Enquanto potências globais escorregam rumo ao autoritarismo, o Brasil surpreende o mundo ao emergir como uma exceção democrática. Sob o terceiro mandato do presidente Lula (PT), o país deu um passo firme no sentido oposto ao da maioria das nações, fortalecendo a democracia liberal e evitando o colapso institucional, segundo o Relatório V-Dem 2025, produzido pela Universidade de Gotemburgo, na Suécia.
A pesquisa, considerada a mais abrangente do mundo sobre regimes políticos, contabiliza atualmente 88 países democráticos e 91 autocráticos. Pela primeira vez em mais de cinco décadas, mais pessoas vivem sob regimes autoritários. Ainda assim, o Brasil foi na contramão: conseguiu reverter parte da deterioração institucional vivida entre 2016 e 2022.
Apesar dos avanços, o relatório mostra que o Brasil ainda sente os efeitos da autocratização iniciada com o impeachment de Dilma Rousseff, em 2016, e agravada durante a gestão de Jair Bolsonaro (PL). O país ocupa a 29ª posição global, com nota 0,71 (numa escala em que 1 representa democracia plena). A liderança mundial é da Dinamarca, com 0,88, enquanto o Chile, com 0,79, é o país mais democrático da América Latina. Já os Estados Unidos registraram queda, figurando na 25ª posição, com 0,75.
“O Brasil enfrentou uma forte crise da democracia, mas conseguiu recuperar e não evoluir para um regime autoritário”, afirmou Tiago Fernandes, professor do Instituto Universitário de Lisboa (Iscte) e diretor do Centro Regional V-Dem Europa do Sul. As declarações estão na reportagem de Jair Rattner, publicada pelo portal Público.
O Brasil foi tema de quatro artigos científicos incluídos no relatório, sinal da relevância internacional do caso. O levantamento analisa mais de 600 indicadores e conta com a colaboração de 4.200 acadêmicos e especialistas, com base de dados que cobre 202 países desde o ano de 1789.

Pilares que evitaram o colapso democrático
Para Fernandes, a resistência democrática brasileira se apoiou em três eixos fundamentais. O primeiro foi a força da sociedade civil. “A primeira foi a força da sociedade civil, que conseguiu pôr gente na rua, em uma aliança entre vários grupos sociais distintos, para defender o Estado democrático de direito. Nos Estados Unidos, contra Donald Trump, não se vê gente na rua, a não ser episodicamente”, observou o pesquisador.
O segundo fator foi a atuação decisiva do sistema judicial, sobretudo no enfrentamento aos atos golpistas. “O Poder Judiciário conseguiu levar Bolsonaro a tribunal pela tentativa de golpe de Estado”, pontuou Fernandes, referindo-se aos processos em curso no Supremo Tribunal Federal (STF) e à responsabilização de militares e apoiadores envolvidos nos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023.
O terceiro ponto foi a articulação política durante as eleições de 2022, que culminou na vitória de Lula. “Criou-se uma frente pró-democracia. Mesmo partidos do ‘centrão’, frequentemente associados à corrupção, romperam com Bolsonaro e passaram para o lado da democracia nas eleições de 2022”, explicou.
Desafios
Embora o Brasil seja hoje visto como um dos países que mais se distanciaram do autoritarismo, o discurso bolsonarista, ainda presente na oposição, acusa o Judiciário de governar com mão de ferro. “Trata-se de um discurso simplificado de ódio, facilitado por uma visão de mundo bipolar, entre nós e eles”, rebateu Fernandes.
Ele chamou atenção ainda para o fato de que o risco autoritário não está totalmente afastado: “Esse movimento autoritário pode voltar algum dia, apoiando outra personalidade política do tipo Bolsonaro”.
Leia também:
Acompanhe as últimas notícias:
