação das tarifas, o acordo incluiu o compromisso europeu de comprar US$ 750 bilhões em petróleo, gás natural liquefeito, combustível nuclear e semicondutores dos Estados Unidos ao longo de três anos — o que ele descreveu como “um pacto poderoso”.
Von der Leyen tentou transmitir a imagem de que havia garantido previsibilidade diante do pior cenário.
“As duas maiores economias devem ter um bom fluxo comercial”, declarou à imprensa, ao afirmar que o pacto traria “estabilidade” e “previsibilidade”. Mais do que uma celebração, sua fala indicava um esforço de contenção de danos e defesa do acordo frente à opinião pública europeia.
“Vocês viram a tensão no início. Tivemos que trabalhar muito para chegar a uma posição comum”, disse Ursula aos jornalistas no aeroporto de Glasgow.
O tom adotado por Von der Leyen contrasta com a avaliação de diplomatas que acompanharam as negociações nas semanas anteriores.
Reportagens do Financial Times e do Guardian apontam que, enquanto a presidente da Comissão buscava uma trégua a qualquer custo, outros quadros da Comissão Europeia — especialmente Sabine Weyand — defendiam a ativação imediata das tarifas retaliatórias já aprovadas, no valor de €93 bilhões.
A relutância de Ursula em confrontar Trump, mesmo diante da ameaça de uma tarifa de 30%, marcou uma inflexão na postura diplomática da União Europeia desde o início do segundo mandato do republicano.
Setores atingidos e críticas internas expõem desequilíbrio da barganha
O acordo firmado em Turnberry estabelece uma tarifa-base de 15% sobre aproximadamente 70% das exportações europeias para os Estados Unidos, substituindo a média anterior de 4,8%.
Produtos como automóveis, aço, vinhos, destilados e bens industriais estão entre os mais atingidos. No caso do aço, por exemplo, a tarifa de 50% imposta por Trump ainda em abril seguirá em vigor até a definição de um novo regime de cotas.
Embora a alíquota de 15% represente um alívio em relação à ameaça de 30%, ela normaliza uma taxação punitiva permanente sobre a indústria europeia e consolida um prejuízo significativo para exportadores do continente.
O pacto prevê ainda uma lista de isenções tarifárias concentradas em setores estratégicos para os próprios EUA, como peças de aeronaves, certos produtos químicos, equipamentos de semicondutores, medicamentos genéricos, cortiça e matérias-primas críticas.
No entanto, não há reciprocidade clara em áreas sensíveis para a Europa, como automóveis, aço ou vinhos.
A situação do setor farmacêutico ilustra a falta de transparência: enquanto von der Leyen afirmou que os produtos farmacêuticos estão sujeitos à tarifa de 15%, autoridades dos EUA indicam que esse setor está temporariamente isento até a conclusão de uma nova investigação de segurança nacional — e, mesmo com eventual taxação, haveria um teto de 15%.
A ausência de detalhes formais sobre o pacto e o fato de o texto ainda depender de aprovação pelos 27 Estados-membros da União Europeia aumentam a percepção de que a barganha favoreceu amplamente os interesses norte-americanos.
O primeiro-ministro francês, François Bayrou, classificou o resultado como “um dia sombrio para a Europa”, afirmando que o bloco “se resignou à submissão”. O ministro do Comércio da França, Laurent Saint-Martin, foi ainda mais direto: “Donald Trump só entende a força. Teria sido melhor responder mostrando nossa capacidade de retaliação mais cedo.”
Críticas semelhantes vieram do setor financeiro europeu. O banco alemão Berenberg descreveu o resultado como uma vitória para Trump:
“O acordo é assimétrico. Os EUA conseguiram um aumento substancial de tarifas sobre produtos da UE e ainda obtiveram concessões adicionais. Na sua mentalidade de soma zero, Trump pode reivindicar isso como uma vitória.”
Na mesma linha, o banco italiano UniCredit questionou os termos:
“Este é um bom acordo para a UE? Provavelmente não. O resultado é fortemente assimétrico e deixa os EUA com tarifas muito mais altas do que as da UE.”
Entre os chefes de governo, a recepção foi cautelosa. O chanceler alemão Friedrich Merz admitiu que gostaria de uma facilitação maior do comércio, mas declarou que o acordo evitou uma guerra tarifária “devastadora” para a economia alemã, fortemente baseada em exportações.
A primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, declarou que o entendimento foi “positivo”, mas ressaltou que Roma ainda precisa “estudar os detalhes” do texto antes de emitir um juízo definitivo. Ambas as falas indicam um tom de resignação — e não de celebração.
Acordo tarifário sela recuo europeu em meio à pressão geopolítica
Desde o início do segundo mandato de Donald Trump, autoridades europeias vêm buscando evitar o acirramento de disputas com Washington para não comprometer temas mais sensíveis da agenda externa, especialmente o apoio militar à Ucrânia.
O próprio comissário de comércio da UE, Maroš Šefčovič, reconheceu que o acordo assinado na Escócia não tratava apenas de comércio.
“Tratava-se de segurança, de Ucrânia, da atual volatilidade geopolítica”, afirmou, momentos após o anúncio.
A percepção dominante entre as lideranças do bloco é de que uma confrontação direta com Trump no plano econômico poderia desencadear represálias mais graves em outras frentes, como o envio de armas à Ucrânia, a permanência dos EUA na Otan ou mesmo o papel de Washington em negociações multilaterais sobre Irã e Gaza.
Em vez de abrir uma nova crise com o governo norte-americano, prevaleceu a lógica de conter danos: recuar no campo tarifário para manter algum nível de cooperação estratégica no tabuleiro da segurança internacional.
Esse cálculo geopolítico explica, em parte, a decisão da Comissão Europeia de buscar um pacto mesmo em condições desfavoráveis.
Também explica por que países como Alemanha, França e Itália, apesar das críticas internas, evitaram romper a unidade do bloco e contemporizaram a assinatura do acordo. Mas o preço desse gesto é alto: a União Europeia aceitou uma relação comercial assimétrica, com aumento tarifário duradouro e contrapartidas bilionárias aos Estados Unidos, em nome de uma estabilidade que não está assegurada.
Como alertaram analistas da consultoria Pantheon Macroeconomics, não há garantias de que o acordo seja mantido nos termos atuais. “Recomendamos fortemente que não se considere o acordo anunciado como a palavra final”, escreveram, lembrando que os compromissos de Trump — inclusive os de segurança — são frequentemente renegociados ou abandonados.
Para a Europa, o acordo pode ter evitado uma crise imediata. Mas a submissão econômica em troca de alinhamento estratégico cobra um preço silencioso: o da erosão da autonomia.