A Justiça Federal no Acre suspendeu, nesta sexta-feira 25, a resolução do Conselho Federal de Medicina que proíbe o uso de bloqueadores de hormônios em adolescentes trans e endurece as regras para a transição de gênero até os 21 anos.
A norma, aprovada por unanimidade pelo CFM em abril, impede médicos de receitarem a jovens que entraram na puberdade os chamados bloqueadores de hormônios, voltados a retardar o aparecimento de traços físicos desconformes ao gênero com o qual esses adolescentes se identificam.
Ao contrário da hormonização, os bloqueadores não provocam mudanças permanentes no corpo. Caso o paciente deseje interromper o tratamento, voltará a produzir os hormônios e as consequentes mudanças corporais inerentes ao gênero.
Além da restrição, a normativa eleva de 16 a 18 anos a idade mínima para iniciar a terapia de hormonização em pessoas trans, e de 18 a 21 anos o piso para a cirurgia de redesignação de gênero, retardando o processo de transição.
Autor da ação do Ministério Público Federal do Acre, o procurador regional dos Direitos do Cidadão Lucas Costa Almeida Dias sustenta que a resolução desconsidera evidências científicas consolidadas e agrava a vulnerabilidade social de um dos grupos mais marginalizados da comunidade LGBT+, além de ignorar tratados internacionais e o princípio constitucional da proteção integral à criança e ao adolescente.
Na decisão, o juiz Jair Araújo Facundes ressalta que a resolução foi elaborada exclusivamente pelo CFM, ao contrário da versão anterior, que envolveu um amplo debate com representantes da sociedade civil e pesquisadores.
Sobre o uso de bloqueadores hormonais, Facundes reforça que o Judiciário não tem a expertise necessária para intervir diretamente em debates científicos, mas questiona a justificativa do CFM de proibir o uso devido à falta de pesquisas sobre o tema, ao mesmo tempo em que utiliza estudos inconclusivos elaborados no Reino Unido.
“Se uma entidade como o CFM baseia suas decisões em estudos científicos, é imperativo que a deliberação esteja alinhada com as conclusões desse estudo, que recomenda a adoção sob protocolo de pesquisa, como já era previsto na resolução de 2019.”
Além de vício procedimental, o juiz identificou problemas materiais na resolução do Conselho — ou seja, haveria inconformidade entre o texto proposto e a legislação vigente. A nova norma propõe a criação de um cadastro de pacientes trans, o que desrespeita o direito à privacidade, à intimidade e à dignidade humana.
“O objetivo de que pessoas sejam monitoradas pelo Estado atrita com a ideia de dignidade humana e traz consigo a presunção de quem assim propõe não é bem intencionado, não possui honestidade intelectual e por isso não deve ser levado a sério”, concluiu o magistrado.
CartaCapital questionou o Conselho Federal de Medicina sobre a suspensão da normativa e não obteve retorno até a publicação desta matéria. O espaço segue aberto.