Sem passagem aérea e transporte por aplicativo, inflação ficaria em 0,19%

por Lauro Veiga Filho

Caso você, rara leitora ou raro leitor, não tenha viajado de avião e nem mesmo contratado algum tipo de transporte por aplicativo entre 14 de junho e 15 de julho, saiba que sua “taxa de inflação” ficou bem abaixo da média registrada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) ao aferir o Índice de Preços ao Consumidor Amplo 15 (IPCA-15) ao longo daquelas quatro semanas. A exclusão daqueles dois itens do cálculo mostra que os demais preços na economia continuam muito bem comportados, o que mais uma vez contradiz o noticiário econômico mais catastrófico, assim como analistas que prefeririam que as taxas de inflação estivessem mesmo explodindo no País para referendar uma avaliação sempre muito negativa em relação à conjuntura dos preços e sobre suas tendências futuras.

Para deixar bem claro, não há “explosão inflacionária” no País e os riscos de isso vir a ocorrer parecem muito distantes no horizonte perceptível. Num “detalhe” que ajuda a reforçar aquela perspectiva, mesmo depois das ameaças de sanção feitas pelos Estados Unidos aos bens exportados pelo Brasil e de toda turbulência gerada nos mercados pela ofensiva estadunidense, os preços dos produtos que tendem a ser mais afetados, direta ou indiretamente, mantiveram um comportamento baixista ou de elevação modestíssima, como mostram as pesquisas de preços realizadas pelo IBGE.

A inflação acumulada nas quatro semanas finalizadas no dia 15 deste mês, como mostram aquelas pesquisas, atingiu 0,33% diante de uma variação de 0,24% nos 30 dias de junho, mostrando, portanto, uma elevação de 0,09 pontos percentuais. O IPCA-15 veio ligeiramente acima das previsões do mercado, na faixa de 0,31% considerando a mediana das projeções (quer dizer, o “ponto médio” entre todas as estimativas divulgadas pelos economistas a serviço do sistema financeiro). As altas das passagens aéreas e do transporte por aplicativo, no entanto, “explicam” em torno de 43% da taxa observada na segunda quadrissemana de julho, com os demais preços preservando certa estabilidade.

Focos de alta

As passagens aéreas, item que tem experimentado oscilações expressivas, tanto para cima quanto para baixo, a depender de estratégias comerciais das empresas do setor diante do comportamento do mercado, saíram de uma variação bastante contida em junho, com elevação de apenas 0,80%, para um salto de 19,86% concentradas praticamente nas duas primeiras semanas de julho. O custo do transporte por aplicativo, ao contrário, já vinha em forte alta desde junho, quando havia registrado aumento de 13,77%, e avançou 14,55% entre 14 de junho e 15 de julho, em relação às quatro semanas imediatamente anteriores. Somados, aqueles dois itens passaram contribuir com pouco mais de 0,14 pontos para uma taxa de inflação de 0,33%.

A exclusão de passagens e transporte por aplicativo do cálculo do índice inflacionário, considerando seu caráter temporário, permite visualizar mais nitidamente de que forma os demais preços têm se comportado. Numa estimativa da coluna, tomando como base as planilhas do IBGE com respectivos pesos para cada item de gasto no orçamento das famílias, a “taxa de inflação” do restante dos preços teria variado de 0,20% nos 30 dias de junho para 0,19%.

Assim, reforçando a hipótese levantada na abertura deste texto, quem não teve despesas com viagens aéreas ou com o transporte via aplicativos, observou uma inflação particular equivalente a praticamente 58% do IPCA-15 observado entre a quinzena final de junho e as duas primeiras semanas do mês em curso.

Alimentos mais baratos

Além daqueles dois itens, a tarifa residencial da energia elétrica e os preços dos combustíveis, além dos alimentos, o primeiro com pressão para cima e os dois últimos puxando para baixo a inflação geral, continuaram exercendo forte influência na formação do IPCA. A energia saiu de um aumento de 2,96% nas quatro semanas de junho para elevação de 3,01% até 15 de julho, refletindo em grande medida a mudança da bandeira tarifária para vermelha, ainda em seu primeiro estágio (o que significou um acréscimo de R$ 4,46 a cada 100 quilowatts/hora (kWh) consumidos pelas famílias).

Os preços dos combustíveis, que haviam recuado 0,42% até o final de junho, passaram a anotar queda de 0,57% na segunda quadrissemana do mês corrente. Os custos da alimentação e de bebidas entraram na sexta semana consecutiva de queda, embora a intensidade daquela redução tenha perdido ímpeto no período, saindo de uma baixa de 0,18% em junho para uma taxa negativa de 0,06% até a primeira quinzena de julho.

Apenas como exercício estatístico, caso fossem excluídos do IPCA quatro itens (energia, passagem área, combustíveis e transporte por aplicativo), a variação observada para os demais setores da economia teria recuado de 0,12% para praticamente zero, o que realçaria a irracionalidade da política de juros ainda perseguida pelo Banco Central (BC).

O “efeito EUA”

Mas e as turbulências geradas pelo trumpismo sobre a economia global e sobretudo para o comércio interacional de bens e serviços? A equipe econômica não deveria mesmo reagir cautelosamente, evitando movimentos abruptos, por exemplo, na política monetária? De fato, o cenário externo tem se complicado, mas não parece, até o momento, ameaçar a estabilidade dos preços domésticos. Deve ser considerado ainda que a taxa básica de juros no País mantém-se expressivamente acima dos juros médios nos demais países, diante de uma inflação sob controle.

Nas quatro semanas terminadas em 15 de julho, numa notificação adicional, os preços das carnes, do café moído, do açúcar e da laranja-pera apresentaram recuo. Pela ordem, o IBGE anotou baixas de 0,36% para os dois primeiros produtos, além de recuos de 0,01% e de 2,33% para o açúcar refinado e cristal, respectivamente, e tombo de 9,79% para a laranja (diante do aumento da produção neste ano), com modestíssimo avanço apenas para o suco de frutas (que teve variação de 0,05%). Considerando esse grupo de produtos, o “efeito EUA” foi uma moderada deflação de 0,03%.

Lauro Veiga Filho – Jornalista, foi secretário de redação do Diário Comércio & Indústria, editor de economia da Visão, repórter da Folha de S.Paulo em Brasília, chefiou o escritório da Gazeta Mercantil em Goiânia e colabora com o jornal Valor Econômico.

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Last Update: 25/07/2025