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A Hora da Geopolítica: Por que as Grandes Empresas Brasileiras Precisam Acordar para o Mundo

por Jorge Arbache 

Há um paradoxo em curso na inserção internacional do Brasil. Por um lado, o país está cada vez mais envolvido em temas globais estratégicos: segurança climática, segurança energética, segurança alimentar, defesa, governança internacional. Por outro lado, seguimos agindo como se fôssemos invisíveis no tabuleiro geopolítico. O Estado brasileiro tem baixa tradição de planejamento estratégico e desenvolvimento de inteligência de longo prazo. E o setor privado, salvo raras exceções, compartilha essa miopia. Isso precisa mudar.

O país é uma das dez maiores economias do mundo, é membro dos BRICS, sediou a cúpula do G20 em 2024, lidera a presidência da COP30 e se posiciona como protagonista na agenda climática global. Exporta alimentos e minerais críticos, participa de cadeias estratégicas como energia e defesa, e é o maior detentor de capital natural do planeta: florestas, biodiversidade, terras aráveis, água, fontes renováveis. Tudo isso o coloca no radar das principais potências.

Além disso, o Brasil tem um parceiro comercial prioritário, a China, que é, ao mesmo tempo, o principal rival estratégico dos Estados Unidos. O simples fato de o Brasil buscar caminhos autônomos em sua política externa já o torna um ator relevante (e observado) na arena internacional. Ignorar essa realidade é ingenuidade.

Apesar desse novo protagonismo, as grandes empresas brasileiras pouco incorporam a geopolítica em suas estratégias. São raríssimas as que têm áreas internas de inteligência internacional. A maioria não desenvolve cenários geoeconômicos, não mapeia riscos sistêmicos associados a tensões globais, e sequer considera variáveis geopolíticas em suas decisões de investimento, logística ou financiamento.

Isso é ainda mais grave para empresas com presença internacional, seja via exportações, captação de recursos, cadeias de fornecedores ou presença física em outros países. A dependência de insumos ou mercados em regiões sensíveis, ou a exposição a regimes de sanções e mudanças de regras de comércio e investimento, exige capacidade de antecipação e adaptação. Hoje, isso é uma lacuna grave no setor privado nacional.

De fato, o Brasil tem poucos think tanks voltados a temas estratégicos, carece de uma cultura de prospectiva, e o Estado brasileiro ainda investe pouco em inteligência econômica e diplomacia de interesses. Mas isso não isenta o setor empresarial, especialmente o de grande porte, da responsabilidade de agir. Em outros países, empresas são parte ativa da construção de políticas estratégicas, dialogam com governos sobre riscos e oportunidades geopolíticas e investem em análise de risco-país, cenários e defesa de interesses no exterior. O mesmo deveria valer aqui.

A recente tensão diplomática entre Brasil e Estados Unidos, com repercussões comerciais e políticas, ilustra bem a vulnerabilidade atual. O Brasil foi pego de surpresa, e o setor privado reagiu com perplexidade, sem musculatura para influenciar, mitigar ou sequer entender a lógica em jogo. Um país com ambições de protagonismo, e empresas com presença global, não pode funcionar assim.

Não estamos mais na era da estabilidade hegemônica do pós-Guerra Fria. Vivemos uma era de multipolaridade, de transição energética, de reconfiguração de cadeias produtivas, de crescente uso do comércio como instrumento de poder. Tudo isso afeta investimentos, fluxos comerciais, regras de financiamento, padrões técnicos e acesso a tecnologias críticas. Não incorporar a geopolítica é colocar em risco a própria viabilidade competitiva.

O que as empresas devem fazer agora? Criar áreas de inteligência geopolítica, com capacidade de produção própria ou contratada de cenários e análise de risco; participar ativamente de debates estratégicos, articulando-se com universidades, centros de pesquisa e instâncias de governo; desenvolver capacidade de advocacy internacional, inclusive com presença em fóruns multilaterais e mecanismos de diplomacia econômica; mapear cadeias críticas de suprimento e dependências geoeconômicas, inclusive no que se refere a regras ESG, financiamento verde e normas técnicas; formar quadros preparados para lidar com complexidade global, unindo competências de economia, relações internacionais e sustentabilidade.

A crescente exposição do Brasil no cenário global não é apenas uma fonte de risco. É também uma fonte de oportunidade. Mas ela exige visão estratégica. O país precisa se enxergar como um ator central nas disputas do século XXI e preparar-se para isso. As grandes empresas brasileiras, especialmente as com pegada internacional, não podem mais se dar ao luxo de ignorar a geopolítica. O mundo não vai ignorá-las.

por Jorge Arbache – Professor of Economics, analyst, writer, speaker, and business columnist specializing in Latin America and the Caribbean.

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Last Update: 27/07/2025